Ectopia renal e rim em ferradura: o que são e complicações

Dra. Renata Campos & Dr. Pedro Pinheiro

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Ectopia renal

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O que é um rim ectópico?

Ectopia (do grego ektopos, fora do lugar) é um termo médico utilizado para descrever a deslocação ou a posição anômala de um órgão ou tecido.

Sendo assim, a ectopia renal ou rim ectópico é uma anomalia que acontece quando um ou os dois rins apresentam-se fora da sua localização habitual no corpo, que é a região retroperitoneal (região atrás dos órgãos abdominais e abaixo da caixa torácica).

A ectopia renal é uma alteração congênita, ou seja, já está presente ao nascimento e ocorre por uma anormalidade genética no desenvolvimento do feto.

Embora as crianças com essa anomalia sejam geralmente assintomáticas, algumas desenvolvem sintomas devido a complicações, tais como infecção urinária recorrente, cálculos renais ou obstrução urinária.

Posição anatômica correta dos rins
Posição anatômica correta dos rins

Como surge?

Para compreender como a ectopia renal surge, é importante aprender sobre o processo de formação dos rins e do trato urinário no feto. O processo embriológico humano é bastante complexo, por isso, explicaremos de modo mais simples possível.

Os rins passam por três estágios durante o seu desenvolvimento, que são, em ordem cronológica de aparecimento, o pronefro, o mesonefro e por fim, o metanefro. Este último, o metanefro, é o rim permanente e pode ser detectado já entre a quinta e a sexta semana de gestação.

Formação embriológica do sistema urinário (pronefro, mesonefro e metanefro)
Formação embriológica do sistema urinário

O desenvolvimento inicial renal dá-se na região pélvica, em ambos os lados da aorta. À medida que o crescimento fetal avança, eles ascendem à região retroperitoneal — sua localização definitiva — por volta da nona semana de gravidez.

Além da elevação, os rins sofrem uma rotação de 90 graus em relação ao posicionamento pélvico, de modo que os vasos renais passam a se situar voltados para o centro do corpo. Qualquer perturbação neste processo de migração e rotação normal dos rins pode dar origem a anomalias congênitas.

Tipos de ectopia renal

O rim ectópico pode estar localizado acima, abaixo ou do lado oposto da posição normal do rim no trato urinário. Desta forma, a ectopia renal pode dividida em simples ou cruzada.

Rim ectópico simples (rim pélvico)
Rim ectópico simples (rim pélvico)

A ectopia renal simples se refere a um rim que apesar de estar do lado certo do corpo, não ascendeu até a fossa retroperitoneal. Neste caso, o rim ectópico pode não migrar e permanecer na região pélvica, pode migrar só até o meio do caminho ou então ultrapassar a localização correta e encontrar-se mais alto do que deveria. Se, entretanto, o rim tiver cruzado para o lado oposto, dá-se o nome de ectopia renal cruzada.

Frequentemente, o rim ectópico cruzado encontra-se fundido com o outro rim, em um processo chamado fusão renal, que será explicado mais adiante.

Ectopia renal cruzada com fusão dos rins
Ectopia renal cruzada com fusão dos rins

As anomalias renais congênitas estão entre os defeitos congênitos mais comuns, chegando em determinados estudos a estimativa de 1 caso em cada 1000 nascimentos. Entretanto, a incidência real destas anomalias é difícil de definir, visto que muitas pessoas são assintomáticas e nem sequer desconfiam ser portadoras das mesmas.

A pelve é a localização mais comum do rim ectópico. Quando o rim localiza-se na região pélvica é denominado rim pélvico.

Na maior parte dos casos, a ectopia renal é assintomática e acaba sendo diagnosticada em exames de rotina, como o ultrassom pré-natal ou outro exame de imagem realizado ao longo da vida do indivíduo.

Em alguns casos, o diagnóstico pode advir da investigação de algum sintoma provocado pelo rim ectópico, como infecção urinária, cólica renal ou obstrução do trato urinário.

