Câncer de bexiga: fatores de risco, sintomas e tratamento

Dra. Renata Campos & Dr. Pedro Pinheiro

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Câncer de bexiga

Tempo de leitura estimado do artigo: 7 minutos

Introdução

A bexiga é um órgão oco, de paredes musculares, que fica na região pélvica e cuja principal função é armazenar a urina. Quando a bexiga se contrai, o seu conteúdo é eliminado para o exterior através da uretra.

O câncer (ou neoplasia) de bexiga ocorre quando uma célula normal do revestimento interno da bexiga sofre uma ou mais mutações que fazem com que ela se reproduza excessiva e desordenadamente. O crescimento exagerado das células leva à formação de um tumor no local e pode depois levar à disseminação da doença para os outros órgãos do corpo.

O câncer de bexiga é a doença maligna mais comum do trato urinário, bem mais comum que o câncer de rim, por exemplo.

Neste artigo vamos falar especificamente dos diferentes tipos de câncer da bexiga. Se você tem dúvidas sobre o que é um câncer ou um carcinoma, leia também os seguintes textos:

Tipos histológicos do câncer de bexiga

O câncer de bexiga, à semelhança de todos os outros cânceres existentes, é classificado de acordo com a célula que sofreu a mutação e deu origem ao tumor. Para identificar o tipo de célula que está presente, é preciso analisar um fragmento do tumor pelo microscópio, através da biópsia e do exame histopatológico.

Carcinoma urotelial ou carcinoma de células transicionais

Grosso modo, o trato urinário é composto basicamente pelos rins, os ureteres, a bexiga e a uretra.

Trato urinário
Trato urinário

O câncer urotelial origina-se a partir da mutação em uma célula urotelial (também chamada de célula transicional), que são as células que revestem o interior da bexiga, formando o urotélio. Cerca de 90% dos cânceres de bexiga são deste tipo.

As células uroteliais revestem não só o interior da bexiga, mas também dos ureteres, da uretra e da região dos rins que se conecta aos ureteres, a pelve renal. Pessoas com câncer de bexiga podem apresentar também carcinoma urotelial nestes locais.

Carcinoma de células escamosas

Surge geralmente quando a bexiga está sujeita à inflamação crônica. No caso de cistites crônicas, por exemplo, as células uroteliais são substituídas pelas células escamosas.

Este tipo de câncer de bexiga é mais frequente nos países em que a infecção do trato urinário pelo parasito Schistosoma haematobium é comum.

Adenocarcinoma

Apenas cerca de 1% dos cânceres de bexiga são adenocarcinomas. Ele se desenvolve a partir de células glandulares – células que produzem muco – semelhantes às que originam o câncer de cólon. Quase todos os casos são invasivos.

Sarcoma e carcinoma de pequenas células

São tipos bastante raros, não chegando a 1% dos casos.

Grau de invasão

Além da descrição do tipo de célula que deu origem ao câncer, também é importante saber o grau de invasão do tumor. Como já foi dito, a bexiga é um órgão oco, cujas paredes possuem diversas camadas, formadas por diferentes tipos celulares. A camada mais interna – o urotélio – é onde a maior parte das neoplasias de bexiga se origina.

À medida que o câncer cresce, ele vai se infiltrando nas camadas mais profundas da bexiga, o que é chamado de invasão. O câncer pode ser tão invasivo que ultrapassa a parede da bexiga e começa a se espalhar pelos tecidos próximos. Quanto mais profunda for a invasão, mais avançada é a doença.

Desta forma, o câncer de bexiga é classificado em invasivo (ou músculo-invasivo) e superficial (ou não músculo-invasivo).

Graus de invasão do câncer de bexiga
Graus de invasão do câncer de bexiga

O câncer que não é invasivo permanece na camada interna da bexiga e não avança para um nível mais profundo. O câncer invasivo, por outro lado, tende a se espalhar mais rápido e é mais difícil de tratar.

Modo de crescimento

De acordo com a forma de crescimento do câncer de bexiga, ele é dividido em carcinoma papilar ou carcinoma plano.

O carcinoma papilar cresce como uma projeção para o interior da bexiga, como se fosse um dedo ou um pólipo (segundo e terceiro exemplos na ilustração acima). Habitualmente esse tipo de tumor não é invasivo e tem taxa de crescimento lento, com boa resposta ao tratamento.

