Doenças transmitidas por cães (zoonoses)

Dra. Renata Campos

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Zoonoses cão

Tempo de leitura estimado do artigo: 4 minutos

O que é uma zoonose?

Chamamos de zoonose as infecções dos animais que podem ser transmitidas para os seres humanos. Mais da metade de todas as infecções conhecidas em humanos são zoonoses. Estima-se que cerca de 6 em cada 10 doenças infecciosas que acometem homens e mulheres sejam transmitidas por animais.

As doenças zoonóticas podem ser causadas por vírus, bactérias, parasitos ou fungos. Frequentemente, os animais que transmitem esses germes são domesticados e têm aparência saudável.

Neste artigo falaremos especificamente das zoonoses provocas por cães. Se você deseja saber mais sobre as zoonoses em geral, leia: Zoonoses: doenças transmitidas por animais.

Zoonoses transmitidas por cachorros

As vantagens de se ter um animal de estimação estão bem estabelecidas através de estudos científicos. A presença de um cão ajuda a reduzir os níveis de solidão, estresse, ansiedade e pressão arterial, bem como promove o contato social e a prática de atividade física.

Nas crianças, o contato com um cachorro tem influência positiva no seu desenvolvimento social, emocional e cognitivo, além de possivelmente reduzir a incidência de alergias e asma.

Apesar destes benefícios, cães apresentam, como outros animais, risco de zoonoses, especialmente para pessoas com sistema imunológico debilitado. As doenças transmitidas por cães podem variar desde uma lesão de pele sem gravidade até uma situação clínica séria.

A imensa maioria dos donos de cães não desenvolve nenhuma zoonose de origem canina, mas essas doenças existem e sua ocorrência não é tão rara quanto se possa imaginar, principalmente quando lembramos que só no Brasil existem cerca de 52 milhões de cães de estimação.

Transmissão

As zoonoses podem ser transmitidas aos humanos pelo cão através da saliva, urina, fezes e secreções contaminadas ou pela picada de insetos. Mais raramente, a transmissão pode se dar pela comida do cachorro contaminada.

Saliva contaminada

Assim como nos humanos, a boca dos cães é lar para centenas de espécies de bactérias. A sua saliva, portanto, é um fluido contaminado, potencialmente transmissor de germes.

A maioria das bactérias que vivem na boca do seu cachorro não são zoonóticas, o que significa que você provavelmente não pegará uma doença com as lambidas do seu animal. No entanto, há exceções.

A mordida de um cão, da mesma forma que a lambedura de feridas ou de mucosas humanas (como a boca), pode causar diferentes tipos de infecção nos humanos. Dentre elas estão a raiva, a pasteurelose, a brucelose e a infecção pela bactéria Capnocytophaga canimorsus.

Capnocytophaga canimorsus

A bactéria C. canimorsus ganhou destaque nos últimos anos na mídia por relatos recentes de desenvolvimento de quadros infecciosos graves, com meningite ou endocardite, em donos, devido a uma simples lambida ou mordidelas de brincadeira com seu cão.

De fato, a Capnocytophaga canimorsus é uma bactéria que está normalmente presente na boca de cães, podendo provocar infecção generalizada (sepse) e óbito em humanos, se houver transmissão por mordidas, lambidas ou arranhões.

Indivíduos com sistema imunológico comprometido são mais suscetíveis, apesar de já terem sido descritos casos em pessoas saudáveis também. Deve-se ter cuidado com o contado da saliva dos cães em pessoas com imunossupressão e crianças muito pequenas.

Mais uma vez cabe ressaltar que na grande maioria dos casos, o contato frequente com cães não leva à infecção por Capnocytophaga, nem mesmo se houver mordidelas nos membros ou lambidas na cara.

Contato com fezes contaminadas

A transmissão de infecções através das fezes dos cães pode ocorrer via fecal-oral ou por via direta.

Na via fecal-oral, o contágio ocorre quando o indivíduo leva a mão suja com fezes contaminadas – após limpeza dos excrementos do animal, toque de superfícies ou terra contaminados – à boca.

Os micro-organismos que provocam gastroenterite em cães, como Salmonella, Campylobacter, Cryptosporidium ou Giardia podem ser transmitidos pelas fezes desta forma.

Na via direta, há contato direto com material contaminado e penetração de larvas de vermes através da pele. A via direta é o modo de aquisição de parasitoses como toxocaríase, larva migrans cutânea, equinococose, e dipilidiose.

Picadas de insetos

A transmissão de doenças pode ocorrer pela picada de um inseto infectado trazido pelo animal para casa, como pulgas ou carrapatos, ou quando o inseto age como um vetor e transmite a doença do animal para o ser humano através da picada.

Os carrapatos podem ser infectados por diversos agentes e consequentemente disseminar uma série de doenças como a doença de Lyme, a erliquiose, a tularemia, a babesiose e a febre maculosa. As pulgas contaminadas podem transmitir peste.

Cães com leishmaniose podem passar a doença para as pessoas pela da picada de mosquitos que entraram em contato com cães contaminados. A dirofilariose é uma parasitose vascular canina e pode ser transportada aos humanos por mosquitos que ingerem sangue de cachorros contaminados contendo microfilária.

Contato com urina contaminada

A leptospirose é uma infecção transmitida através do contato de indivíduos com água ou solo contaminados pela urina de animais infectados. Apesar de a leptospirose estar muito associada à urina de ratos, os cachorros também podem transmiti-la.

Exposição a aerossóis gerados a partir de secreções

Infecções provocadas por duas bactérias, Coxiella burnetii e Bordetella bronchiseptica, foram associadas a exposição a aerossóis. A Coxiella burnetii é o agente causador da febre Q e apesar de ser mais comumente ligada a animais de fazenda, pode raramente contaminar cães.

