Tratamento da doença renal no diabetes mellitus

Dra. Renata Campos

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Nefropatia diabética tratamento

Tempo de leitura estimado do artigo: 5 minutos

Introdução

diabetes mellitus é uma doença crônica caracterizada pela incapacidade do organismo em processar adequadamente a glicose (ou açúcar) ingeridos nas refeições.

Os tipos mais comuns de diabetes são o diabetes mellitus tipo 1 e o diabetes mellitus tipo 2. Nos dois casos, a consequência é a mesma: aumento dos níveis de glicose no sangue (hiperglicemia). 

Quando o diabetes não é tratado adequadamente, a hiperglicemia pode, com o tempo, afetar o funcionamento normal de alguns órgãos como o coração, os olhos, os nervos e os rins. 

O que é a nefropatia diabética?

O acometimento renal pelo diabetes é chamado de nefropatia diabética ou doença renal diabética, que é a principal causa de doença renal crônica (DRC) e de pacientes em diálise (doença renal terminal) no mundo.

A doença renal diabética é definida pela presença de redução da função renal e/ou excreção urinária aumentada de proteínas na urina, principalmente de albumina, que se mantém por pelo menos três meses. 

A perda de proteínas na urina é chamada de proteinúria. A perda de albumina na urina é chamada de albuminúria. O diabetes mellitus é uma causa importante de proteinúria e albuminúria, mas não é a única. Explicamos todas as causas de perda de proteínas na urina no artigo: Causas de urina espumosa e proteinúria.

Muitos pacientes com doença renal diabética apresentam perda progressiva de função renal ao longo dos anos, chegando à fase terminal com necessidade de diálise. O principal fator de risco para progressão da doença renal é a presença de albuminúria.

Apesar de não haver cura, a terapêutica nefroprotetora disponível atualmente consegue estabilizar a doença em um grande número de doentes. Além disso, as pessoas com doença renal diabética apresentam risco elevado de desenvolver doença e morte por causas cardiovasculares, sendo por isso essencial também o uso de medicamentos específicos para proteção cardiovascular.

Neste artigo falaremos especificamente sobre o manejo do paciente com nefropatia diabética. Se você quiser saber sobre as causas, sintoma e diagnóstico da doença renal diabética, leia: Lesão renal pelo diabetes (nefropatia diabética).

Medidas Gerais aplicáveis a todos os diabéticos

O objetivo do tratamento da doença renal diabética é reduzir ao máximo os valores de albuminúria, eventualmente até atingir remissão completa, bem como desacelerar a evolução da doença renal crônica até as fases mais avançadas. Outro benefício associado ao tratamento é a prevenção da ocorrência de eventos cardiovasculares.  

Restrição da ingestão de sal

A redução da quantidade de sal da dieta ajuda a controlar a pressão arterial, podendo, em determinados casos, contribuir para redução dos valores de forma significativa, semelhante ao uso de um medicamento.

A recomendação para a população em geral é que a ingestão de sal máxima não ultrapasse 5 a 6 gramas por dia. Já os diabéticos devem limitar a ingestão de sal a um máximo de 2,3 gramas diária, conforme as recomendações da Sociedade Americana de Diabetes.

Tratamento da Hipertensão Arterial

A hipertensão arterial é um importante fator de risco para o desenvolvimento e a progressão da doença renal crônica.

O controle rigoroso dos valores de pressão arterial nos pacientes diabéticos é um dos tratamentos mais eficazes para prevenção da DRC, além de reduzir a mortalidade e prevenir a ocorrência de doenças cardiovasculares.

O alvo nestes pacientes é uma pressão arterial menor que 130 mmHg por 80 mmHg. Nos pacientes com albuminúria significativamente aumentada, há evidências de que o controle da pressão arterial também reduz a progressão da doença renal crônica e com isso, a chance de começar a diálise.

As classes de medicamentos mais indicados nesta situação são os inibidores da ECA (ex: enalapril, ramipril, lisinopril, perindopril) ou bloqueadores dos receptores da Angiotensina 2 (ex: losartan, olmesartan, candesartan, telmisartan).

