Nefrite Intersticial: o que é, causas e tratamento

Dra. Renata Campos

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Nefrite intersticial

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O que é nefrite intersticial?

Nefrite é um termo que indica inflamação dos rins. O interstício renal é o tecido existente entre os túbulos renais. Portanto, a nefrite intersticial é uma doença dos rins caracterizada por inchaço do tecido renal e inflamação dos túbulos renais, o que clinicamente resulta em declínio da capacidade dos rins filtrarem o sangue.

O processo de filtração do sangue e eliminação de substâncias desnecessárias pela urina é complexo e envolve a participação de muitos componentes, sendo os túbulos renais essenciais nesse processo. Quando ocorre inflamação dos túbulos, o funcionamento normal dos rins fica prejudicado, resultando em insuficiência renal.

A nefrite intersticial pode apresentar um curso crônico ou agudo. A nefrite intersticial crônica está associada a uma lenta perda da função renal e ao desenvolvimento de doença renal crônica, que pode passar despercebida pelo paciente por anos, pois o declínio da função renal se dá de forma gradual.

Já a nefrite intersticial aguda (NIA) provoca um quadro de declínio rápido e súbito da função renal. A NIA é uma das principais causas de perda súbita da função renal, sendo diagnosticada em torno de 20% dos pacientes submetidos à biópsia renal devido à insuficiência renal aguda.

Causas

A causa mais comum de nefrite intersticial aguda é o uso de medicamentos, mas ela pode estar relacionada também a doenças autoimunes, infecções ou ser idiopática, isto é, sem causa definida.

Nefrite intersticial aguda induzida por fármacos

A nefrite intersticial associada a medicamentos é a principal causa de nefrite intersticial aguda. O quadro é de uma reação de hipersensibilidade, isto é, uma alergia ao medicamento em questão.

No entanto, essa reação alérgica atinge somente os rins e não os outros órgãos, como a pele nos casos de urticária ou os pulmões nos casos de asma.

Cerca de 75% dos casos de nefrite intersticial aguda estão relacionados ao uso de fármacos, sendo quase a metade destes relacionados ao uso de antibióticos.

Em teoria, qualquer fármaco pode desencadear uma resposta alérgica nos rins. Atualmente, mais de 250 medicamentos diferentes já foram descritos como causa de nefrite intersticial aguda. 

O medicamento historicamente mais associado a NIA era a Meticilina, um antibiótico do grupo das penicilinas que não é mais utilizado hoje, precisamente devido aos seus efeitos adversos renais.

Além da Meticilina, os primeiros relatos de nefrite intersticial eram na sua maioria resultado da exposição aos antibióticos da classe dos beta-lactâmicos, como penicilinas e cefalosporinas.

Atualmente, várias classes de remédios estão associadas ao desenvolvimento da nefrite intersticial aguda, sendo antibióticos, anti-inflamatórios e inibidores da bomba de prótons os mais comuns.

Entre os medicamentos mais associados a nefrite intersticial podemos citar:

  • Anti-inflamatórios, como diclofenaco, ibuprofeno e nimesulida.
  • Antibióticos do grupo das Penicilinas e Cefalosporinas.
  • Rifampicina.
  • Antidiabéticos da classe das sulfonilureias, como glipizida e glibenclamida.
  • Ciprofloxacino e, em menor grau, o restante das quinolonas.
  • Diuréticos, incluindo furosemida e hidroclorotiazida.
  • Cimetidina.
  • Fenitoína.
  • Alopurinol.
  • Inibidores da bomba de prótons, como omeprazol, pantoprazol e lansoprazol.
  • Indinavir
  • 5-Aminosalicilatos, como sulfassalazina e mesalazina.
  • Certos quimioterápicos.

Muitas vezes é difícil estabelecer uma relação causal entre um fármaco específico e a nefrite intersticial, porque o paciente pode estar usando diversos medicamentos ao mesmo tempo, o que torna o diagnóstico bastante desafiador.

Outro fator importante é que a nefrite intersticial relacionada aos fármacos não é dose dependente, isto é, pode ocorrer mesmo com uma pequena dose do medicamento. Além disso, um segundo episódio de NIA pode ocorrer com a utilização de uma droga relacionada. Por exemplo, se uma pessoa apresentou nefrite intersticial ao utilizar omeprazol, ela corre o risco de apresentar um segundo episódio se utilizar o lansoprazol.

Nefrite intersticial aguda induzida por infecções

Cerca de 4 a 10% dos casos de NIA são provocados por agentes infecciosos.

A pielonefrite (infecção dos rins) de origem bacteriana é a causa mais comum de nefrite intersticial aguda relacionada à infecção. Nesse caso, o quadro costuma ser localizado em apenas um dos rins, ao contrário das outras formas de NIA que costumam acometer ambos os rins ao mesmo tempo.

Também a tuberculose renal e infecções fúngicas do rim são reconhecidos como causadores de NIA.

