Depressão na adolescência: causas, sintomas e tratamento

Tempo de leitura estimado do artigo: 11 minutos

Transtornos depressivos nas crianças e adolescentes

A depressão é um problema emocional que afeta a forma como crianças e adolescentes se sentem. Os sintomas depressivos estão associados a alterações de humor; ela pode causar uma tristeza profunda e duradoura, que interfere na maneira como eles vivem o dia a dia. Os sintomas incluem desregulação global do humor, da energia, do sono e do apetite.

Os transtornos depressivos podem se manifestar como transtorno depressivo maior ou transtorno depressivo persistente, dependendo do tempo de evolução. O diagnóstico requer que os sintomas sejam suficientemente graves ou persistentes, a ponto de interferir nas atividades cotidianas, no desenvolvimento saudável e na qualidade de vida.

A depressão é um problema comum entre crianças e adolescentes, sobretudo em adolescentes. Entretanto, é importante considerar que a apresentação clínica da depressão pode ser diferente para cada faixa etária, em função das características do período de desenvolvimento no qual a pessoa se encontra. Apesar de ser um problema frequente, é ainda pouco reconhecido e cerca de 40% dos adolescentes não recebem tratamento, causando prejuízos no desenvolvimento emocional, social e educacional.

Durante muito tempo, o diagnóstico de depressão em crianças era considerado improvável, pois se considerava que o organismo em desenvolvimento nesta fase não apresentava condições estruturais para vivenciar o estado depressivo. Além disso, ainda persiste a ideia de que a infância é um período de alegrias e busca de experimentações, ao contrário da tristeza ou apatia.

Entretanto, a partir da década de 1970 surgiram estudos realizados em crianças que sofriam de doenças crônicas e crianças institucionalizadas, que mostravam a presença de quadros depressivos em crianças, mesmo muito pequenas. Portanto, o diagnóstico de depressão tanto na infância quanto na adolescência foi negligenciado até algumas décadas atrás.

A adolescência, por sua vez, constitui uma fase complexa do desenvolvimento emocional do indivíduo, marcada por acentuadas transformações no corpo e no funcionamento psíquico. Portanto, torna-se esperado que o jovem apresente muitas dificuldades em lidar com esta fase. É relativamente comum que o adolescente apresente dificuldades emocionais que também estão presentes nos quadros de depressão.

Entretanto, é muito importante estar atento para o fato de que a presença de alguns sintomas em comum com os quadros depressivos não significa, automaticamente, que o indivíduo pode ser diagnosticado como deprimido. O limite entre o que é esperado como um comportamento normal e um diagnóstico de transtorno mental é algo delicado, tornando mais complexa a tarefa de avaliação.

Neste artigo abordamos exclusivamente a depressão em crianças e adolescentes. Para informações sobre os transtornos depressivos nos adultos, acesse os links abaixo:

Epidemiologia

Os transtornos mentais são responsáveis por 16% da carga global de doenças em pessoas com idade entre 10 e 19 anos. Metade de todas as condições de saúde mental começa aos 14 anos de idade, mas a maioria dos casos não é detectada nem tratada. Em todo o mundo, a depressão é uma das principais causas de doença entre adolescentes.

O risco de suicídio entre pacientes deprimidos é uma questão importante a considerar, dado que, na população jovem (entre 15 e 29 anos de idade), constitui a segunda causa mais comum de morte. A depressão na adolescência pode ser considerada um fator de risco importante para a depressão grave na idade adulta, bem como abuso de substâncias e tentativas de suicídio.

A prevalência da depressão no final da adolescência é semelhante aos números da população adulta, com 4 a 9% dos indivíduos apresentando um episódio depressivo em um período de 12 meses. A duração é variável a depender da faixa etária e alguns estudos sugerem que de 50 a 70% dos pacientes apresentam sintomas em até 5 anos após a remissão, podendo se apresentar de forma crônica e recorrente.

