O que é infecção urinária?
Infecção urinária é o nome dado à infecção de qualquer estrutura do trato urinário, incluindo uretra, bexiga, ureteres ou rins. Em mais de 95% dos pacientes a infecção é de origem bacteriana, sendo a bactéria Escherichia coli responsável por mais de 80% destes casos.
Não existe um tratamento único que sirva para todas as formas de infecção urinária. O medicamento mais indicado dependerá do agente causador, do sexo do paciente, do local do trato urinário acometido, da gravidade da doença e do estado clínico do paciente.
Neste artigo abordaremos tratamento da cistite, a forma mais comum de infecção de urina.
Para ler sobre a pielonefrite, infecção que acomete os rins, ou sobre a uretrite, infecção que acomete a uretra, acesse os links:
Informações em vídeo
Antes de prosseguir, assista a esse curto vídeo sobre os cinco sintomas mais comuns da infecção do trato urinário.
Diferentes formas de cistite
Cistite é o nome dado à infecção da bexiga, sendo a forma mais simples e mais comum de infecção urinária. A cistite ocorre preferencialmente em mulheres, sendo incomum em homens saudáveis.
Dividiremos a explicação do tratamento da cistite em 5 grupos:
- Cistite não complicada em mulheres.
- Cistite complicada em mulheres.
- Cistite em grávidas.
- Cistite em homens.
- Urocultura positiva em pacientes sem sintomas.
Se você quiser saber mais informações sobre cistite, além do tratamento, leia: Cistite: o que é, sintomas e tratamento.
Atenção: não use este texto para se automedicar. Indicar antibióticos é tarefa do médico. A escolha equivocada pode causar graves efeitos colaterais e criar bactérias resistentes.
Tratamento da cistite simples
A infecção da bexiga que ocorre em mulheres sem problemas de saúde é chamada de cistite simples ou não complicada. Este é o tipo mais comum de infecção urinária.
A imensa maioria dos casos de cistite não complicada é causada pela bactéria E.coli, mas outras bactérias, como Proteus mirabilis, Klebsiella pneumoniae e Staphylococcus saprophyticus também podem ser as causadoras. Portanto, o tratamento da cistite não complicada em mulheres deve sempre incluir um antibiótico que tenha ação contra essas bactérias, principalmente sobre a E.coli, responsável por mais de 80% dos casos.
A escolha do antibiótico é feita mais corretamente quando baseada nos resultados da urocultura, exame de urina usado para identificar qual é a bactéria que está causando a infecção.
No resultado da urocultura, além da identificação da bactéria, o laboratório também fornece uma lista com os antibióticos que in vitro se mostraram mais eficazes para combatê-la. Essa lista é chamada de antibiograma. Portanto, quando o médico tem acesso ao resultado da urocultura, a escolha do antibiótico deve sempre se basear no antibiograma (leia: Exame urocultura – Indicações e como colher).
Cabe ressaltar que na maioria das vezes a cistite é uma infecção simples e de fácil tratamento, não havendo necessidade de solicitar urocultura para todos os casos. O resultado da urocultura demora de 2 a 4 dias para ficar pronto, o que atrasaria em vários dias o início do tratamento e o alívio dos sintomas. Em geral, como os sintomas são muito típicos, na suspeita de cistite não complicada em mulheres, o médico está autorizado a começar antibióticos empiricamente, sem pedir nenhum exame.
Antibióticos para cistite não complicada
Os remédios mais utilizados contra a cistite são os antibióticos que agem sobre as bactérias que habitualmente provocam infecção urinária, principalmente contra a bactéria E.coli. As melhores opções de tratamento empírico (sem orientação do antibiograma) incluem:
- Nitrofurantoína 100 mg de 12/12 por 5 a 7 dias.
- Trimetoprim-sulfametoxazol (Bactrim) 160/800 mg de 12/12 horas por 3 dias.
- Fosfomicina 3 g em dose única.
- Cefadroxil 500 mg por via oral duas vezes ao dia por 5 a 7 dias.
- Cefpodoxima 100 mg por via oral duas vezes ao dia por 5 a 7 dias.
- Levofloxacino 250 mg a 500 mg 1 vez por dia por 3 dias.
- Ciprofloxacino 250 a 500 mg de 12/12 horas por 3 dias.