O que é o rim em ferradura?

Conforme já mencionado, a fusão renal ocorre quando uma parte de um rim está ligado ao outro rim. O rim em ferradura é a anomalia de fusão mais comum que existe, atingindo 1 em cada 500 crianças.

No caso do rim em ferradura, além do defeito da migração de ambos os rins, ocorre a fusão de um ao outro. Os rins fundidos ficam ligados por isto um istmo de parênquima renal funcionante ou por tecido fibroso.

A fusão habitualmente acontece na parte renal inferior (90% dos casos), lembrando a forma de uma ferradura. Na maior parte das vezes, os ureteres e as unidades excretoras renais estão preservadas e os dois rins funcionam de forma independente.

Rim em ferradura
Rim em ferradura

O rim em ferradura pode estar localizado na posição anatômica habitual dos rins, sendo a fusão o seu único defeito. No entanto, na maioria dos casos, o rim em ferradura encontra-se ectópico, geralmente abaixo da vértebra L4 e da artéria mesentérica inferior.

Da mesma forma que o rim ectópico, o rim em ferradura não provoca sintomas na maior parte dos casos. É comum esta anomalia ser descoberta nos exames pré-natais.

Quando existem sintomas, estes estão habitualmente relacionados à obstrução urinária ou a episódios de infecção urinária. Eventualmente, a criança com rim em ferradura pode queixar-se de dor na região abdominal.

A constelação clássica de sintomas do rim em ferradura é: dor abdominal vaga que irradia para a região lombar inferior, náuseas e vômitos. O quadro é geralmente agravado quando o paciente faz hiperextensão da coluna.

A obstrução do fluxo de urina pode ocorrer em contexto de compressão externa do trato urinário, por outras anomalias associadas como a estenose da junção uretero-pélvica ou pela impactação de cálculos renais.

Condições genito-urinárias associadas

Tanto a ectopia renal como as anomalias renais de fusão podem estar presentes em associação com outras alterações urológicas ou genitais, tais como:

  • Refluxo vesico-ureteral (RVU): anomalias significativas do trajeto e da inserção do ureter acontecem em conjunto com as anomalias renais, de modo que o fluxo de urina fica prejudicado, provocando refluxo de urina da bexiga para o ureter. Apesar de poder estar presente nas duas categorias de anomalias, o RVU é mais frequentemente associado aos casos de ectopia renal.
  • Obstrução da junção uretero-pélvica (JUP): a obstrução da JUP (região onde o ureter e a pelve renal se conectam) também pode estar presente nos dois tipos de anomalias, mas ao contrário do RVU, esta condição é mais frequentemente associada aos casos de rim em ferradura.
  • Cálculo renal: tanto a ectopia quanto a fusão renal são acompanhadas de alterações da anatomia normal do trato urinário que promovem lentidão da drenagem da urina, aumentando a chance de formação de cálculos renais.
  • Hidronefrose: se houver dificuldade de escoamento, a urina fica retida no trato urinário. Dependendo do grau de retenção, pode haver inchaço do rim e eventualmente perda de função renal (leia também: Hidronefrose: causas, sintomas e tratamento).
  • Doença renal crônica: tanto os episódios de infecção urinária de repetição como a obstrução crônica do trato urinário podem promover perda da função renal e desenvolvimento de insuficiência renal crônica.
  • Alterações genitais: nos homens, são detectados frequentemente criptorquidia e/ou hipospádia. Nas mulheres, útero bicorno e septos vaginais podem estar presentes.

Doenças associadas

As anomalias congênitas renais podem fazer parte de síndromes genéticas que possuem outras manifestações clínicas além do comprometimento renal. Exemplos:

  • Rim em ferradura pode ser uma característica da síndrome de Turner, da Trissomia 13, 18 ou 21.
  • Tumor de Wilms, tumores de células transicionais e carcinoides são mais frequentes nos indivíduos com rim em ferradura.
  • Anomalias gastrointestinais, cardiovasculares e esqueléticas são comumente diagnosticadas em conjunto com o rim em ferradura.
  • Rim ectópico pode estar presente em associação a anomalias extra renais (cardíacas, ósseas, suprarrenais) ou como parte de síndromes raras, como Treacher Collins, Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser e Goldenhar.

