O que é epididimite?
Epididimite é o nome que damos à inflamação do epidídimo, estrutura tubular localizado na parte posterior dos testículos (se você não sabe o que é o epidídimo, mais abaixo explicaremos com detalhes).
Já a orquite é termo utilizado para descrever uma inflamação em um ou ambos testículos. A orquite pura é pouco comum, ela vem geralmente acompanhada da epididimite, situação chamada de epidídimo-orquite. Costumamos ver orquite sem epididimite apenas em casos de caxumba ou traumas do testículo.
Por serem estruturas relacionadas aos testículos, por motivos óbvios, a epididimite e a orquite são doenças exclusivas do sexo masculino. A epidídimo-orquite pode afetar homens de todas as idades, mas é mais comum entre 20 e 59 anos. A infecção é geralmente causada por uma infecção bacteriana ou uma doença sexualmente transmissível (DST).
A epididimite (ou epidídimo-orquite) pode ser aguda, com início súbito e intenso dos sintomas, ou pode ser crônica, com um quadro mais de incômodo ou dor leve testicular, com duração de pelo menos 6 semanas.
O que é o epidídimo?
O epidídimo é uma estrutura tubular localizado na parte posterior de cada um dos testículos. Sua função é armazenar os espermatozoides produzidos pelos testículos e transportá-los para os ductos deferente no momento da ejaculação.
Os espermatozoides formados no testículo entram na cabeça do epidídimo, progridem para o corpo e, posteriormente, alcançam a região da cauda, onde são armazenados.
Os espermatozoides que entram no epidídimo são imaturos, eles não têm capacidade de nadar para a frente nem de fertilizar um óvulo. Essa maturação ocorre ao longo do trânsito da cabeça para cauda do epidídimo, que dura de 2 a 6 dias.
Na hora da ejaculação, os espermatozoides fluem da cauda do epidídimo para o ducto deferente, onde são impulsionados e misturados com os fluidos da próstata e das vesículas seminais, formando o sêmen que será expelido pela uretra.
Causas
Infecciosas
A etiologia exata da epididimite aguda ainda é motivo de estudo; no entanto, acredita-se que um dos principais mecanismos seja a passagem retrógrada da urina da uretra prostática para o epidídimo por meio das vesículas seminais e dutos deferentes. Ou seja, parte da urina faria o caminho oposto ao fluxo normal que sai do epidídimo.
Obstrução da próstata ou da uretra e anomalias congênitas costumam criar predisposição para que esse refluxo ocorra. 56% dos homens com mais de 60 anos com epididimite apresentam algum grau de obstrução à saída da urina, como estenose da uretra ou hiperplasia benigna da próstata (BPH).
Exercícios de força extenuantes, como levantamento de peso, também podem aumentar o fluxo retrógrado de urina para o epidídimo, princialmente se forem realizados com a bexiga cheia.
O refluxo de urina para os epidídimos pode levar bactérias para essas estruturas, motivo pelo qual as bactérias responsáveis pela epididimite costumam ser as mesmas da infecção urinária, tais como Escherichia coli (E.coli), espécies de Pseudomonas, espécies de Proteus e espécies de Klebsiella.
Bactérias causadoras de uretrite, como Ureaplasma urealyticum, espécies de Corynebacterium, espécies de Mycoplasma e Mima polymorpha, também podem ser encontradas em pacientes com quadro de epididimite.
Procedimentos cirúrgicos urológico e uso temporário ou prolongado de cateter vesical aumentam o risco de epidídimo-orquite aguda infecciosa.
Como já referido, os quadros infecciosos de epididimite frequentemente vêm acompanhados também de orquite, caracterizando a epidídimo-orquite.
Na população jovem, sem alterações anatômicas do trato urinário, as principais causas de epididimite e epidídimo-orquite são as infecções sexualmente transmissíveis, sendo clamídia e gonorreia as principais. Sífilis, tricomoníase e Gardnerella vaginalis são outras causas possíveis.
A epididimite de origem viral é pouco comum e ocorre predominantemente em crianças ou adolescentes. A principal causa é a caxumba (pode causar epididimite ou orquite isolada quando contraída após a puberdade), mas a sua ocorrência é cada vez mais rara, devido à vacinação universal contra o vírus da caxumba. Epididimite por Coxsackievírus A, catapora (varicela) e infecções por echovírus também já foram identificadas.
A epididimite tuberculosa pode ocorrer em áreas onde a tuberculose é muito comum. É a forma mais comum de tuberculose urogenital e geralmente há envolvimento dos rins também.
Os principais fatores de risco para epididimite aguda de origem infecciosa incluem:
- História de infecções do trato urinário.
- Infecções sexualmente transmissíveis.
- Anormalidades anatômicas do trato urinário.
- Hiperplasia benigna da próstata.
- Prostatite (infecção da próstata).
- Cirurgia da próstata.
- Cirurgia do trato urinário.
- Cateter vesical.
- Ficar longos períodos sentado ou andando de bicicleta.
- Exercícios de força de grande intensidade.
- Sexo anal insertivo (bactérias do reto do parceiro/parceira podem penetrar pela uretra).
- Caxumba.
- Tuberculose.
Não-infecciosas
Apesar da maioria das epidídimo-orquites serem provocadas por agentes infecciosos, há também causas não infecciosas. As principais são:
- Trauma testicular.
- Vasectomia.
- Doenças autoimunes, como síndrome de Behçet e púrpura de Henoch-Schönlein.
- Sarcoidose.
- Medicamentos, como amiodarona (mais comum em quem toma doses acima de 200 mg por dia).
Existe também a epididimite idiopática, aquela na qual não conseguimos identificar uma causa óbvia. Acredita-se que a epididimite idiopática seja produzida por inflamação “química” dos epidídimos pelo refluxo de urina, sem que haja contaminação por nenhum agente infeccioso. É simplesmente uma irritação do epidídimo provocada pela acidez da urina e seus componentes.
