Larva migrans cutânea (bicho geográfico)

Bicho geográfico ou larva migrans é uma infecção de pele causada por larvas de Ancylostoma encontradas em fezes de animais, como cães e gatos. Provoca coceira intensa e lesões com forma de caminhos na pele.
Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Larva Migrans

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O que é larva migrans?

A larva migrans cutânea, conhecida popularmente por bicho geográfico, é uma infecção causada pelas larvas de parasitos que vivem nos intestinos de cães e gatos, como os helmintos Ancylostoma braziliense ou Ancylostoma caninum.

Essa infecção é caracterizada por um trajeto cutâneo linear ou serpiginoso, que ocorre devido à infecção por larvas que migram pela pele.

O bicho geográfico é mais comum em regiões de clima tropical e subtropical, e está frequentemente associado a indivíduos que visitam ou residem em áreas endêmicas*. Trabalhadores ao ar livre, crianças e pessoas que andam descalças em ambientes arenosos são considerados grupos de risco. Cerca de 75% dos casos envolvem os membros inferiores, especialmente os pés, enquanto outras áreas, como tronco e membros superiores, são afetadas em menos de 10% dos casos.

* Áreas endêmicas são regiões geográficas onde uma determinada doença ou condição ocorre de forma constante e habitual, apresentando uma prevalência significativa e previsível ao longo do tempo. Isso implica que a doença é parte do padrão de saúde normal da região, devido a fatores ambientais, ecológicos ou socioeconômicos específicos que favorecem a sua manutenção.

Transmissão

O ciclo de vida dos parasitas que causam a larva migrans cutânea começa quando animais infectados pelos helmintos, habitualmente cães ou gatos, eliminam os ovos do parasita pelas fezes. As fezes contaminadas, quando em contato com um solo quente, úmido e arenoso, se tornam um meio ótimo para a evolução dos ovos, que eclodem, liberando as larvas. Em condições favoráveis, as larvas evoluem e tornam-se infectantes em cerca de 5 a 10 dias, podendo sobreviver no ambiente por até 4 semanas.

A contaminação do homem se dá quando há um contato da pele com o solo contaminado por larvas, habitualmente, quando andamos descalços sobre terreno arenoso. Praias, principalmente aquelas onde há fezes de cães e gatos na areia, são locais propícios para conterem larvas de helmintos. As regiões da areia onde há sombra, mas não há contato com a água do mar, são os melhores pontos para o desenvolvimento das larvas.

Também é importante destacar que locais como jardins e caixas de areia ao ar livre, onde crianças brincam, também são potenciais fontes de contaminação, devido ao hábito dos gatos de enterrar suas fezes.

Cerca de 3/4 dos casos de contaminação com larvas dos parasitos que provocam a larva migrans ocorrem nos membros inferiores, principalmente nos pés. Contaminações no tronco ou nos membros superiores ocorrem em menos de 10% dos casos. Nas crianças que brincam sentadas em caixas de areia ou na praia, os glúteos e as coxas são habitualmente acometidos.

As larvas na 3ª fase evolutiva (descrevo o ciclo completo mais abaixo) conseguem penetrar a camada mais superficial da pele humana, mas não conseguem atravessar as camadas subjacentes. Sem conseguir invadir mais profundamente, os vermes migram de forma errática por baixo da pele, formando pequenos túneis que dão origem aos desenhos que se assemelham a mapas, justificando o nome popular de “bicho geográfico”.

Os seres humanos são considerados hospedeiros acidentais porque as larvas não conseguem completar seu ciclo de vida no corpo humano. Isso ocorre porque as larvas carecem da enzima colagenase, necessária para romper a membrana basal da pele e atingir camadas mais profundas. Dessa forma, as larvas permanecem confinadas à epiderme, migrando apenas nas camadas superficiais da pele e provocando uma intensa reação inflamatória que é percebida clinicamente como os túneis serpiginosos.

As larvas não completam seu ciclo de vida em seres humanos, pois estes não são seus hospedeiros definitivos. Dessa forma, elas não se reproduzem nem produzem ovos capazes de serem transmitidos a outras pessoas. Portanto, não há possibilidade de transmissão de larva migrans de pessoa para pessoa.