A terapia com um anti-hipertensor não costuma ser suficiente, sendo necessária a associação com outra classe de fármacos para atingir o controle ideal, como os bloqueadores dos canais de cálcio ou um diurético

Um estudo de 2012 evidenciou que a restrição de sódio intensificou os efeitos nefroprotetores e cardioprotetores dos ARA2 nos diabéticos tipo 2 com nefropatia.

Controle da hiperglicemia

O tratamento adequado do diabetes altera o risco de desenvolver doença renal diabética. O mau controle glicêmico por si só, mesmo em pacientes sem doença renal, está futuramente associado ao surgimento de albuminúria e/ou doença renal terminal.

O controle adequado do diabetes logo quando é diagnosticado, no início do curso da doença, traz benefícios de longo prazo em relação ao desenvolvimento da DRC. Essa “memória metabólica”, como é chamada, se refere ao ambiente glicêmico inicial e sugere que níveis de glicose muito alterados nesta fase interferem com a programação da nefropatia no futuro, mesmo se houver controle rigoroso da glicemia nos anos seguintes.

O objetivo costuma ser uma hemoglobina glicada (HbA1c) < 7%, mas esse valor pode variar consoante as características clínicas de cada indivíduo, devendo ser designado pelo médico assistente. 

Modificações dos hábitos de vida

Todos os diabéticos devem alimentar-se de forma saudável, fazer exercício regularmente, deixar de fumar e caso necessário, emagrecer. 

Diabéticos costumam ter resistência à insulina, ou seja, os tecidos do corpo não conseguem utilizá-la de forma adequada. A resistência à insulina está ligada ao aparecimento da doença renal nos diabéticos e por isso as medidas que reduzem a resistência à insulina ajudam a proteger os rins.

O sedentarismo e a obesidade são duas condições muito frequentes nos diabéticos e que estão classicamente ligadas ao aumento da resistência insulínica. Por isso, duas medidas essenciais para prevenção da nefropatia diabética são o aumento da atividade física e a perda de peso em pessoas obesas.

O objetivo deve ser a prática de pelo menos 150 horas de exercício aeróbico moderado a intenso por semana, idealmente sem permanecer mais que dois dias sem se exercitar, bem como 2 a 3 sessões de exercícios de resistência por semana. Nos pacientes mais idosos recomenda-se treino de flexibilidade e equilíbrio 2 a 3 vezes por semana. 

A doença renal diabética é mais comum e se desenvolve mais rapidamente em pessoas obesas, motivo pelo qual a incidência da doença renal é maior nos diabéticos tipo 2. A obesidade, assim como o tabagismo, são fatores de risco para desenvolvimento de doença renal independentemente da presença do diabetes, inclusive podem apresentar na biópsia renal lesões indistinguíveis das provocadas pelo diabetes. 

Controle do colesterol

A dislipidemia é um importante fator de risco para o desenvolvimento de DRC no diabetes. Os valores elevados de triglicerídeos e reduzidos de HDL estão independentemente relacionados ao desenvolvimento de nefropatia nos pacientes com diabetes tipo 1 e 2.

A maioria dos pacientes com doença renal diabética apresenta aumento do risco cardiovascular, tendo indicação de iniciar terapêutica com estatinas. Também é importante interromper o consumo de gorduras trans e reduzir ao máximo o consumo de gorduras saturadas, dando preferência às gorduras poli-insaturadas e monoinsaturadas.

Casos específicos

Pacientes com albuminúria significativamente aumentada

Albuminúria significativamente aumentada é definida como excreção de albumina maior ou igual a 300 mg/dia em urina de 24 horas ou maior ou igual a 300 mg/g em amostra de urina.

Além das medidas já referidas acima, este grupo de pacientes tem indicação de ser medicado com um inibidor da ECA ou um bloqueador dos receptores da Angiotensina 2, uma vez que ambos têm sido o pilar do tratamento da doença renal diabética há décadas.

Esta indicação vem a partir de diversos estudos que evidenciaram que o uso destas classes de medicamentos leva à redução da chance de aparecimento e posteriormente, de crescimento dos valores da albuminúria. É importante lembrar que a eficácia das duas classes é comparável e que a prescrição destes fármacos em conjunto deve ser evitada pela elevada taxa de efeitos adversos graves. O mesmo acontece quando se associa Aliskiren a algum destes.

