Eletrocardiograma (ECG): entenda os resultados

Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Eletrocardiograma

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O que é o eletrocardiograma?

Apesar da contínua renovação das tecnologias utilizadas para os diagnósticos médicos, o eletrocardiograma (ECG), disponível desde o início do século passado, ainda mantém um papel central na investigação de várias doenças cardíacas.

O ECG é um exame complementar importante para a interpretação do ritmo cardíaco e para a detecção de isquemia do coração.

O eletrocardiograma é também de grande valor na avaliação de outros tipos de anormalidades cardíacas, incluindo doenças das válvulas cardíacas, miocardiopatias, pericardites e sequelas cardíacas da hipertensão arterial.

Neste texto tentaremos explicar o ECG para a população leiga. Nosso objetivo, obviamente, não é ensinar ninguém a interpretar um eletrocardiograma, nem esgotar o assunto, até porque o mesmo é muito complexo para ser abordado em um único texto.

Falaremos apenas do ECG feito em repouso. O eletrocardiograma realizado durante o exercício, chamado de teste de esforço, será abordado em um artigo à parte.

Como funciona o eletrocardiograma?

O eletrocardiograma é um exame que detecta a atividade elétrica do nosso coração.

O nosso coração é um órgão movido a sangue e eletricidade. Cada batimento, cada contração do músculo cardíaco, cada movimento das válvulas do coração são comandados por pequenos impulsos elétricos gerados no próprio coração.

Graças ao ECG conseguimos identificar os padrões normais de transmissão e geração destes impulsos elétricos. Anomalias na atividade elétrica cardíaca são sinais claros de que há algum problema no coração.

O eletrocardiograma é exame mais indicado para avaliar arritmias cardíacas e para a investigação inicial das isquemias cardíacas, dois eventos que mexem diretamente com a atividade elétrica do coração.

O eletrocardiograma serve para tratar alguma doença?

Não. O ECG é apenas um exame. Ele não trata nenhuma doença ou sintoma. Do mesmo jeito que um paciente com pneumonia não melhora ao fazer uma radiografia do tórax, o paciente com problemas cardíacos não sofre nenhuma alteração ao fazer o eletrocardiograma.

Como é feito o exame

O eletrocardiograma em repouso é feito com o paciente deitado e com o tronco nu. O ideal é que o paciente não tenha feito nenhum tipo de esforço nos últimos 10 minutos, nem  fumado nos últimos 30 minutos que antecedem o exame.

Seis eletrodos são fixados por meio de adesivos ao peito e mais 4 pás, também com eletrodos, são colocadas nos punhos e tornozelos, como na ilustração abaixo. Habitualmente, usa-se um pouco de gel entre cada eletrodo e a pele para aumentar a condução elétrica.

ECG

Em alguns casos, os 6 adesivos com eletrodos fixados ao tórax são substituídos por peras de borracha com uma base metálica que se fixa à pele através de vácuo, como ventosas.

Após a correta colocação dos eletrodos no paciente, os mesmos são ligados à máquina que fará a leitura da atividade elétrica do coração.

Não se assuste, não há nenhum risco de você levar um choque durante o exame. O eletrocardiograma não apresenta nenhum risco à saúde; o pior que pode acontecer é você ter uma discreta alergia no local dos adesivos.

Se o paciente tiver muitos pelos no peito, é possível que seja preciso raspá-los antes para que os eletrodos possam ser fixados.

O exame é muito rápido. Depois de tudo pronto, o resultado sai em questão de segundos. A máquina capta os sinais elétricos do coração e imprime um traçado em um papel quadriculado próprio.

Atividade elétrica do coração

Para entender um pouco os resultados do eletrocardiograma, precisamos antes saber como se dá a geração e a propagação dos impulsos elétricos no coração.

A explicação abaixo pode parecer confusa, mas é importante para entender conceitos, como “ritmo sinusal”, “alterações na repolarização ventricular”, “bloqueio de ramo”, frequentemente relatados nos laudos dos ECG.

O estímulo elétrico nasce no próprio coração, em uma região chamada nodo sinusal (ou nó sinusal), localizado no ápice no átrio direito.

O nodo sinusal produz continuamente e de modo regular impulsos elétricos que se propagam por todo o coração, induzindo a contração dos músculos cardíacos. Portanto, um coração em ritmo sinusal é aquele cujos estímulos elétricos estão sendo normalmente gerados pelo nodo sinusal.

Os impulsos elétricos ao se distribuírem por todo o músculo cardíaco induzem a entrada de íons de cálcio nas células do coração, um processo chamado de despolarização elétrica.

A despolarização estimula a contração do músculo. Após a contração, grandes quantidades do íon potássio saem das células, num processo chamado de repolarização, que prepara as células musculares para nova despolarização. Enquanto não houver repolarização, a célula muscular não consegue se contrair novamente, por mais que receba estímulos elétricos.