Já os carcinomas planos não crescem para a parte oca da bexiga e têm maior tendência a serem invasivos e mais graves.

Fatores de risco

Diversos fatores de risco para o desenvolvimento de câncer de bexiga já foram identificados. Alguns desses fatores são modificáveis e outros não.

Fatores de risco não modificáveis

  • Idade: quanto mais avançada a idade do indivíduo, maior o risco de desenvolvimento de câncer de bexiga. Mais de 70% das pessoas diagnosticadas têm mais que 65 anos.
  • Etnia: caucasianos têm quase duas vezes maior chance de desenvolver câncer de bexiga do que negros.
  • História familiar: pessoas cujos familiares tiveram câncer de bexiga apresentam maior chance de desenvolverem câncer também, seja por fatores genéticos ou pela mesma exposição a substâncias tóxicas e cancerígenas.
  • História prévia de carcinoma urotelial: o carcinoma urotelial tem alto índice de recidiva e pode surgir em diversos pontos do trato urinário. Isso significa que quem teve este tipo de câncer está sob maior risco de apresentar – no mesmo local ou em qualquer outra parte do trato urinário – um novo tumor.
  • Infecção ou inflamação crônica da bexiga: pessoas que têm infecções urinárias crônicas ou de repetição, cálculos de bexiga, bexiga neurogênica, espinha bífida ou que façam uso de cateteres vesicais de longa duração apresentam risco mais elevado de desenvolver carcinoma de células escamosas da bexiga.
  • Esquistossomose hematóbica: a infecção pelo parasito Schistosoma haematobium é muito comum em determinados países da Africa, Oriente Médio e da Ásia, sendo nestes locais uma causa comum de câncer de bexiga, particularmente de carcinoma de células escamosas da bexiga.
  • Ciclofosfamida: a ciclofosfamida é um fármaco utilizado no tratamento de diversas condições clínicas, incluindo neoplasias, doenças reumatológicas e autoimunes. Pacientes que foram tratados com ciclofosfamida apresentam risco nove vezes maior de desenvolver câncer de bexiga nos dez anos seguintes ao tratamento.
  • Síndrome de Lynch: pessoas com esta doença apresentam maior risco de desenvolvimento de uma série de tumores, dentre eles o carcinoma urotelial.
  • Radioterapia: parece haver um aumento da incidência de câncer de bexiga em pessoas submetidas a radioterapia para tratamento de câncer testicular, prostático, retal e de colo de útero.
  • Cistoplastia: existem situações em que é necessário realizar um procedimento de aumento da bexiga, como em doentes com bexiga neurogênica ou com desenvolvimento inadequado da bexiga. Esses indivíduos apresentam maior risco de desenvolverem câncer de bexiga e devem realizar exames periódicos para descartar o diagnóstico.

Fatores de risco modificáveis

  • Tabagismo: o tabagismo é considerado o fator de risco mais importante para o desenvolvimento do câncer de bexiga. Existem mais de 60 substâncias carcinogênicas (que provocam câncer) no cigarro. Pessoas que fumam mais têm tendência a ter doença mais invasiva no momento do diagnóstico, assim como menor resposta ao tratamento e maior chance de recidiva, caso continuem a fumar depois de terem sido diagnosticadas. Ex-tabagistas apresentam menor risco de desenvolver câncer de bexiga do que quem continua a fumar, mas ainda assim o risco é maior do que o de pessoas que nunca fumaram.
  • Tabagismo passivo: para mulheres, a exposição à fumaça do cigarro aumenta a chance de desenvolver câncer de bexiga, mesmo que nunca tenham fumado. O convívio de meninas com pais fumantes triplica o risco de desenvolvimento de câncer de bexiga e mulheres que conviveram com maridos fumantes por mais de dez anos têm risco duplicado.
  • Exposição ocupacional: a relação entre determinadas substâncias químicas no ambiente de trabalho e o desenvolvimento de carcinoma urotelial é conhecida há mais de um século e ainda hoje é responsável por cerca de 10 a 20% dos casos diagnosticados. Trabalhadores com exposição intensa a estes químicos chegam a ter 200 vezes mais chance de apresentarem câncer de bexiga, e o risco de morte por câncer de bexiga permanece aumentado por mais de 30 anos depois de deixarem o trabalho. As indústrias de borracha, couro, têxteis, plástico, corantes, tinturas e derivados do petróleo são as que estão associadas a maior risco.
  • Baixa ingestão de água: pessoas expostas às substâncias carcinogênicas (do cigarro ou do trabalho, por exemplo) que bebem pouca água acabam tendo uma urina menos diluída, com maior concentração dos elementos tóxicos implicados no desenvolvimento do câncer de bexiga. Por outro lado, a contaminação da água por arsênico aumenta o risco.
  • Ácido aristolóquico: O ácido aristolóquico é uma substância carcinogênica proveniente de plantas da família Aristolochia, muitas vezes presentes em preparações terapêuticas da medicina chinesa e suplementos alimentares adquiridos online. Também pode ser ingerido acidentalmente através da contaminação de água e solos agrícolas ou pela mistura de grãos destinados ao consumo humano com sementes de Aristolochia, especialmente na região dos Bálcãs. O ácido aristolóquico é nefrotóxico e está relacionado ao desenvolvimento de doença renal crônica. Cerca de 50% dos pacientes com doença renal desenvolvem concomitantemente carcinoma urotelial.

