O que é convulsão febril?
Chamamos convulsões febris os episódios de crise convulsiva que ocorrem em crianças pequenas e são desencadeados por febre, habitualmente acima de 38ºC.
As convulsões febris podem surgir em crianças com idades entre 6 meses e 5 anos, mas a maioria dos episódios concentra-se entre 12 e 18 meses. Cerca de 5% das crianças com menos de 5 anos apresentam esse tipo de crise convulsiva.
A convulsão febril pode ser um evento bastante assustador de assistir, mas ela costuma surgir em crianças neurologicamente saudáveis, não causa danos cerebrais nem afeta o desenvolvimento intelectual.
Ter um episódio de convulsão febril não significa que a criança tenha epilepsia; para o diagnóstico de epilepsia são necessárias duas ou mais convulsões sem febre presente.
Definição
Os critérios geralmente aceitos para definir uma convulsão febril incluem:
- Um episódio de crise convulsiva associado a uma temperatura corporal superior a 38°C.
- Criança com mais de seis meses e menos de cinco anos.
- Ausência de infecção ou inflamação do sistema nervoso central.
- Ausência de anormalidades metabólicas que possam justificar a crise. Ex: drogas, hipoglicemia, hipoxemia (falta de oxigênio no sangue), desidratação grave, etc.
- Não ter histórico de convulsão não febril no passado.
O que é uma crise convulsiva?
O cérebro contém bilhões de neurônios que se comunicam entre si e com o resto do corpo através da geração constante de impulsos elétricos.
A crise convulsiva surge quando há um distúrbio nessa comunicação, provocando uma temporária “tempestade elétrica”, com geração desorganizada, excessiva e repetida de impulsos elétricos, que se traduzem clinicamente por movimentos musculares involuntários, muitas vezes violentos, e alterações do nível de consciência.
Se esse distúrbio elétrico ficar restrito a apenas um grupo de neurônios, o paciente apresentará uma crise convulsiva parcial, sem perda da consciência e com movimentos involuntários em apenas uma região do corpo.
Se os impulsos anômalos se espalharem, atingindo os dois hemisférios cerebrais, teremos, então, uma crise convulsiva generalizada. Nesses casos, o paciente apresenta súbita rigidez dos músculos e imediatamente perde a consciência. Seguem-se, então, movimentos rítmicos e rápidos dos membros, que podem vir acompanhados de perda do controle dos esfíncteres anal e urinário (o paciente urina e/ou evacua durante a crise).
Explicamos a epilepsia e os diferentes tipos de crises convulsivas com mais detalhes no artigo: Epilepsia, crise convulsiva e estado de mal epiléptico.
Quais são as causas da convulsão febril?
Os principais fatores de risco para a convulsão febril são:
- Idade entre 6 meses e 5 anos.
- Febre acima de 38ºC.
- História familiar positiva.
- Infecção viral.
- Vacinação.
- Exposição à nicotina durante a gestação.
Idade
As convulsões febris são um fenômeno dependente da idade. A imaturidade do sistema nervoso central torna-o mais vulnerável à febre, motivo pelo qual a maioria dos casos ocorre em crianças com menos de 2 anos e a doença raramente surge em maiores de 5 anos.
A convulsão febril até pode, eventualmente, surgir em crianças com mais de 5 anos, mas nessa faixa etária o quadro precisa ser mais investigado, pois convulsão febril não é a causa mais provável.
Febre
A convulsão febril só costuma ocorrer com quadros de febre acima de 38ºC.
Cada criança tem um limiar diferente para o desencadeamento da crise. Alguma têm convulsões com 38ºC enquanto outras só com febre acima dos 40ºC. Conforme a criança cresce, o limiar pode também se alterar.
História familiar
A história familiar é outro fator importante. 95% das crianças não fazem crise convulsiva quando têm febre alta. Somente aqueles 5% que são geneticamente susceptíveis é que desenvolvem o quadro.
Crianças que têm um dos pais ou irmãos mais velhos com histórico de convulsão febril na infância apresentam um risco maior de também desenvolver essa condição.
Infecção viral
Dentre as causas de febre, aquelas provocadas por infecção viral parecem ser as que mais trazem risco.
Nos EUA, a principal causa de convulsão febril é o exantema súbito (roséola), doença viral provocada pelo herpesvírus humano 6 (HHV-6). Já nos países asiáticos, a principal causa é vírus Influenza, agente causador da gripe comum.
Vacinas
O risco de convulsão febril parece estar aumentado após a administração de certas vacinas, incluindo a tríplice bacteriana (DTP), contra difteria, tétano e coqueluche, e a tríplice viral (MMR), contra sarampo, caxumba e rubéola.
O risco absoluto, porém, é pequeno. A incidência é de 1 caso para cada 1.750 vacinas de DTP administradas e de 1 caso para 14.000 crianças vacinadas com a MMR.
A ocorrência de crise convulsiva febril após a administração dessas vacinas não é contraindicação absoluta à administração da dose de reforço. Em geral, os pediatras sugerem manter o calendário vacinal, pois a convulsão febril é um evento benigno e autolimitado, muito menos perigoso do que, por exemplo, a infecção por sarampo ou tétano.
Exposição a nicotina
Bebês de mães que fumaram durante a gravidez apresentam maior risco de terem convulsão febril. A causa parece ser a ação da nicotina sobre o sistema nervoso do feto ainda em desenvolvimento.