- Norfloxacino 400 mg de 12/12 horas por 3 dias.
- Amoxicilina + clavulanato 500 mg de 12/12 horas por 5 a 7 dias (amoxicilina pura, sem ácido clavulânico não é muito eficaz para tratar cistite).
A escolha do melhor tratamento cabe ao médico, baseado no conhecimento do perfil de sensibilidade da E.coli em cada comunidade. Há locais, por exemplo, onde a taxa de resistência da E.coli ao Bactrim é sabidamente elevada, não sendo este uma boa opção para tratamento empírico.
O Pyridium (fenazopiridina) ou o Cystex não são antibióticos efetivos e, portanto, não são escolhas adequadas para tratar infecção urinária. Esses medicamentos são somente analgésicos, servindo apenas para aliviar temporariamente os sintomas de ardência urinária, sem ter ação efetiva sobre as bactérias (leia: Principais Causas de Dor para Urinar).
Tratamento da cistite complicada
Cistite complicada é a infecção da bexiga que ocorre em mulheres com algum problema de saúde que aumente o risco de falha no tratamento. São geralmente consideradas cistites complicadas aquelas que ocorrem em pacientes com:
- Diabetes mellitus.
- História de pielonefrite aguda nos últimos 12 meses.
- Sintomas prolongados de infecção urinária.
- Infecção urinária por bactéria multirresistente.
- Infecção urinária adquirida em ambiente hospitalar.
- Insuficiência renal.
- Obstrução do trato urinário.
- Presença de cálculo renal.
- Presença de um cateter vesical, stent ureteral ou nefrostomia.
- Instrumentação ou cirurgias recentes do trato urinário.
- Anormalidade anatômica do trato urinário.
- Incontinência urinária.
- História de infecção do trato urinário na infância.
- Transplante renal ou outras causas de imunossupressão.
Pacientes com cistite complicada devem sempre colher exames de urina, principalmente urocultura. Não é preciso esperar o resultado dos exames para começar o tratamento com antibióticos, mas ter um antibiograma e a bactéria causadora da infecção urinária identificada dentro de 2 ou 3 dias ajuda muito a decidir o próximo passo, caso o paciente não tenha melhorado nas primeiras 72 horas de tratamento empírico. Em geral, sugerimos ao paciente que ele vá ao laboratório fazer um exame de urina e logo depois inicie o tratamento com antibióticos.
Antibióticos para cistite complicada
As melhores opções de tratamento empírico (sem orientação do antibiograma) da cistite complicada incluem:
- Levofloxacina 500 a 750 mg 1 vez por dia por 5 a 14 dias, dependendo da gravidade do caso.
- Ciprofloxacina 500 mg de 12/12 horas por 5 a 14 dias, dependendo da gravidade do caso.
Se o paciente não apresentar sinais de melhora em 2 ou 3 dias, o antibiótico deve ser trocado consoante o antibiograma, que já deverá estar disponível nesta altura.
Nos casos de pacientes com cálculos renais ou obstruções do trato urinário, a remoção cirúrgica destes pode ser necessária para o tratamento ter sucesso. Do mesmo modo, pacientes com sonda vesical ou stent no ureter podem ter que trocá-los para conseguir se livrar da infecção urinária. A bactéria pode se alojar em qualquer uma destas estruturas e conseguir “se esconder” do antibiótico, sendo muito difícil sua eliminação apenas com remédios.
Tratamento da cistite em grávidas
Aproximadamente 2% das mulheres grávidas apresentam pelo menos um episódio de cistite durante a gestação. O risco de ascensão das bactérias da bexiga em direção aos rins é maior nas mulheres grávidas, fazendo com que toda cistite neste grupo seja considerada uma cistite complicada. Além disso, a presença de bactérias na urina está associada a problemas na gravidez, como parto prematuro, baixo peso do feto e morte fetal.
Devido ao risco de malformações fetais, nem todos os antibióticos podem ser usados nas mulheres grávidas. Por isso, as gestantes merecem uma abordagem distinta das outras pacientes com cistite complicada.
Antibióticos para cistite em grávidas
Todas as gestantes com sintomas sugestivos de cistite devem colher urocultura e iniciar tratamento antibiótico empírico. As melhores opções são:
- Nitrofurantoína 100 mg de 12/12 horas por 5 a 7 dias.