Os fatores desencadeantes típicos da epididimite idiopática incluem longos períodos sentados (longas viagens de avião ou carro, trabalhos sedentários de escritório) ou exercícios vigorosos, como levantamento de peso.
Sintomas
A epididimite aguda costuma se iniciar como dor e inchaço na bolsa escrotal, geralmente em um dos testículos apenas. A dor tem agravamento gradual, vai piorando ao longo dos dias e pode se irradiar para pelve ou região inferior do abdômen.
Ao exame da bolsa escrotal é possível palpar um epidídimo inchado e doloroso e notar vermelhidão e aumento da temperatura no lado do testículo acometido. Uma manobra que ajuda no diagnóstico é o sinal de Prehn, que consiste no alívio da dor ao suspender a bolsa escrotal com a mão.
Outros sintomas comuns são dor para urinar, aumento da frequência da micção, dor à ejaculação, sêmen sanguinolento e febre.
Nos casos de epididimite provocada por infecções sexualmente transmissíveis é comum haver história de corrimento purulento saindo da uretra dias antes do início da dor testicular.
Na epididimite crônica, o quadro costuma ser menos intenso, porém mais prolongado. O paciente queixa-se de dor ou apenas desconforto na região escrotal, que alterna períodos de melhora e agravamento, por mais de 6 semanas. Inchaço da bolsa escrotal é menos comum que nos casos agudos.
Diagnóstico diferencial com torção do testículo
Todo paciente com dor testicular aguda deve ser avaliado quanto à possibilidade de torção do testículo, que é uma emergência médica.
Tanto a epididimite quanto a torção testicular causam dor aguda e inchaço da bolsa escrotal. A dor da torção, porém, é mais intensa e atinge seu ápice em poucas horas, ao contrário da dor da epididimite, que vai crescendo de forma mais lenta, ao longo dos dias.
O sinal de Prehn costuma estar ausente na torção testicular, e a dor até pode piorar com elevação da bolsa escrotal.
Já o reflexo cremastérico – um reflexo normal que consiste em uma leve ascensão de um dos testículos ao passarmos o dedo ou uma haste na porção medial da coxa de um paciente deitado – costuma estar presente na epididimite, mas desaparece na torção testicular.
Explicamos a torção testicular com detalhes no artigo: Torção do testículo – sintomas e tratamento.
Diagnóstico
Além da história e do exame do testículo pelo médico urologista, alguns exames complementares podem ajudar no diagnóstico. São eles:
- EAS (exame simples de urina): costuma mostrar pus na urina.
- Urocultura: costuma identificar a bactéria causadora da epididimite.
- Amostra de urina para Teste de amplificação de ácido nucleico (NAAT) para identificar N. gonorrhoeae and C. trachomatis.
- Swab da uretra para Teste de amplificação de ácido nucleico (NAAT) para identificar N. gonorrhoeae and C. trachomatis.
Se disponível, a ultrassonografia com doppler do testículo ajuda não só a diagnosticar a epididimite, como também a excluir a possibilidade de torção testicular.
Tratamento
O tratamento da epididimite aguda varia de acordo com sua gravidade. A maioria dos casos pode ser tratada ambulatorialmente com antibióticos orais, anti-inflamatórios, aplicação local de gelo e elevação escrotal.
Pacientes com sintomas mais intensos, febre e prostração podem precisar de hospitalização para administração de antibióticos e hidratação intravenosa.
O tratamento antimicrobiano empírico deve ser iniciado enquanto se aguarda os resultados da urocultura e do NAAT. Os esquemas habitualmente recomendados são:
Para epididimite aguda provavelmente causada por clamídia ou gonorreia sexualmente transmissível:
- Ceftriaxona 250 mg IM em dose única + Doxiciclina 100 mg por via oral duas vezes ao dia por 10 dias.
Para pacientes que não toleram a doxiciclina, a azitromicina (1 g por via oral em uma dose) é uma opção alternativa.
Para epididimite aguda com risco de ser causada por clamídia e gonorreia sexualmente transmissíveis ou organismos entéricos (como em homens jovens que praticam sexo anal ativo):
- Ceftriaxona 250 mg IM em dose única + Levofloxacino 500 mg por via oral uma vez ao dia por 10 dias ou Ofloxacino 300 mg por via oral duas vezes ao dia por 10 dias
Para epididimite aguda, com baixa probabilidade de doença sexualmente transmissível e provavelmente causada por organismos entéricos (bactérias da infecção urinária):
- Levofloxacino 500 mg por via oral uma vez ao dia por 10 dias ou Ofloxacino 300 mg por via oral duas vezes ao dia por 10 dias.
Pacientes com epididimite aguda devem melhorar dentro de 48 a 72 horas após o início da antibioticoterapia apropriada. Se os sintomas não melhorarem, outras causas de dor escrotal devem ser consideradas.
Referências
- Acute scrotal pain in adults – UpToDate.
- Nonacute scrotal conditions in adults – UpToDate.
- Diagnosis and management of epididymitis – The Urologic clinics of North America.
- Chronic Epididymitis: A Practical Approach to Understanding and Managing a Difficult Urologic Enigma – Reviews in urology.
- New insights into epididymal biology and function – European Society of Human Reproduction and Embryology.
- Epididymitis and Orchitis – Urology Care Foundation.
- Epididymitis – Medscape.
- Epididymitis – Division of STD Prevention, National Center for HIV/AIDS, Viral Hepatitis, STD, and TB Prevention, Centers for Disease Control and Prevention.
- Epididymitis: An Overview – American Family Physician Journal.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
Leave a Comment