Fatores de risco ou vulnerabilidade

Via de regra, como outros transtornos mentais, o surgimento da depressão depende de uma multiplicidade de fatores, envolvendo interações complexas entre vulnerabilidades diversas, de natureza biológica, psicológica, familiar, cultural e social.

A vulnerabilidade biológica pode ser exemplificada por história familiar de depressão ou de transtorno bipolar, história pessoal de depressão prévia e de doença crônica, período de puberdade e gênero feminino.

Quanto à vulnerabilidade psicológica, é importante considerar as características de temperamento (hiper-reatividade a estímulos, medo, baixa autoestima) e estilo cognitivo negativo, de pessimismo e/ou desesperança.

Quanto aos fatores de ordem familiar, é importante considerar, na dinâmica familiar, os estilos parentais predominantemente negativos, punitivos e/ou coercitivos, bem como a ocorrência situações de abuso ou negligência.

Os fatores de ordem social podem ser exemplificados pela vivência de situações de bullying (sofrido ou observado com os outros), pobreza, fome, institucionalização e guerras.

É importante destacar que, em crianças pequenas, os fatores familiares e sociais estão fortemente associados ao risco de desenvolvimento de transtorno depressivo, com destaque para a perda precoce de um dos pais ou figura de cuidado (principalmente antes do início da puberdade), para os casos de exposição à violência (familiar ou ambiental), e negligências.

Quanto mais precoce se apresentar o início do quadro depressivo, maiores podem ser os prejuízos mais tarde, na idade adulta. Quando este quadro se inicia tão precocemente, na infância ou adolescência, o índice de recorrência ao longo da vida é maior, podendo surgir de forma crônica, com várias recaídas. Alguns elementos podem ser considerados preditores de recorrência, como, por exemplo, a gravidade do quadro, a resposta insatisfatória ao tratamento, presença de outros transtornos mentais associados, baixo nível sócio-econômico, exposição a situações de abuso (de natureza física, emocional ou sexual), predomínio de sentimentos de desesperança ou pensamentos de negatividade.

Sintomas da depressão na infância e adolescência

A depressão em crianças e adolescentes é uma condição de saúde mental que pode ter impactos profundos e duradouros na vida do indivíduo se não for adequadamente identificada e cuidada. Comparativamente à depressão em adultos, a apresentação clínica nos jovens pode ser um pouco diferente, com sintomas físicos (dores, doenças psicossomáticas) e outras variações em função da idade e fase do desenvolvimento.

Algumas características comumente observadas na adolescência, como, por exemplo, impulsividade, instabilidade emocional ou dificuldades de modulação de respostas diante do estresse, dificultam o discernimento entre o que está dentro dos limites de variação da normalidade ou de uma condição patológica. Além disso, algumas alterações de humor podem estar presentes, mas nem sempre são graves o suficiente para caracterizar um diagnóstico de transtorno depressivo.

Uma questão muito importante que geralmente não é colocada em debate diz respeito ao fenômeno da “patologização da vida ou do sofrimento psíquico”. Este conceito denomina um processo no qual expressões de sofrimento normais ou esperados em determinados contextos, próprios da natureza humana, são reduzidas à categoria de doença ou transtorno mental. Muitas vezes, se simplesmente respondemos a um questionário ou checklist para estes sintomas, sem crítica e sem contextualização de diversos fatores, podemos chegar erroneamente a um diagnóstico, o que chamamos de falso positivo.

Citamos como exemplo o fato de que tristeza, melancolia, desânimo ou ansiedade, em determinados contextos, podem ser uma reação normal da pessoa. Em situações de rompimento de relacionamentos, luto por perda de um familiar ou amigo, mudanças significativas, ou mesmo quando uma grande expectativa é frustrada, é normal experimentar tristeza, ansiedade, chorar, ficar desanimado, introspectivo, quieto. Ou seja, estes sentimentos estão normalmente presentes na vida, até certo ponto, e não podemos simplesmente eliminá-lo, pois fazem parte da experiência humana.