- Cefpodoxima 100 mg de 12/12 horas por 3 a 7 dias.
- Amoxicilina-clavulanato 500 mg de 12/12 horas por 3 a 7 dias.
- Fosfomicina 3 g em dose única.
- Cefalexina 500 mg de 12/12 horas durante 3-7 dias.
O Trimetoprim-sulfametoxazol (Bactrim) 160/800 mg de 12/12 horas por 3 dias é uma opção, mas apenas a partir do segundo trimestre, devendo este ser evitado nas primeiras 12 semanas de gravidez. Os antibióticos da família das quinolonas, como ciprofloxacino, norfloxacino e levofloxacino são contraindicados na gravidez.
Uma semana após o fim do tratamento, a urocultura deve ser repetida para se confirmar a eliminação da bactéria. Se a urocultura for novamente positiva para a mesma bactéria, o tratamento deve ser repetido, desta vez por mais tempo.
Por outro lado, se a urocultura confirmar a eliminação da bactéria, ela deve ser repetida todo mês até o final da gestação, para termos certeza de que não haverá novas infecções.
Para saber mais detalhes sobre infecção urinária na gravidez, leia: Infecção urinária na gravidez.
Tratamento da cistite em homens
A cistite é um quadro muito menos comum em homens do que em mulheres, devido ao maior comprimento da uretra, ao ambiente periuretral menos úmido, à menor colonização de bactérias na região ao redor da uretra e à presença de substâncias antibacterianas no líquido prostático.
Habitualmente, as cistites em homens ocorrem naqueles com anormalidades do trato urinário, sejam más-formações em crianças pequenas ou doenças urológicas em pacientes idosos, como problemas da próstata. No entanto, cistites não complicadas podem ocorrer em um pequeno número de homens entre os 15 e os 50 anos de idade, sem nenhum problema de saúde.
Antibióticos para cistite em homens
Todos os homens com sintomas sugestivos de cistite devem colher urocultura e iniciar tratamento antibiótico empírico. As melhores opções são:
- Trimetoprim-sulfametoxazol (Bactrim) 160/800 mg de 12/12 horas por no mínimo 7 dias.
- Levofloxacino 500 mg 1 vez por dia por no mínimo 7 dias.
- Ciprofloxacino 500 mg de 12/12 horas por no mínimo 7 dias.
Se após 48-72 horas não houver melhora, o tratamento deve ser ajustado consoante o resultado da urocultura e do antibiograma. Nestes casos, uma investigação para alterações na anatomia urológica deve ser avaliada.
É preciso ter sempre em mente que sintomas de infecção urinária em homens não necessariamente indicam uma cistite, já que prostatite ou a uretrite (como no caso da gonorreia) podem ter sintomas muito parecidos.
Bacteriúria assintomática
Cistite é a inflamação da bexiga causada por bactérias. A simples presença de bactérias na urina, sem sinais de inflamação da bexiga, não é considerada uma infecção, mas sim uma colonização.
Uma analogia fácil de entender é com a pele. Ter bactérias presentes na pele é completamente diferente de ter uma infecção de pele. Portanto, a simples presença de bactérias na urina não é suficiente para o diagnóstico de uma infecção. Para ser cistite é preciso que o paciente tenha sintomas de uma bexiga inflamada, como dor para urinar, sangue na urina, vontade constante de urinar, mesmo com a bexiga vazia, etc.
Mesmo no caso da bactéria E.coli, há cepas menos virulentas, capazes de se proliferar na urina, mas sem força para causar inflamação da bexiga. Uma urocultura positiva, mesmo para E.coli, em um paciente sem nenhuma queixa, não deve ser valorizada na maioria dos casos. Na verdade, se o paciente não tem queixas urinárias, não faz sentido solicitar uma urocultura.
A presença de bactérias na urina sem sintomas é chamada bacteriúria assintomática e não deve ser tratada com antibióticos na grande maioria dos casos. As únicas exceções são as grávidas e os pacientes que irão ser submetidos a cirurgias urológicas. Nestes casos está indicada a realização de urocultura, mesmo sem sintomas, e o tratamento conforme o resultado do antibiograma. Em todos os outros casos, o tratamento da bacteriúria assintomática não apresenta benefícios e pode ainda estimular o desenvolvimento de bactérias resistentes.