Sintomas

O primeiro sintoma que a maioria dos pacientes com câncer de bexiga apresenta é hematúria (sangramento urinário). A hematúria é habitualmente visível a olho nu (macrohematúria ou hematúria macroscópica), indolor, intermitente e durante a micção.

Apesar da maioria dos casos de sangue na urina não estar relacionada à neoplasia, a presença de hematúria indica maior probabilidade de câncer de bexiga quando ocorre nas seguintes situações:

  • Pacientes acima de 60 anos de idade.
  • Pacientes com história de tabagismo de longa data.
  • Presença de hematúria macroscópica (visível a olho nu).
  • Presença de mais de 25 hemácias por campo no exame de urina.

Cerca de um terço dos pacientes apresenta mudanças no seu padrão habitual de micção, devido à infiltração da parede muscular da bexiga pelo tumor.

Nestes casos os achados mais comumente encontrados são chamados sintomas irritativos do trato urinário, tais como:

  • Urgência urinária (necessidade muito intensa de urinar)
  • Frequência urinária (vontade de urinar frequentemente mesmo sem ter a bexiga totalmente cheia)
  • Incontinência urinária (perda involuntária de urina).
  • Disúria (dor ou desconforto ao urinar).

A associação de disúria, frequência e urgência urinária é altamente sugestiva de câncer de bexiga.

Menos frequentemente, podem surgir sintomas obstrutivos do trato urinário, relacionados ao bloqueio total ou parcial à passagem de urina devido ao crescimento do tumor, tais como:

  • Jato urinário fraco e intermitente.
  • Retenção urinária.
  • Sensação de esvaziamento incompleto da bexiga.
  • Nictúria (necessidade frequente de urinar à noite).

Eventualmente, o indivíduo pode queixar-se de dor, cuja localização varia de acordo com a localização do tumor. Estes casos são habitualmente associados à doença mais avançada, com invasão de tecidos adjacentes ou metástases à distância.

Dor semelhante a uma cólica renal, na lombar ou entre as costelas e a bacia, pode indicar obstrução à passagem de urina pelo ureter. A dor também pode estar localizada na na região da bexiga ou então nas regiões pélvica, retal ou perineal, indicando infiltração do tumor à volta da bexiga.

Em contexto de doença metastática, pode surgir dor de cabeça (cérebro), dor nos ossos ou na parte superior da barriga (fígado).

Diagnóstico

A avaliação diagnóstica do câncer de bexiga habitualmente começa com exames de urina. O exame simples de urina (EAS) pode detectar quantidades mínimas sangue na urina, que não são visíveis a olho nu (hematúria microscópica). O exame de urina simples, porém, não é capaz de identificar a origem do sangramento.

A citologia urinária é um exame simples e não invasivo através do qual é feita a pesquisa de células cancerosas em uma amostra de urina. No entanto, a ausência de células malignas neste exame não descarta o diagnóstico.

A cistoscopia é considerado o melhor exame para diagnosticar o câncer de bexiga. O médico insere o cistoscópio – um tubo fino e flexível com uma câmera na extremidade – pela uretra e através dele consegue ver o interior da bexiga. Também é possível fazer biópsias e um lavado vesical (líquido inserido na bexiga e depois colhido para pesquisa de células) pela cistoscopia.