Os humanos podem ser expostos à bactéria ao inalar aerossóis contaminados provenientes de secreções do parto e da placenta das cadelas.

A Bordetella bronchiseptica, uma espécie do mesmo gênero da bactéria que causa coqueluche em humanos, provoca a tosse do canil nos cachorros.

Apesar de raro, já foram identificados casos de pessoas que se contaminaram via inalação de aerossóis provenientes da tosse após a infecção acometer seus animais de estimação.

Comida contaminada

Há relatos de contaminação de ração seca de cachorro com espécies de Salmonella. Neste contexto, o manuseio da ração sem higienização adequada das mãos a seguir, pode promover a infecção em humanos.

Na tabela abaixo resumimos as principais zoonoses de origem canina.

TransmissãoInfecçãoDoença em humanosDoença nos cães
SalivaRaiva.Encefalite progressiva aguda.Alterações do comportamento, apatia, agressividade e paralisia.
Pasteurella.Infecções de pele e tecidos moles, artrite séptica, osteomielite.Nenhum, faz parte da flora bacteriana normal da cavidade oral.
Capnocytophaga.Infecções de pele e tecidos moles, sepse, meningite.Nenhum, faz parte da flora bacteriana normal da cavidade oral.
Brucella.Febre de origem desconhecida; sintomas variados e inespecíficos.Semelhante aos sintomas humanos.
FecalSalmonella, Cryptosporidium, Giardia.Gastroenterite.Assintomático ou gastroenterite
Campylobacter.Dor abdominal e diarreia.Assintomático ou gastroenterite
Toxocara canis.Larva migrans visceral e larva migrans ocular.Assintomático.
Ancylostoma caninum.Larva migrans cutânea.Assintomático.
Echinococcus granulosus.Cistos hidáticos, equinococose.Cistos hidáticos, equinococose.
Dipylidium caninum.Dor abdominal, diarreia, prurido anal e urticária.Semelhante aos sintomas humanos.
Picadas de insetoB. burgdorferi.Eritema migrans, doença de Lyme.Claudicação de início súbito, articulações inchadas.
Rickettsia rickettsii.Febre maculosa.Semelhante aos humanos.
Ehrlichia chaffeensis e Anaplasma phagocytophilum.Erliquiose.Semelhante aos humanos.
Babesia microti ou B. divergens.Babesiose.Semelhante aos humanos.
Francisella tularensis.Tularemia.Febre, perda de apetite.
Yersinia pestis.Peste.Doença leve e limitada.
Dirofilaria immitis.Erupção cutânea urticariforme.Dirofilariose.
Leishmania.Leshmaniose.Leshmaniose.
AerossolBordetella bronchiseptica.Infecção respiratória.Tosse do canil.
Coxiella burnetii.Febre Q.Assintomático; infecção pode causar aborto ou morte rápida de filhotes recém-nascidos.
UrinaLeptospira interrogansLeptospirose.Leptospirose.

Prevenção

Apesar de haver sempre perigo dos donos contraírem uma série de doenças dos seus cães, a realidade é que o risco de aquisição de infecções a partir do contato com estes animais é baixo e pode ser reduzido ainda mais com medidas simples, com as listadas abaixo:

  • Leve regularmente seu cão ao veterinário para avaliar a saúde geral do animal.
  • Em caso de diarreia, inicie tratamento adequado o mais rápido possível.
  • Mantenha a vacinação em dia, com atenção especial à anti-rábica.
  • Mantenha o tratamento contra de pulgas e carrapatos em dia e pesquise regularmente por carrapatos.
  • Mantenha o tratamento do verme do coração (dirofilariose) em dia.
  • Mantenha a desparasitação interna em dia.
  • Não dar comida crua e não preparar ou manusear a comida do animal no mesmo lugar da comida dos humanos.
  • Dar preferência a rações de melhor qualidade para minimizar o risco de salmonelose.
  • Não permitir que o cão coma lixo, fezes, animais mortos ou que beba água não potável.
  • Lavar as mãos após limpeza das fezes do cão.
  • Lavar as mãos após contato com o animal, especialmente se houve lambedura.
  • Lavar as mãos após contato com a comida do animal.
  • Evite brincadeiras forma bruta, de forma a evitar mordidas e arranhões.

Fatores de risco

Existem pessoas que pela idade ou por determinadas condições de saúde apresentam maior chance de apresentarem quadros graves quando infectadas. Habitualmente são indivíduos que possuem o sistema imunológico mais debilitado, como pessoas idosas, crianças menores que 5 anos, grávidas e imunossuprimidos.

Dentre o grupo de pacientes imunossuprimidos podemos citar os infectados pelo HIV, os que usam medicação imunossupressora (quimioterapia, transplantados) e os que não possuem o baço.

Nestas situações, o mais indicado é evitar contato com as fezes e urina do animal, bem como com a sua casa/cama e manter a higienização das mãos frequente.

Já no caso de crianças pequenas, o ideal é ter sempre um adulto supervisionando a interação delas com o cachorro, para minimizar o risco de mordidas, arranhões e lambidas na boca, chupeta ou feridas. É importante lembrar que a maior parte das mordidas de cachorro em crianças acontece com animais conhecidos.

A vigilância do adulto também previne o contato direto da criança com rações, camas e casas possivelmente contaminadas.


Referências


Autor(es)

Dra. Renata Campos

Médica graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Universidade do Porto. Nefrologista pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pelo Colégio de Nefrologia de Portugal.

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