Explicamos a bacteriúria assintomática com detalhes no artigo: O que é bacteriúria assintomática?
Dúvidas comuns sobre o tratamento da infecção urinária
Infecção urinária se cura sozinha?
Eventualmente, sim. No entanto, três fatores fazem com que o tratamento com antibióticos seja indicado em todos os casos:
1. A maioria das pacientes (cerca de 2/3) não melhora espontaneamente da cistite.
2. Mesmo quando os sintomas desaparecem espontaneamente, a paciente costuma ter recorrência da cistite algumas semanas depois.
3. Quando uma infecção urinária não é tratada, o risco de o quadro evoluir para uma complicação, como pielonefrite, é bem mais alto (cerca de 5 vezes maior).
Existe forma de aliviar a infecção de urina instantaneamente?
De forma instantânea, não. Mas os antibióticos começam a fazer efeito nos sintomas da infecção urinária poucas horas depois da paciente iniciar o tratamento. 50% dos pacientes notam melhora após 6 horas de tratamento e 90% já estão sem sintomas após 24 horas. Se os sintomas da cistite forem muito incômodos e a paciente tiver pressa para aliviá-los, o uso do analgésico fenazopiridina pode ajudar enquanto os antibióticos não fazem efeito.
Existe remédio para infecção urinária em dose única?
Sim, uma das opções de tratamento da cistite não complicada é o antibiótico fosfomicina, que deve ser administrado em dose única de 3 gramas por via oral.
Qual é o melhor antibiótico para infecção do trato urinário?
Existem várias opções de antibióticos para tratar a infecção urinária. Nenhum deles é claramente superior aos outros. E escolha do antibiótico mais adequado depende de vários fatores, como sexo do paciente, intensidade dos sintomas, comodidade da posologia, perfil de resistência das bactérias na comunidade na qual a paciente vive, história pregressa de infecção de repetição, resultado da urocultura, etc.
Azitromicina serve para infecção urinária?
Não, azitromicina não é uma boa opção de antibiótico para cistite.
Metronidazol serve para infecção urinária?
Não, metronidazol não é uma boa opção de antibiótico para cistite. Metronidazol serve para alguns tipos de infecção vaginal, mas não para infecção urinária.
Benzetacil serve para infecção urinária?
Não, a penicilina benzatina (benzetacil) não é uma boa opção de antibiótico para cistite.
Anti-inflamatórios, como ibuprofeno, cetoprofeno ou nimesulida, servem para infecção de urina?
Anti-inflamatórios ajudam a aliviar a dor, mas eles não agem diretamente sobre a bactéria. Ibuprofeno, cetoprofeno ou nimesulida sozinhos não curam a infecção, é preciso prescrever também um antibiótico.
Chá de caroço de abacate é bom para cistite?
Não há estudos que mostrem que o chá de caroço de abacate seja eficaz.
Existe algum chá que cure infecção urinária?
Não há evidências de que nenhum chá ou “tratamento natural” seja realmente eficaz para tratar infecção urinária. Como alguns casos de cistite podem melhorar espontaneamente, a paciente pode ter a falsa impressão de que o tratamento caseiro funcionou, mas o risco de complicações ou retorno da infecção nas semanas ou meses seguintes é alta.
Infecção urinária pode matar?
Eventualmente, sim, principalmente se a infecção evoluir para uma pielonefrite e sepse. No entanto, a maioria dos casos de cistite não causa maiores problemas e é facilmente tratado.
Quando uma mulher tem cistite é preciso também tratar o parceiro?
Não, a infecção urinária não é uma infecção transmissível por relações sexuais. Ninguém pega nem passa infecção urinária para outros.
Referências
- Guidelines on Urological Infections – European Association of Urology.
- International Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Acute Uncomplicated Cystitis and Pyelonephritis in Women: A 2010 Update by the Infectious Diseases Society of America and the European Society for Microbiology and Infectious Diseases – Clinical Infectious Diseases.
- Urinary tract infection (lower): antimicrobial prescribing – The National Institute for Health and Care Excellence (NICE).
- Acute simple cystitis in women – UpToDate.
- Acute simple cystitis in men – UpToDate.
- Urinary Tract Infection (UTI) and Cystitis (Bladder Infection) in Females Treatment & Management – Medscape.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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