A biópsia da bexiga é efetuada para que se possa realizar o exame histopatológico, que nada mais é do que a visualização do tecido tumoral ao microscópio, para caracterizar as células presentes. Assim é possível definir o tipo histológico, o grau de invasão e a velocidade com que o câncer cresce. Esses dados são levados em conta na escolha do tratamento.

Exames de imagem fornecem informações complementares, como a ultrassonografia, a ressonância magnética e a tomografia computadorizada. Por meio deles é possível avaliar o tamanho do tumor, o grau de extensão e a presença de lesões metastáticas.

Estadiamento

Definir o estadio, ou fazer o estadiamento da neoplasia, significa estabelecer o quanto o câncer já cresceu e se espalhou. Para o câncer de bexiga utiliza-se o sistema TNM, em que é levado em conta o crescimento do tumor (T), o acometimento de nódulos linfáticos (N) e a presença de metástases (M).

O estadiamento TNM é elaborado a partir da análise completa do tumor, após este ser ressecado cirurgicamente.

De um modo simplificado, podemos dizer que existem cinco estadios que vão do 0 ao 4. Quanto maior for o número, mais avançado a neoplasia está. Por exemplo, o estadio 0 refere-se ao câncer de bexiga superficial, que não ultrapassa nenhuma camada da parede da bexiga, enquanto o estadio 4 refere-se ao câncer metastático.

Sobrevida

Sobrevida refere-se à probabilidade de pacientes com câncer estarem vivos em relação aos pacientes saudáveis, num determinado período de tempo.

A sobrevida de qualquer neoplasia depende do quão avançada ela já estava no momento do diagnóstico.

Para pacientes com câncer de bexiga a sobrevida em cinco anos é a seguinte:

  • Se o tumor estiver restrito a bexiga: 69% dos pacientes sobrevivem pelo menos 5 anos.
  • Se o tumor estiver espalhado para a área adjacente à bexiga: 37% dos pacientes ainda estarão vivos após 5 anos.
  • Se o tumor tiver espalhado pelo corpo (metástases à distância): apenas 6% dos pacientes ainda estarão vivos após 5 anos.

Tratamento

O tratamento do câncer de bexiga depende do estadio em que ele se encontra no momento do diagnóstico.

Nos casos de doença não músculo-invasiva, o tumor pode ser ressecado através de um procedimento endoscópico chamado de ressecção transuretral vesical.

Nestes casos não é feita nenhuma incisão cirúrgica, porque a entrada na bexiga realiza-se através da uretra. Posteriormente, o tratamento é habitualmente complementado com terapia intravesical (dentro da bexiga). Existem diferentes opções, como a imunoterapia com uma forma atenuada do Mycobacterium bovis (BCG), ou quimioterapia com vários fármacos.

Na doença músculo-invasiva, a não ser que o tumor seja pequeno e localizado num só ponto, geralmente é necessário retirar a bexiga toda, bem como os órgãos adjacentes e gânglios linfáticos, um procedimento chamado de cistectomia radical.

No homem, além da bexiga, são também removidas também a próstata e as vesículas seminais. Na mulher, a ressecção da bexiga acompanha-se da remoção do útero, ovários, colo do útero e da parte anterior da vagina. Habitualmente é recomendada a realização de quimioterapia antes da cirurgia.

Dependendo da extensão da neoplasia e da experiência da equipe médica, podem ser prescritos tratamentos adicionais, como imunoterapia e a radioterapia.

Na imunoterapia, os medicamentos (Atezolizumabe, Avelumabe, Nivolumabe, Pembrolizumabe, Enfortumabe) estimulam o sistema imunológico do paciente a reconhecer e combater as células tumorais.

A radioterapia pode estar indicada em situações de câncer inicial em que o paciente não pode ser submetido à cirurgia ou à quimioterapia, ou após a ressecção transuretral vesical, como tentativa de evitar a cistectomia. Também pode ser recomendada para controle de sintomas se a neoplasia estiver em fase avançada.

Alguns pacientes com doença metastática ou inoperável podem receber somente tratamento com quimioterapia ou imunoterapia, não com o objetivo de cura, mas de prolongamento da sobrevida e melhoria da qualidade de vida.


Referências


Autor(es)

Médica graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Universidade do Porto. Nefrologista pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pelo Colégio de Nefrologia de Portugal.

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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