Pacientes com diabetes tipo 2

Além das medidas referidas acima, recomenda-se a introdução de um inibidor do co-transportador sódio-glicose 2 (SGLT2), como dapaglifozina ou empaglifozina, nos diabéticos tipo 2 com doença renal diabética. Os inibidores SGLT2 mostraram-se eficazes em prevenir a progressão da doença renal crônica, especialmente nos pacientes com albuminúria significativamente aumentada, bem como a incidência de doença cardiovascular.

Além dos inibidores SGLT2, duas outras medidas terapêuticas parecem melhorar o prognóstico da doença renal neste grupo de pacientes: os agonistas do receptor do GLP1 e a finerenona (antagonista do receptor mineralocorticoide seletivo).

Os inibidores do co-transportador sódio-glicose 2 não são muito eficazes em reduzir a glicose sanguínea, especialmente nos pacientes com doença renal crônica, nos quais a eficácia cai à medida que a função renal diminui. Por isso, frequentemente é preciso associar outro agente hipoglicemiante à terapêutica.

Os agonistas do receptor GLP1 estão indicados neste contexto porque apresentam bons resultados em pessoas com doenças cardiovasculares e renais, atenuando a velocidade da perda da função renal na DRC e reduzindo os níveis de albuminúria dos pacientes que já tinham excreção aumentada de albumina. Não se sabe ainda se a combinação dos agonistas do receptor GLP 1 e dos inibidores SGLT2  promove benefícios adicionais à doença renal em relação ao uso isolado dos inibidores SGLT2.

Explicamos todos os tipos antidiabéticos orais no artigo: Antidiabéticos (remédios para diabetes tipo 2).

A ativação do receptor mineralocorticóide está ligada à doença renal e cardiovascular. A Finerenona é um antagonista do receptor mineralocorticóide e quando associada aos inibidores da ECA ou ARA 2 reduz a progressão da doença renal crônica nos diabéticos tipo 2 com nefropatia diabética. Ela atua de modo semelhante a Espironolactona, mas apresenta menor risco de provocar aumento dos níveis de potássio sanguíneo, um efeito adverso comum relacionado ao uso da Espironolactona, especialmente nos pacientes com doença renal crônica que fazem uso de inibidores da ECA ou ARA2. 

Seguimento

Os pacientes com doença renal diabética devem ser avaliados a cada três a seis meses, com avaliação da pressão arterial, exames de sangue que incluam avaliação da creatinina, do potássio e da hemoglobina glicada, assim como avaliação da excreção urinária de albumina ou proteínas.

A avaliação do estado de hidratação do paciente também é muito importante, uma vez que os inibidores SGLT2 e os antagonistas dos receptores mineralocorticoides podem provocar desidratação e eventualmente queda dos níveis de pressão arterial, especialmente nos idosos ou em pessoas que já estejam sob uso de diuréticos.

Pacientes com doença renal diabética também têm maior risco de apresentar lesão renal aguda com uso de contraste iodado (utilizado em exames como tomografias e angiografias) ou uso de anti-inflamatórios. O ideal, caso possível, é substituir o exame contrastado por outro que não comprometa a função renal.

Se a administração de contraste iodado for imprescindível, deve-se avaliar a função renal através do exame de creatinina antes do procedimento e tomar as medidas de nefroproteção necessárias. Já uso de anti-flamatórios está contra-indicado em doentes renais crônicos e não deve ser prescrito.

Ajuste terapêutico

É importante lembrar que à medida que a doença renal crônica avança, o rim vai perdendo a sua capacidade de eliminar os fármacos que tenham excreção renal. Desta forma, muitas vezes é necessário fazer ajustes terapêuticos na dose não só de insulina como de outros antidiabéticos para evitar episódios repetidos de hipoglicemia.


Referências


Autor(es)

Dra. Renata Campos

Médica graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Universidade do Porto. Nefrologista pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pelo Colégio de Nefrologia de Portugal.

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