Se, por um lado, não podemos evitar o sofrimento a qualquer custo, podemos aprender a lidar com eles, muitas vezes com o apoio e afeto dos familiares mais próximos e dos amigos, das relações que construímos com escola e comunidade.

Portanto, sem uma avaliação clínica cuidadosa, de forma crítica e contextualizada, alguns jovens podem ser diagnosticados erroneamente como “deprimidos”. Pelo contrário, outros jovens podem ter o diagnóstico ignorado, pois sem o entendimento do que significam tais sintomas dentro de um contexto, tendo em vista as variações dentro da normalidade, torna-se difícil este discernimento.

Muitos sintomas listados no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5.ª edição (DSM-V) relacionados à depressão podem estar presentes em vários outros transtornos ou até mesmo numa doença que exija avaliação clínica. Por exemplo, anedonia, desânimo, perda de apetite, apatia, irritabilidade, podem ocorrer durante a febre ou uma doença crônica.

Além disso, sintomas como tristeza, choro fácil, anedonia, desânimo, alterações de sono ou apetite, podem estar presentes na reação de luto. Outro exemplo, a irritabilidade, tristeza, desânimo, ou sentimentos de culpa ou desvalia, podem até certo ponto, estar dentro dos limites da normalidade, como reação esperada diante de situações desafiadoras do cotidiano que exigem um tempo de adaptação: mudança de escola, mudança de cidade, chegada de um irmão na família, ou separação dos pais.

Os principais sintomas da depressão incluem humor depressivo, irritabilidade e anedonia (falta de prazer ou interesse). A apresentação clínica pode variar conforme a idade e o desenvolvimento da capacidade de identificar, nomear e expressar vivências subjetivas, como tristeza ou perda de interesse por atividades que antes eram prazerosas.

Entre adolescentes, é mais comum a ocorrência de sintomas depressivos mais “típicos” ou semelhantes aos adultos, irritabilidade, sintomas ansiosos, hipersonia, aumento do apetite, baixa autoestima, dificuldades de concentração, maior risco de suicídio, uso de substâncias psicoativas, comportamentos de risco, como automutilações ou sexo sem proteção.

O diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior (TDM) é realizado no caso em que uma pessoa apresenta um conjunto de sintomas que afetam sua capacidade de agir e reagir, tornando sua vida extremamente sofrida. A gravidade do TDM pode acarretar, além de significativo sofrimento ao indivíduo, sérias limitações ao pleno amadurecimento de suas potencialidades, ao longo de todo o processo de desenvolvimento da pessoa.

Portanto, a avaliação clínica requer uma escuta atenta e empática, que considere o contexto de vida e o impacto dos sintomas na vida da criança e do adolescente. O diagnóstico precoce é fundamental para intervir e amenizar o sofrimento. É essencial planejar a abordagem clínica considerando a relação entre fatores de risco e fatores de proteção, além de como a medicação e/ou acompanhamento psicoterapêutico, ou outros tipos de suporte, podem atender às necessidades específicas de cada paciente.

É válido ressaltar que o TDM afeta praticamente todas as áreas da vida psicossocial do jovem, incluindo o desempenho escolar, comportamento e relacionamentos familiares e com colegas.

Diagnóstico

Os critérios diagnósticos para o transtorno depressivo major segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5.ª edição são:

A. Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de duas semanas e representam uma mudança em relação ao funcionamento anterior; pelo menos um dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2) perda de interesse ou prazer.

  1. Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, conforme indicado por relato subjetivo
    (p. ex., sente-se triste, vazio, sem esperança) ou por observação feita por outras pessoas (p. ex.,
    parece choroso). (Nota: Em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável.)
  2. Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte
    do dia, quase todos os dias (indicada por relato subjetivo ou observação feita por outras pessoas).
  3. Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta (p. ex., uma alteração de mais de 5%
    do peso corporal em um mês), ou redução ou aumento do apetite quase todos os dias. (Nota: Em
    crianças, considerar o insucesso em obter o ganho de peso esperado.)
  4. Insônia ou hipersonia quase todos os dias.
  5. Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outras pessoas, não
    meramente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais lento).
  6. Fadiga ou perda de energia quase todos os dias.
  7. Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que podem ser delirantes) quase
    todos os dias (não meramente autorrecriminação ou culpa por estar doente).
  8. Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão, quase todos os dias (por relato
    subjetivo ou observação feita por outras pessoas).
  9. Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo de morrer), ideação suicida recorrente sem
    um plano específico, uma tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio.

B. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social,
profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

C. O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica.

D. A ocorrência do episódio depressivo maior não é mais bem explicada por transtorno esquizoafetivo, esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante, outro transtorno do espectro da esquizofrenia e outro transtorno psicótico especificado ou transtorno da esquizofrenia e outro transtorno psicótico não especificado.

E. Nunca houve um episódio maníaco ou um episódio hipomaníaco.

Conforme os critérios diagnósticos do DSM-V-TR, a criança ou adolescente deve apresentar humor deprimido ou irritável e/ou perda de interesse ou prazer, além de pelo menos cinco sintomas adicionais por um período de no mínimo duas semanas. Esses sintomas devem representar uma mudança no funcionamento prévio, podendo incluir alterações no apetite e peso, insônia ou hipersonia, fadiga, sentimentos de desvalia ou culpa inapropriada, dificuldade de concentração e pensamentos recorrentes de morte. O quadro clínico deve causar comprometimento significativo no funcionamento social ou acadêmico e não pode ser consequência direta do uso de substâncias ou de uma condição médica geral pré-existente.

É crucial considerar os fatores socioculturais que influenciam a apresentação, descrição e interpretação dos sintomas, visto que esses fatores ajudam a discernir entre estados limítrofes do que pode ser considerado normal ou patológico. Desta forma, torna-se possível o julgamento clínico acerca da melhor conduta terapêutica.

A combinação de dificuldades de concentração, lentificação do pensamento, falta de interesse e motivação, fadiga e sonolência diurna resulta em um desempenho escolar comprometido. Crianças e adolescentes com depressão também podem apresentar, em alguns casos, sintomas psicóticos, como alucinações e delírios, geralmente congruentes com o humor deprimido e ocorrendo durante os episódios depressivos.

Comorbidades e diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial é importante para o discernimento clínico entre uma e outra comorbidade, ou mesmo para identificar a sobreposição de duas ou mais doenças. É importante ter em vista que muitos sintomas estão presentes em diferentes diagnósticos. Por exemplo, humor depressivo e desânimo no transtorno bipolar, no luto ou em transtornos de ansiedade. Além disso, entre 40% e 90% de adolescentes com depressão apresentam também algum outro diagnóstico.

Por exemplo, fobia social pode preceder ou ser concomitante a um quadro de depressão maior, bem como outras patologias ansiosas. Alguns casos podem apresentar sintomas presentes na depressão, como, por exemplo, o transtorno bipolar do humor (períodos de depressão alternados com períodos de mania), transtorno de ansiedade, doenças clínicas que cursam com apatia, transtorno depressivo associado ao adoecimento clínico, ou transtorno de estresse pós-traumático.

Alguns estados reativos também podem se apresentar de forma semelhante ao transtorno depressivo, como, por exemplo, reação de luto ou perda, institucionalização, separação de familiares ou resposta a situações traumáticas.

Na avaliação do adolescente deprimido é fundamental que o médico avalie o risco de suicídio, explorando a presença de ideias de morte, lesões autoprovocadas, história de tentativas prévias de suicídio pelo paciente, por familiares ou pessoas próximas.

Exames complementares

Para adolescentes com sintomas depressivos, a solicitação de exames complementares não deve ocorrer de forma rotineira. Entretanto, podem ser solicitados em situações específicas.

Algumas doenças clínicas podem incluir os mesmos sintomas descritos acima nos quadros iniciais, por exemplo, encefalites, doenças autoimunes, diabetes, ou mesmo intoxicações por uso de drogas.