Sintomas
A maioria das crianças apresenta a convulsão febril já no primeiro dia de febre.
Como já referido, o grau de febre associado às convulsões febris é variável e depende do limiar de cada criança. Na maioria das vezes, a temperatura precisa estar acima dos 39ºC, mas em cerca de 25% dos casos as convulsões surgem com febre entre 38 e 39ºC.
As convulsões costumam ocorrer quando a temperatura está aumentando rapidamente, mas o principal estímulo é mesmo a temperatura e não a sua velocidade de subida.
As convulsões febris são divididas em duas categorias: simples ou complexas.
Convulsão febril simples
A convulsão febril simples é tipo mais comum e caracteriza-se por convulsões generalizadas, com perda consciência, duração menor que 15 minutos (maioria dos casos dura menos de 4 minutos) e ausência de repetição da crise em um período de 24 horas.
Na maioria dos casos, a criança perde os sentidos, revira os olhos, fica com o corpo contraído e logo a seguir os braços e pernas começam a ter movimentos involuntários rápidos. Durante a crise, a criança também pode espumar, ficar com os lábios roxos ou urinar/evacuar.
Depois de alguns segundos ou minutos, os movimentos cessam, o corpo fica mole e a criança adormece. Quando acorda, ela encontra-se bem e rapidamente volta ao seu estado normal.
Convulsão febril complexa
A convulsão febril complexa é caracterizada por episódios de convulsão com um início focal (por exemplo, tremores limitados a um membro ou a apenas um lado do corpo), duram mais de 15 minutos e podem surgir mais de uma vez ao longo do dia.
Toda primeira convulsão da vida da criança deve ser avaliada o mais rápido possível por um médico, seja a crise simples ou complexa.
Diagnóstico
Se a criança teve um quadro típico de convulsão febril simples e o exame físico após a crise estiver normal, não se faz necessário nenhum outro tipo de investigação diagnóstica. O foco do médico deve se voltar para o diagnóstico da doença febril que desencadeou a crise.
Se a criança tiver tido uma crise complexa ou prolongada, o médico precisa descartar outras causas para a convulsão, como meningite ou alterações metabólicas.
Tratamento
O que fazer durante a convulsão febril?
Se o seu filho tiver uma convulsão febril, você precisa manter a calma e lembrar que o quadro, apesar de assustador, costuma ser autolimitado e não causa mal à criança.
Para evitar que qualquer complicação durante a crise, siga os seguintes passos:
- Coloque delicadamente o seu filho em uma superfície plana em que não haja risco de queda.
- Remova todos os objetos próximos, inclusive almofadas e travesseiros.
- Coloque-o de lado para evitar asfixia ou aspiração de saliva.
- Afrouxe qualquer roupa ao redor da cabeça e pescoço.
- Fique atento a sinais de problemas respiratórios, incluindo cor azulada no rosto (os lábios podem ficar roxos, mas não o rosto todo).
- Tente contar quanto tempo dura a crise.
- Se a convulsão durar mais de 5 minutos, ou se o seu filho ficar azul, ligue imediatamente para um serviço de urgência.
Coisas que não devem ser feitas durante a convulsão febril:
- Não tente segurar ou conter o seu filho. Deixe-o se debater. Tentar contê-lo pode provocar lesões.
- Não coloque nada na boca do seu filho.
- Não tente desenrolar a língua. Você pode levar uma mordida séria. Se a criança estiver posicionada de lado, a língua não irá obstruir as vias aéreas.
- Não tente colocar seu filho em água fria para baixar a temperatura.
- Não tente levantar a criança após ela já estar em uma superfície segura.
O que fazer após a crise?
Se for a primeira crise, a criança deve ser levada a um serviço de emergência para avaliação.
Na imensa maioria dos casos não é preciso nenhum tratamento especial. Medicamentos anticonvulsivantes não estão habitualmente indicados para a convulsão febril.
Antipiréticos, como paracetamol, dipirona (metamizol) ou ibuprofeno, ajudam a baixar a febre e reduzem a recorrência de convulsões febris durante o mesmo episódio de febre, mas não parecem afetar a taxa de recorrência de convulsões febris em episódios subsequentes de febre.
Existem várias razões fisiológicas potenciais pelas quais os antipiréticos podem não prevenir convulsões febris. Os antipiréticos facilitam a perda de calor, mas não retardam o aumento da temperatura ou diminuem o limiar de temperatura da convulsão durante o estágio inicial da febre. Os antipiréticos não inibem a produção de calor, apenas a dissipação de calor é aumentada pelo aumento do fluxo sanguíneo periférico e pela sudorese.
As crianças com menos de um ano de idade no momento da sua primeira convulsão febril têm aproximadamente 50% de chance de ter outra ao longo da infância. A taxa cai para 30% se a primeira convulsão tiver ocorrido com mais de um ano de idade.
Apenas cerca de 2% das crianças com convulsão febril acabam desenvolvendo epilepsia, uma taxa semelhante a das crianças em geral.
Referências
- Febrile Seizures Fact Sheet – National Institute of Neurological Disorders and Stroke.
- Febrile Seizures: Guideline for the Neurodiagnostic Evaluation of the Child With a Simple Febrile Seizure – American Academy of Pediatrics.
- Convulsões febris – Sociedade Portuguesa de Neuropediatria.
- Pediatric Febrile Seizures – Medscape.
- Clinical features and evaluation of febrile seizures – UpToDate.
- Treatment and prognosis of febrile seizures – UpToDate.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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