Por outro lado, infecções sistêmicas que não se iniciam nos rins também podem acabar por provocar inflamação do tecido renal e ocasionar nefrite intersticial aguda, como leptospirose, difteria, histoplasmose, sífilis, leishmaniose e toxoplasmose.

Pacientes com HIV podem apresentar nefrite intersticial por uma reação direta ao próprio vírus ou pelos fármacos utilizados para tratamento da infecção.

Em transplantados renais, a infecção pelo vírus BK é uma causa habitual de NIA, porque este microrganismo tem uma conhecida predileção pelos túbulos renais.

Diversos microrganismos já foram apontados como agentes etiológicos, sejam eles bactérias, vírus, parasitas ou fungos. Dentre as bactérias podemos citar desde as mais comuns, como E. coli e S. aureus, até as mais raras como Brucella, Rickettsia, Legionella e Yersinia.

Dentre os vírus, incluímos além do HIV e do vírus BK, o citomegalovírus, Epstein-Barr, poliomavírus e por fim o Hantavírus, que provoca uma nefrite intersticial característica, com componente hemorrágico.

Finalmente, existem relatos de casos de NIA em contexto de infecção fúngica disseminada por cryptococcus e candida, em adição ao já mencionado histoplasma. 

Às vezes, a determinação exata da causa da nefrite intersticial aguda nos casos infecciosos pode ser complicada, uma vez que os medicamentos utilizados para o tratamento das infecções também podem ser eles próprios os responsáveis por provocar lesão renal. 

Nefrite Intersticial Aguda associada à doença sistêmica

10 a 20% dos casos de NIA estão relacionados a doenças sistêmicas são as doenças, principalmente as de origem autoimune, como o Lúpus Eritematoso Sistêmico, a Sarcoidose e a Síndrome de Sjogren.

A nefrite lúpica é a principal forma de acometimento renal pelo lúpus e costuma acometer o rim como um todo, não somente os túbulos renais. No entanto, em um percentual pequeno dos pacientes com lúpus pode haver exclusivamente nefrite intersticial.

Até 50% dos pacientes com sarcoidose apresentam comprometimento da função renal. A manifestação renal mais comum da Síndrome de Sjogren é a nefrite intersticial, sendo a forma crônica mais frequente que a aguda.

As doenças inflamatórias intestinais, como a retocolite ulcerativa e a Doença de Crohn podem associar-se a nefrite intersticial aguda, tanto como manifestação extra-intestinal da doença, como em consequência de reação de hipersensibilidade aos fármacos usados para tratamento.

Uma causa bem mais rara de doença sistêmica, mas que comumente cursa com envolvimento renal é a Síndrome Relacionada a Imunoglobulina G4 (IgG4). 

Nefrite Intersticial Aguda Idiopática

Em menos de 5% dos casos a nefrite intersticial é de origem idiopática, ou seja, são aquelas em que não se identifica o mecanismo de acometimento renal. Dentre elas destaca-se a Nefrite Túbulo-intersticial com Uveíte (TINU) e Nefrite Intersticial Associada a Anticorpo Contra a Membrana Basal Tubular (anti-TBM).

Nefrite Intersticial crônica

A nefrite intersticial crônica pode ocorrer devido a qualquer uma das muitas condições que inicialmente causam a nefrite intersticial aguda. Geralmente é provocada por uma NIA de evolução menos grave, que não foi diagnosticada nem tratada no início do quadro.

Sintomas

A nefrite intersticial aguda pode ser totalmente assintomática ou pode estar associada aos sinais e sintomas da doença sistêmica e/ou quadro infeccioso concomitante.

Se a NIA for induzida por fármacos, o paciente pode apresentar sinais e sintomas clássicos de uma reação alérgica, como dores articulares (artralgias), rash (manchas avermelhadas na pele), febre e eosinofilia, nome dado quando se verifica aumento do número de eosinófilos no sangue.

A tríade de febre, lesões cutâneas e eosinofilia, apesar de muito comumente descrita como característica para o diagnóstico de nefrite intersticial induzida por fármacos, só se verificou em cerca de 10% dos casos nos estudos mais recentes publicados sobre o assunto. Uma explicação possível para esse achado é que os anti-inflamatórios e inibidores de bomba de prótons, que estão entre as etiologias mais implicadas atualmente na formação da NIA, costumam cursar com quadros subclínicos, com menos sintomas. 

Isoladamente, a frequência dos sintomas da NIA induzida por fármacos costuma ser:

  • Rash Cutâneo: 15%
  • Febre: 30%
  • Artralgia: 45%

A nefrite intersticial aguda associada ao uso de anti-inflamatórios pode apresentar-se como síndrome nefrótica, que é um conjunto de sinais e sintomas que surgem quando o paciente apresenta perda excessiva de proteínas na urina (proteinúria).

Não há um intervalo de tempo específico para o aparecimento dos sintomas no caso da nefrite intersticial induzida por fármacos, podendo ocorrer tão rapidamente quanto três a cinco dias até semanas ou meses após o início do medicamento.