Dependendo da avaliação clínica do psiquiatra, que inclui história minuciosa do paciente, exame do estado mental e exame físico, alguns exames de sangue, de imagem (tomografia, ressonância magnética nuclear, etc.) ou outros, podem ser necessários ou não.

Tratamento

Estabelecimento de um plano terapêutico junto ao adolescente e família.

Antes de qualquer proposta de intervenção para o tratamento de adolescentes com depressão, é fundamental que seja estabelecido um plano de tratamento individualizado para o paciente e sua família.

Esta deve ser uma construção conjunta e bilateral, para que seja mais efetiva. É interessante que o profissional pergunte qual a explicação que o adolescente e seus familiares têm para a situação e como acham que ela pode ser resolvida. A partir da resposta, o profissional poderá acrescentar sua visão do quadro, seu diagnóstico e iniciar a construção do projeto terapêutico.

Por exemplo, se os cuidadores acreditam que aquilo é preguiça e influência de “más companhias”, não adiantará prescrever medicações ou psicoterapia, sem trabalhar antes o que é a depressão, quais suas causas e possibilidades de tratamento. O mesmo ocorre para orientações como diminuição do uso de telas em famílias nas quais isso é um hábito regular de todos os integrantes.

Para a elaboração das estratégias de tratamento, deve-se considerar a rotina do paciente, suas preferências, suas limitações, sua relação com amigos e familiares, entre outros fatores. Identificar a rede de apoio desse paciente e acioná-la também é muito importante, por exemplo, ocasionalmente um professor pode ser uma figura significativa, um tio, uma avó, entre outras possibilidades.

É importante começar com metas pequenas e aumentá-las conforme a evolução do paciente. O não cumprimento de metas causa frustração e pode ter um efeito negativo. O plano terapêutico deve ter propostas bem definidas, objetivos delimitados, assim como responsabilidades. Deve ir se adaptando às diversas fases do tratamento como o controle da crise, a manutenção e futura prevenção de novos episódios.

Um exemplo de plano terapêutico para um rapaz de 15 anos com episódio depressivo seria: (I) manter a prática de atividade física regular (o tipo de exercício seria escolha do próprio paciente), (II) iniciar psicoterapia semanal, (III) encontrar com amigos pelo menos uma vez na semana fora do ambiente escolar, (IV) conversar com alguém quando não se sentir bem ou algo estiver lhe incomodando, (V) retomar a prática de algo que vinha fazendo e parou nos últimos tempos devido ao desânimo, como tocar violão, pintar ou qualquer outra atividade era prazerosa.

As consultas com médico devem ser regulares, com frequência quinzenal, mensal ou bimensal, a depender da situação. É importante que tanto o paciente, quanto a família tenham acesso a este profissional para além do momento da consulta, em caso tenha dúvidas ou precise de algum tipo de orientação. A consulta individual com o adolescente é de fundamental importância, mas também é necessário que o profissional tenha contato com os cuidadores, é necessário que se façam acordos de como isso ocorrerá.

Acordo sobre uso da medicação e regularidade das consultas

Quando há necessidade do uso de medicação, o profissional precisa explicar de forma compreensível, tanto para o paciente, quanto para seus familiares qual a medicação a ser utilizada, o objetivo da mesma, a forma de uso, tempo esperado, efeitos colaterais e efeito terapêutico esperado. É comum que ocorra no início a presença de efeitos adversos, antes do efeito terapêutico, ou seja, o paciente pode se sentir pior com a medicação, ao invés de sentir melhora, o que facilitará o abandono do tratamento. É frequente pacientes e familiares se sentirem constrangidos neste caso, e por vezes, não retornarem à consulta devido a tal sentimento.