Atividade elétrica cardíaca
Coração em ritmo sinusal

Veja a animação acima. A atividade elétrica normal nasce no nodo sinusal, despolariza primeiro o átrio direito e depois o átrio esquerdo. Após passar pelos dois átrios, o impulso elétrico chega ao nodo atrioventricular, na divisão entre os átrios e o ventrículo.

Neste momento, o impulso sofre um pequeno retardamento, que serve para que os átrios se contraiam antes dos ventrículos. No nodo atrioventricular, após alguns milissegundos de espera, o impulso elétrico é transmitido para os dois ventrículos, fazendo com que suas células se despolarizem, causando a contração cardíaca e o bombeamento do sangue pelo coração. O impulso elétrico demora 0,19 segundo para percorrer todo o coração.

Traçado básico do ECG

Falaremos apenas do básico, tentando abordar aquilo que mais aparece nos laudos dos eletrocardiogramas.

Típico ECG
Eltrocardiograma

Acompanhe a figura acima. O traçado do eletrocardiograma é composto basicamente por 5 elementos: onda P, intervalo PR, complexo QRS, segmento ST e onda T. A saber:

  • A onda P é o traçado que corresponde à despolarização dos átrios (contração dos átrios).
  • O intervalo PR é o tempo entre o início da despolarização dos átrios e dos ventrículos.
  • O complexo QRS é a despolarização dos ventrículos (contração dos ventrículos).
  • O segmento ST é o tempo entre o fim da despolarização e o início da repolarização dos ventrículos.
  • A onda T é a repolarização dos ventrículos, que passam a ficar aptos para nova contração.

Cada batimento cardíaco é composto por uma onda P, um complexo QRS e uma onda T.

Nota1: a repolarização dos átrios ocorre ao mesmo tempo da despolarização dos ventrículos, por isso, ela não aparece no ECG, ficando encoberta pelo complexo QRS.

Nota2: o complexo QRS pode ter várias aparências, dependendo da derivação em que ele é visualizado.

Derivações do ECG

Todo esse percurso do impulso elétrico é captado e interpretado pelo eletrocardiograma através de traçados. As várias posições dos eletrodos são usadas para captar diferentes ângulos do coração, como se fossem várias câmeras voltadas para cada uma das partes do órgão.

O ECG habitual possui 12 derivações, que são como 12 ângulos diferentes que acompanham simultaneamente a propagação da atividade elétrica. Estas 12 derivações cobrem boa parte do tecido cardíaco. São chamadas de: D1, D2, D3, aVR, aVL, aVF, V1, V2, V3, V4, V5 eV6.

Exemplos: a parede inferior do ventrículo pode ser avaliada pelas derivações D2, D3 e aVF; a parede anterior por V1 a V4 e a parede lateral alta por D1 e aVL. Portanto, uma alteração da condução elétrica que se repete nas derivações D2, D3 e aVF, por exemplo, indica algum problema na região inferior do ventrículo.

Resultados do eletrocardiograma

É impossível explicar todas as alterações possíveis de um ECG. Porém, posso indicar quais são os valores normais e as alterações mais comuns.

Um eletrocardiograma normal apresenta as seguintes informações:

  • Frequência cardíaca entre 60 e 100 batimentos por minuto.
  • Onda P presente, indicando ritmo sinusal. A onda P normal costuma ter menos de 0,12 segundos de duração.
  • Intervalo PR tem duração entre 0,12 e 0,20 segundos.
  • Complexo QRS tem duração entre 0,06 e 0,10 segundos.
  • Eixo elétrico normal situa-se entre -30º e +90º.

Alterações comuns no ECG

Bloqueios de ramo

Bloqueio de ramo esquerdo (BRE): significa que a condução elétrica está comprometida no ramo nervoso que conduz o impulso elétrico para o ventrículo esquerdo.

O ramo esquerdo bifurca-se em ramo anterior esquerdo e ramo posterior esquerdo. Por isso, se apenas uma parte do ramo estiver comprometida, são possíveis também os diagnósticos de hemibloqueio anterior esquerdo (HBAE) ou hemibloqueio posterior esquerdo (HBPE).

Bloqueio do ramo direito (BRD): significa que a condução elétrica está comprometida no ramo que conduz o impulso elétrico para o ventrículo direito. O ramo direito não bifurca, portanto, só existe este um tipo de BRD.

Hemibloqueio anterior esquerdo (HBAE) + Bloqueio do ramo direito (BRD): é uma situação que significa que a transmissão dos impulsos elétricos para o ventrículo está sendo feita apenas por metade do ramo esquerdo (apenas pelo ramo posterior esquerdo). Este é um paciente que está próximo de perder a condução elétrica para os ventrículos.

Os bloqueios de ramo são comuns em pacientes com doença isquêmica cardíaca. Geralmente ocorrem em pessoas que já tiveram um infarto e/ou que tenham insuficiência cardíaca.