Nos casos mais graves, com perda relevante da função renal de forma rápida, o paciente pode apresentar sinais e sintomas de insuficiência renal aguda, como náuseas, vômitos, mal-estar, falta de apetite, edema e redução do volume de urina.

Exames laboratoriais

A característica principal da nefrite intersticial aguda, comum a todos os pacientes independente da etiologia, é a insuficiência renal aguda, que se apresenta com elevação dos valores de ureia e da creatinina no exame de sangue.

Esse aumento varia em função das doenças de base do paciente, sua função renal prévia e da situação que originou a nefrite intersticial. Em aproximadamente 40% dos pacientes, a lesão renal é tão intensa a ponto de ser necessário tratamento com hemodiálise.

Outro achado característico no exame de sangue é a presença de eosinofilia, que só está presente somente em cerca de um terço dos casos de NIA, mas quando encontrada em situações de insuficiência renal aguda sem causa aparente deve levar logo a pensar neste diagnóstico.

Eosinófilos podem também ser encontrados na urina (eosinofilúria), mas esse achado é inespecífico e sua ausência não exclui o diagnóstico.

No exame simples de urina (EAS), o achado mais comum e que se verifica em 80% dos pacientes é a presença de leucócitos, mas também podemos encontrar hemácias, células epiteliais e proteínas. No entanto, o exame de urina pode não apresentar nenhuma alteração em alguns casos.

A urina costuma ter o aspecto habitual, mas raramente pode apresentar-se avermelhada ou espumosa devido respectivamente à presença de sangue e proteínas em excesso. 

Diagnóstico

O diagnóstico da nefrite intersticial aguda deve ser considerado em todo paciente com história clínica sugestiva e elevação da creatinina no exame de sangue associada a leucocitúria e por vezes, eosinofilúria. 

Quando não há suspeita ou identificação de nenhuma droga, deve-se procurar por uma infecção oculta ou doença sistêmica ainda não diagnosticada.

Na maior parte das vezes, quando se trata de NIA induzida por fármacos, há relato de introdução recente de um novo medicamento e posteriormente, poucos dias depois de ser interrompido, verifica-se o princípio da recuperação da função renal, que costuma retornar ao valor basal em duas semanas. Essa evolução clínica é muito característica, e considerada suficiente para confirmar o diagnóstico.

É importante lembrar que nem sempre a interrupção do agente agressor resulta em restabelecimento completo da função renal. O tempo entre a interrupção do fármaco e a melhora da função renal, bem como a taxa de recuperação são variáveis e em alguns pacientes pode haver progressão para doença renal crônica. 

Portanto, o único meio de ter certeza absoluta e descartar completamente outras causas é através da biópsia renal.   

A biópsia renal para confirmação do diagnóstico está indicada nas seguintes situações:

  • Pacientes com insuficiência renal aguda e alterações sugestivas no EAS, mas que não estejam fazendo nenhum fármaco que provoque NIA
  • Pacientes com insuficiência renal aguda sem alterações no EAS, mas que estejam fazendo um fármaco que frequentemente provoca NIA.
  • Pacientes com insuficiência renal aguda sem causa aparente em que se considera iniciar corticoides para tratamento.
  • Pacientes com insuficiência renal aguda que tenham feito um fármaco que frequentemente provoca NIA mas que não recuperam a função renal após interrupção do mesmo
  • Pacientes com insuficiência renal aguda avançada de início recente.
  • Pacientes com insuficiência renal aguda e proteinúria significativa com síndrome nefrótica.

Tratamento

Nos casos de NIA induzida por medicamentos, o pilar do tratamento é a interrupção do fármaco em questão. Se houver dúvida sobre qual droga ocasionou a lesão renal deve-se suspender todas ao mesmo tempo ou uma por vez, caso a função renal não esteja muito debilitada e haja tempo para tal.

O uso de corticoide está indicado após a realização de biópsia renal, ou simultaneamente se a disfunção renal for grave o suficiente a ponto de ser necessário induzir diálise nas primeiras 72 horas de acompanhamento médico.

Dois esquemas com corticoides são aceitáveis:

  • 500 a 1000 mg de metilprednisolona intravenosa diariamente por três dias, seguido de prednisona oral a 1 mg/kg diariamente.
  • Prednisona oral a 1 mg/kg diariamente, sem a dose inicial intravenosa de metilprednisolona.

Normalmente, a dose de corticoide pode começar a ser reduzida após pelo menos duas semanas de tratamento em dose plena.

O micofenolato de mofetil é uma opção nos casos em que o paciente apresenta contraindicação ou intolerância aos corticoides.  

Nas situações de doença sistêmica autoimune, habitualmente também se recomenda a corticoterapia, em esquemas específicos consoante a situação clínica e envolvimento de outros órgãos.

Já nos casos de NIA induzida por infecções é necessário tratar o quadro infeccioso subjacente com a medicação dirigida aos microorganismos em questão.


Referências


Autor(es)

Dra. Renata Campos

Médica graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Universidade do Porto. Nefrologista pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pelo Colégio de Nefrologia de Portugal.

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