Por isso, essas explicações devem ser antecipadas e fornecidas logo no início do tratamento medicamentoso. Um receio bastante comum também é o medo de que o remédio cause dependência, ou seja, que a pessoa fique “viciada”. É necessário que o profissional explique as medicações antidepressivas não tem esse efeito, mas que outras medicações, como os ansiolíticos, podem ter, se utilizados por mais de três meses. Essas últimas devem ser evitadas em adolescentes, pelo risco de abuso e efeitos colaterais.

No caso de planos terapêuticos que incluem uso de medicações, as consultas não devem ocorrer com intervalo maior do que um mês, pois é necessário o monitoramento do uso, assim como a diminuição para a menor dose terapêutica efetiva e suspensão no menor tempo possível, sempre com orientação do profissional.

Tratamento medicamentoso

O tratamento farmacológico para adolescentes, em geral, associado ao acompanhamento psicoterapêutico, pode ser indicado em quadros moderados e graves. Comparando tratamentos, nos casos de depressão leve, psicoterapia é igualmente eficaz no tratamento medicamentoso. Por outro lado, nos casos moderados ou graves, os resultados são superiores com a abordagem conjunta entre medicamentos e psicoterapia. A psicoterapia é de fundamental importância para o paciente poder refletir sobre sua situação, elaborando sentimentos, pensamentos e questões de sua própria subjetividade.

Nos casos em que a medicação é prescrita, o psiquiatra deve orientar sobre os cuidados necessários, possíveis efeitos colaterais, bem como esclarecer as dúvidas do paciente e seus responsáveis. Muitas pessoas apresentam receios em relação ao uso da medicação, como, por exemplo, “medo de ficar dependente”, ou “medo de tomar remédio a vida toda”. Quanto a estas questões, é importante esclarecer que é extremamente importante que o uso de quaisquer medicamentos seja acompanhado por um médico.

A duração do tratamento medicamentoso depende do diagnóstico e da resposta individual do paciente. No caso da depressão, o uso do remédio geralmente tem um tempo limitado, e pode se estender a seis ou oito meses. Entretanto, os resultados de cada caso são imprevisíveis.

Optando pelo uso da medicação, é importante saber que os medicamentos devem ser utilizados diariamente, sem interrupção. Além disso, podem demorar a fazer efeito, ou provocar alguns efeitos adversos nos primeiros dias (taquicardia, sonolência, dor de cabeça, falta de apetite, azia, boca seca), que geralmente se resolvem espontaneamente em pouco tempo. Entretanto, alguns efeitos podem ser amenizados com algumas medidas, sendo importante manter uma via de contato com o médico de referência.

Por fim, é importante que o paciente seja regularmente avaliado por seu médico, que é o responsável pela prescrição, e que determinará a frequência necessária das consultas.

Acordos sobre o uso de telas e redes sociais

É praticamente impossível pensar na adolescência, no século XXI, sem considerar os efeitos da era digital sobre comportamento e saúde mental. As mídias sociais, em especial, participam do conjunto de fatores mais amplos que podem exercer substancial influência sobre hábitos e comportamentos dos adolescentes.

Entretanto, é importante ponderar que a internet representa um universo de possibilidades, em vários aspectos, como, por exemplo, educação, socialização, lazer, saúde e acesso a ferramentas potencialmente favoráveis à melhora da qualidade de vida.

Em se tratando dos possíveis efeitos negativos do uso das tecnologias digitais sobre a saúde mental da adolescência, os profissionais de saúde e educação relatam que é necessário ter cautela. Dependendo do tempo de exposição ao uso de telas, incluindo computadores, celulares, tablets, vídeo-games e/ou televisão, podemos observar alterações sobre hábitos alimentares, atividade física, sono, autoimagem, habilidades de socialização e capacidade de autorregulação emocional. A depressão, assim como vários outros transtornos, pode estar associada, dentro de um contexto relativo, ao uso descontrolado de telas, especialmente com acesso à internet.

Esta faixa etária apresenta-se sujeita à imaturidade quanto à avaliação de riscos e benefícios do uso de tecnologias digitais, e muitas vezes acessam conteúdos desvinculados da realidade. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, é de fundamental importância que haja uma ampla discussão em torno da regulação do acesso do jovem a este recurso, favorecendo a educação de pais e adolescentes quanto ao acesso e consumo de informações na internet. 