Desvio do eixo elétrico

O eixo elétrico normal varia entre -30º e 90º.

Se o eixo estiver entre -30º e -90º dizemos que há um desvio do eixo para esquerda. As principais causas são o BRD, hipertrofia do ventrículo esquerdo, enfisema pulmonar, síndrome de Wolff-Parkinson-White e infarto prévio. O desvio para esquerda pode ocorrer também em pessoas sadias.

Se o eixo elétrico estiver entre 90º e 180º há um desvio do eixo para direita. As principais causas são o BRE, o infarto prévio e a hipertrofia do ventrículo direito. Assim como o desvio para a esquerda, o desvio para a direita também pode surgir em pessoas sem doenças do coração.

Arritmia sinusal

Apesar do nome arritmia assustar, a arritmia sinusal é uma condição benigna que ocorre frequentemente em jovens. Geralmente é uma alteração do ritmo cardíaco provocada pela respiração. Como é sinusal, indica que apesar do ritmo irregular, o impulso elétrico está sendo gerado corretamente pelo nodo sinusal. É uma alteração que costuma desaparecer com o tempo.

Extrassístoles

Extrassístoles são batimentos cardíacos isolados fora do ritmo. Nesses casos, o coração bate regularmente, mas de repente surge um batimento isolado inesperado.

A extrassístole é chamada supraventricular se o foco deste batimento anômalo surgir em algum ponto do átrio (fora do nodo sinusal) e extrassístole ventricular se o foco anômalo surgir em algum ponto do ventrículo.

Extrassístoles isoladas costumam não ter nenhum significado clínico. Se forem frequentes, podem causar sensação de palpitação. Nestes casos a causa deve ser investigada.

Leia: Palpitações, taquicardia e arritmias cardíacas.

Alterações na repolarização ventricular

Alteração da repolarização ventricular é um achado também relativamente comum. São alterações na onda T do eletrocardiograma e podem estar presentes no caso de hipertensão arterial, estenose da válvula aórtica ou na isquemia cardíaca.

Porém, quando o laudo vem descrito como alterações inespecíficas na repolarização ventricular, geralmente o quadro não tem significado clínico. As alterações da onda T que sugerem doença cardíaca têm uma aparência característica que permite distingui-las das alterações inespecíficas, sem valor clínico.

Fibrilação atrial

A fibrilação atrial (FA) é uma arritmia comum, principalmente em idosos.

A FA é um ritmo não sinusal no qual ocorre uma geração caótica de estímulos elétricos por todo o átrio, fazendo com que o mesmo não consiga se contrair. O átrio fica tremendo, como se estivesse em convulsão. Como existe o nodo atrioventricular, esses impulsos caóticos são abortados antes de chegar ao ventrículo. Portanto, o paciente não apresenta onda P, o ritmo cardíaco é irregular, mas o QRS é normal.

Para saber mais sobre fibrilação atrial, leia: Fibrilação atrial.

Hipertrofia ventricular esquerda (HVE)

Também chamada de sobrecarga ventricular esquerda, a HVE é um aumento da massa muscular do ventrículo esquerdo provocado pelo esforço do coração em bombear sangue nos pacientes com hipertensão arterial.

A hipertrofia ventricular esquerda costuma ter com sinais o aumento da amplitude do complexo QRS, uma alteração da onda T e desvio do eixo elétrico para a esquerda.

Importância no infarto do miocárdio

O eletrocardiograma, por ser barato e de fácil acesso, é o primeiro exame realizado nos pacientes que se apresentam com queixas de dor no peito.

Há vários achados que podem indicar uma doença isquêmica, entre eles, elevação do segmento ST (supradesnivelamento do segmento ST), redução do segmento ST (infradesnivelamento do segmento ST), ondas T invertidas ou ondas T apiculadas.

O sinal mais clássico de infarto ao ECG é o supradesnivelamento do segmento ST, chamado infarto com supra.

Porém, é importante destacar que nem todo infarto se apresenta com achados no ECG. Um eletrocardiograma normal não é suficiente para descartar um infarto! Se o paciente tem dor no peito e, principalmente, se tiver fatores de risco, como idade acima de 50 anos, obesidade, diabetes, hipertensão, tabagismo, etc., deve-se colher análises de sangue (geralmente doseamento da troponina) para melhor investigar um possível quadro de infarto.

Conclusão

O eletrocardiograma, assim como qualquer meio diagnóstico complementar, deve ser encarado como apenas uma peça no quebra-cabeça de um diagnóstico. Não se completa um quebra-cabeça com apenas uma peça.

O ECG deve ser interpretado por um médico que tenha experiência com o exame, levando sempre em consideração outros dados, como história clínica, sintomas, exame físico, análises laboratoriais e outros exames complementares.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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