Ciclo de vida da larva migrans

O ciclo da larva migrans envolve diversas fases evolutivas, que podem ser descritas da seguinte forma:

  1. Fase de ovos: o ciclo começa quando os animais hospedeiros (geralmente cães e gatos) eliminam os ovos dos parasitas pelas fezes. Esses ovos precisam de condições adequadas de temperatura, umidade e solo arenoso para eclodirem.
  2. Fase de larvas rabditoides (L1 e L2 – fases não infectantes): em condições ambientais favoráveis, os ovos eclodem e liberam as larvas em sua forma inicial, conhecidas como larvas rabditoides (L1). Essas larvas se alimentam de bactérias e matéria orgânica presente no solo e, após um período de 5 a 10 dias, passam por uma muda, evoluindo para a segunda forma larval (L2). Durante essa fase, elas continuam se desenvolvendo e passando por mais uma muda para atingir a próxima fase.
  3. Fase de larvas filariformes (L3 – fase infectante): após duas mudas, as larvas atingem a terceira fase de desenvolvimento (L3), também chamada de fase filariforme. Nesta fase, elas se tornam infectantes e aptas a penetrar na pele dos hospedeiros. Essas larvas podem sobreviver no solo por até quatro semanas, aguardando o contato com um hospedeiro. Este é o estágio em que a larva consegue penetrar a pele humana ao entrar em contato direto com superfícies contaminadas, como solos arenosos.
  4. Penetração e migração cutânea: quando um humano ou animal entra em contato com o solo contaminado, as larvas filariformes (L3) penetram a camada mais superficial da pele. No corpo humano, elas não conseguem atravessar a membrana basal da pele, devido à falta de colagenase, e acabam migrando de forma errática na epiderme, causando os túneis característicos da larva migrans cutânea.
  5. Hospedeiro acidental: no ser humano, que é um hospedeiro acidental, as larvas não conseguem completar o ciclo de vida devido à falta das condições adequadas e permanecem apenas na superfície da pele, migrando e desencadeando uma resposta inflamatória.
Ciclo de vida da Larva migrans
Ciclo de vida da larva migrans

Ao contrário do que ocorre em cães e gatos, a ingestão dos ovos ou larvas de Ancylostoma braziliense ou Ancylostoma caninum por humanos geralmente não leva à infecção, uma vez que o ciclo do parasita não é adaptado para se desenvolver no trato digestivo humano.

Sintomas

O momento da penetração das larvas pode passar despercebido, mas em alguns pacientes é possível notar a presença de uma pápula (um ponto com relevo de mais ou menos 1 cm de diâmetro) avermelhado e pruriginoso. Se o solo estiver intensamente contaminado por larvas, várias pápulas podem surgir na pele, indicando vários pontos de invasão.

Dentro de dois a seis dias depois da invasão, surgem os pequenos túneis causados pela migração do verme por baixo da pele. Cada invasão origina um túnel. Estas lesões são discretamente elevadas, serpiginosas, marrom-avermelhadas e provocam muita coceira. Os túneis avançam cerca de 2 a 5 cm por dia e podem formar desenhos caprichosos.

Lesões típicas de larva migrans
Lesões típicas de larva migrans

Com o passar dos dias, a parte mais antiga do trajeto tende a desinflamar, deixando em seu lugar uma faixa mais escurecida, que desaparecerá posteriormente.

A duração do processo é muito variável, podendo curar-se espontaneamente ao fim de 2 semanas ou durar meses. A larva migrans quando desaparece espontaneamente, sem tratamento, pode reaparecer semanas ou meses depois.

O sintoma que mais incomoda é a coceira, podendo, inclusive, impedir o paciente de dormir. Se o paciente cocar demais a área, pode causar feridas e facilitar a contaminação da pele por bactérias, levando a quadros de celulite ou erisipela.

Para ver mais imagens da larva migrans cutânea, acesse: Fotos de larva migrans cutânea (bicho geográfico).

Diagnóstico

O diagnóstico é geralmente clínico, baseado na história de exposição a solos contaminados e na observação das lesões cutâneas serpiginosas características. Tecnologias novas, como dermatoscopia e videodermatoscopia, podem ajudar a visualizar as larvas e a confirmar o diagnóstico em casos duvidosos.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial é essencial para evitar confusões com outras condições dermatológicas. Condições como estrongiloidíase (larva currens), gnatostomíase, loíase e dracunculíase podem causar lesões semelhantes e devem ser consideradas.

Também é importante diferenciar de condições como tinea pedis, dermatite de contato, impetigo, micose superficial, escabiose e foliculite.

Tratamento

O tratamento da larva migrans é feito com drogas antiparasitárias que tenham ação contra helmintos, como Tiabendazol, Albendazol ou Ivermectina.

A Ivermectina é usada na dose de 200 mcg/kg por dia, por um ou dois dias. Estudos indicam que uma dose única tem uma taxa de cura entre 94 e 100%. Pacientes com casos de foliculite causada por ancilostomídeos podem necessitar de dois dias de tratamento com Ivermectina.

Já o Albendazol é habitualmente prescrito na dose de 400 mg por dia por três dias.

O Tiabendazol pode ser usado como pomada nos casos iniciais, leves ou com poucas lesões. O tratamento tópico com tiabendazol tem duração de 5 a 7 dias e é eficaz na interrupção da progressão das lesões e alívio da coceira.

Anti-histamínicos também são indicados para controlar o prurido, e corticosteroides tópicos podem ser prescritos para casos de reações alérgicas intensas.

As lesões e a coceira costumam apresentar melhora já nas primeiras 48 horas de tratamento.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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