A mediação dos pais, enquanto responsáveis principais, deve se estender tanto à quantidade quanto à qualidade das informações acessadas nas mídias digitais. Esta mediação, entre os adolescentes e o uso de telas, requer limites estabelecidos dentro de uma rotina variada de atividades, respeitando o tempo necessário para estudo, alimentação, sono, interações sociais e familiares. A questão do conteúdo acessado também é importante, sendo necessário o acompanhamento dos responsáveis sobre a qualidade e adequação das informações, visando saúde e segurança dos filhos.

O cérebro do adolescente encontra-se ainda imaturo, em processo contínuo de desenvolvimento. Grosseiramente falando, uma parte funcional do cérebro ainda não se encontra plenamente desenvolvida e capaz para o controle dos impulsos, da atenção, nem para o julgamento ou resolução de problemas em determinados níveis de complexidade, ou para a tomada de decisões de forma “mais racional”.

Este amadurecimento encontra-se em processo, completando-se por volta de 25-30 anos de idade. Ao contrário disso, outra parte funcional do cérebro, associada às respostas emocionais, como impulsividade e agressividade, encontra-se desenvolvida de modo descompassado em relação à parte anteriormente descrita.

No tratamento do adolescente com depressão, o uso de telas deve ser investigado pelo profissional médico junto ao adolescente e sua família. Deve-se incluir no planejamento terapêutico, a regulação das mesmas, através da psicoeducação e do fornecimento de material teórico com boa qualidade que fundamente a orientação.

Trabalho conjunto com outros profissionais da saúde e profissionais da educação

Sempre que necessário, deve-se pensar em incluir no tratamento o trabalho de outros profissionais, como psicólogos, terapeutas ocupacionais, musicoterapeutas, educadores físicos, psicopedagogos, entre outros.

É comum que adolescentes com sintomas depressivos tenham queda do rendimento escolar, mudanças no padrão de comportamento prévio, alterações do sono e alimentação que também podem influenciar no aprendizado, entre outras consequências. É importante que o profissional médico tenha contato com os profissionais da educação que estão envolvidos na situação. As escolas costumam ter psicopedagogos e por vezes, psicólogos, que atuam nos casos que estejam necessitando de uma maior atenção. Esse contato deve e pode ser feito através de reuniões presenciais ou virtuais, telefone, ou, até via elaboração de relatórios.

Já o trabalho com outros profissionais de saúde deve ocorrer de forma integrada. Algumas clínicas possibilitam a atuação de vários profissionais no mesmo espaço físico e utilizando o mesmo prontuário. Isso facilita bastante a interlocução e troca de informações sobre os casos em acompanhamento, inclusive permitindo reuniões regulares para discussão de caso. No entanto, isso não deve ser uma necessidade para que o trabalho integrado ocorra.

Concepção do conceito de promoção de saúde mental para além da ausência de transtorno

Atualmente a saúde mental é entendida como um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade, conforme define a Organização Mundial da Saúde (OMS). Desta forma, a saúde mental implica muito mais que a ausência de doenças. Este conceito deve ser trabalhado junto aos adolescentes e suas famílias.

Quando estamos diante de um adolescente com depressão, devemos pensar em estratégias que abarquem a promoção da sua saúde mental, mesmo após o controle dos sintomas depressivos.

Espaços coletivos e de troca são muito importantes no fortalecimento da autoestima do adolescente, auxiliando-o a entender seu papel no mundo e a se enxergar dentro de uma comunidade. Deve fazer parte do tratamento pensar em espaços de convivência do paciente com a arte, cultura, esporte e lazer. Buscar o que a idade oferece nesse sentido e auxiliá-lo a ter autonomia nessa direção, fará com que este indivíduo se mantenha mais saudável numa perspectiva mais ampliada.