Diagnóstico

Como já foi dito, muitas vezes o diagnóstico é efetuado por acaso por meio de exames de imagem, como a ultrassonografia. No entanto, existem anomalias que podem não ser diagnosticadas adequadamente pela ultrassonografia. Nestas situações, um exame mais detalhado, como a tomografia computadorizada, cintigrafia ou a ressonância magnética, são indicados.

O exame de imagem pormenorizado também é importante para excluir a presença de hidronefrose, para avaliar a anatomia regional, medir o tamanho dos rins e determinar se existem cálculos ou tumores renais.

Além do exame de imagem, a avaliação inicial do indivíduo com anomalia renal deve também incluir a pesquisa da função renal pelo exame de creatinina no sangue e exames de urina para detecção de proteinúria e avaliação do risco de formação de cálculos renais. A pressão arterial também deve ser monitorizada regularmente e tratada, caso esteja elevada.

Tratamento

A conduta frente ao diagnóstico de anomalia renal varia conforme a situação clínica de cada paciente e entre centros médicos, especificamente no que tange ao protocolo de seguimento. Grosso modo, a conduta obedece aos mesmos critérios clínicos, resumidos a seguir:

  • Em caso de rim pélvico sem hidronefrose, outro rim com aspecto anatômico normal e função renal normal: apenas vigilância, sendo o tempo entre consultas e exames dependentes do protocolo de cada centro.
  • Se houver hidronefrose e/ou infecções urinárias de repetição, a pesquisa de RVU está indicada, através da cistouretrografia retrógrada miccional.
  • Se houver hidronefrose e/ou infecções urinárias de repetição sem RVU (cistouretrografia retrógrada miccional normal), é preciso descartar que exista obstrução urinária através da cintigrafia renal com DTPA ou MAG-3.
  • Em casos de hidronefrose leve a moderada sem RVU, alguns centros optam por manter somente vigilância a cada 3-6 meses, para tentar perceber se a hidronefrose agrava. Em casos de hidronefrose grave, está indicada a observação urológica especializado neste gênero de malformação, para programar a melhor estratégia de tratamento e seguimento.
  • Se houver alteração da função renal e/ou detecção de alterações do outro rim em exames de imagem, está indicada investigação adicional com cintigrafia renal com DMSA, para determinar a função renal em cada rim e a presença de cicatrizes renais.
  • Intervenções cirúrgicas para desobstrução, remoção de cálculos ou correção do refluxo só devem ser efetuadas em casos específicos pelo risco elevado de complicações e pelas alterações anatômicas presentes tanto no próprio rim quando nos vasos que irrigam o órgão.
  • Em casos de lesão renal extensa com perda significativa de função renal, pode estar indicada a remoção do rim com a anomalia. É possível viver normalmente somente com um rim funcionante.
  • Não há necessidade de restrição de atividades físicas. Apesar de o rim pélvico estar mais sujeito a traumas pela sua localização menos protegida, não existem estudos que justifiquem esta recomendação.

Prognóstico

De uma forma geral, pode-se dizer que o rim em ferradura e o rim pélvico são anomalias benignas, que podem ser assintomáticas em muitos casos. Mesmo que a anomalia renal provoque perda da função daquele rim, o outro rim pode facilmente suprir as necessidades do organismo sozinho.

No entanto, estas malformações podem estar associadas a complicações como infecções urinárias de repetição, cálculos renais, obstrução urinária, hipertensão arterial e perda de função renal. Nestes casos, cada paciente deve ser avaliado individualmente para definir qual é a melhor opção de tratamento para o seu caso.


Referências


Autor(es)

Médica graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Universidade do Porto. Nefrologista pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pelo Colégio de Nefrologia de Portugal.

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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