Este artigo foi escrito pelas psiquiatras: Drª. Iolanda de Salles Fonseca Carvalho e Drª. Claudia Miliauskas. Alunos colaboradores: Gabriela de Fátima Gonçalves Salomão Pereir, Augusto Vinicius Scot da Silva, Thayná Barbosa Sayão dos Santos, Maria Luiza Magalhães Miranda, Luísa Fagundes Coutinho Costa.


Referências

  • Saúde mental dos adolescentes – Organização Pan-Americana da Saúde.
  • Andrade, ALM; Bedendo, A; Enumo,S.R.F.; Micheli, D. Desenvolvimento cerebral na adolescência: aspectos gerais e atualização. Adolesc. Saúde, Rio de Janeiro, v. 15, supl. 1, p. 62-67, dezembro/2018.
  • Boarati, M.A. et. al. Psiquiatria da Infância e Adolescência: Cuidado Multidisciplinar. ‎ Editora Manole Saúde; 2ª edição, junho/2023.
  • Goodman, R. Child and adolescent psychiatry / Robert Goodman and Stephen Scott. – 3rd ed.
  • JM Rey’s IACAPAP e-Textbook of Child and Adolescent Mental Health. Rey JM & Martin A (eds). Geneva: International Association for Child and Adolescent Psychiatry and Allied Professions, 2019 © 2024 IACAPAP Available: https://iacapap.org/resources/e-textbook.html.
  • Psicologia e Interfaces, Volume 3, Número 3, p. 204-217, Setembro/Dezembro, 2019. ISSN: 2594-5343. DOI: https://doi.org/10.37444/issn-2594-5343.v3i3.156.
  • Resende M.A.A.; Fonseca, M.L.; Freitas, J.T.; Gesteira, E.C.R.; Rossato, L.M. Impacts caused by the use of screens during the COVID-19 pandemic in children and adolescents: an integrative review. Rev paul pediatr [Internet]. 2024;42:e2022181. Available from: https://doi.org/10.1590/1984-0462/2024/42/202218.
  • Sales, S. C.; Talita & Gai, M.  Adolescentes na Era Digital: Impactos na Saúde Mental. Research, Society and Development. (2021) 10. e15110917800. 10.33448/rsd-v10i9.17800.
  • Silva Jr., E. et al. Depressão entre adolescentes que usam frequentemente as redes sociais: uma revisão da literatura. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.8, n.3, p.18838-1851, mar., 2022.
  • Sociedade Brasileira de Pediatria. 2019. Manual de orientação. Dependência virtual. https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/_22246c-ManOrient_-_MenosTelas__MaisSaude.pdf.
  • Souza, K, da Cunha, M. X.C. Impactos do uso das redes sociais virtuais na saúde mental dos adolescentes: uma revisão sistemática da literatura. Educação, Psicologia e Interfaces, Volume 3, Número 3, p. 204-217, Setembro/Dezembro, 2019. ISSN: 2594-5343. DOI: https://doi.org/10.37444/issn-2594-5343.v3i3.156.
  • World Health Organization. Guidelines on mental health promotive and preventive interventions for adolescents: helping adolescents thrive. Geneva: World Health Organization; 2020. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO. Available: https://www.who.int/publications/i/item/9789240011854.

Autor(es)

Dr.ᵃ Iolanda de Salles Fonseca Carvalho é médica graduada pela Universidade Federal Fluminende (UFF), com títulos de especialista em Psiquiatra Geral (RQE 17586) e Psiquiatra da Infância e Adolescência (RQE 25967).

Professora adjunta de Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (FCM/UERJ). Doutorado concluído pelo Instituto de Medicina Social/UERJ, departamento de epidemiologia/saúde coletiva. Mestrado em saúde materno-infantil pela Universidade Federal Fluminense. Especialização em terapia familiar sistêmica. Residência médica em pediatria e psiquiatria.

Saiba mais

Artigos semelhantes

Ficou com alguma dúvida?

Comentários e perguntas

Deixe um comentário