Metabolismo cálcio-fósforo na insuficiência renal

Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Doença óssea hemodiálise

Tempo de leitura estimado do artigo: 4 minutos

Introdução

Neste texto abordaremos os cuidados com a dieta, os tratamentos existentes e as consequências para o organismo de um mau controle do metabolismo do cálcio e do fósforo nos pacientes com insuficiência renal avançada.

Se quiser saber sobre a dieta para os pacientes em hemodiálise, leia: Dieta para pacientes com insuficiência renal crônica em hemodiálise.

O fósforo é um sal mineral vital para as funções básicas do organismo. O seu principal papel, em conjunto com o cálcio, está na formação e na manutenção dos ossos e dentes. 85% do nosso fósforo encontram-se armazenados nos ossos. Este mineral também é importante na função dos músculos, no controle do pH sanguíneo, na geração de energia, na produção de hormônios, etc.

Quando falamos em controle do metabolismo do fósforo, obrigatoriamente temos que pensar no controle do metabolismo dos ossos. Esta relação é complexa e envolve vários mecanismos, entre eles:

  • Vitamina D.
  • PTH (hormônio produzido nas glândulas paratireoides).
  • Concentração sanguínea de cálcio.
  • Função renal.
  • Concentração sanguínea de fósforo.

Entender alguns conceitos pode ajudar a compreender o porquê de alguns tratamentos e restrições na dieta dos pacientes com insuficiência renal. Antes de falarmos especificamente sobre o controle do fósforo, vamos descrever alguns pontos importantes da saúde dos ossos.

Vitamina D

A vitamina D pode ser obtida por duas vias:

  • Produzida na pele através da exposição solar.
  • Absorvida através da alimentação.

O problema é que ambas vias produzem apenas a forma inativa da vitamina D. Para que ela consiga exercer suas funções no corpo, faz-se necessária a ativação pelos rins. Portanto, no final das contas, a vitamina D importante é vitamina D ativa, produzida pelos rins.

Pacientes com insuficiência renal crônica apresentam rins doentes que, entre outras falhas, não são capazes de produzir vitamina D ativa suficiente.

A principal função da vitamina D é manter as concentrações de cálcio e fósforo normais no osso, mantendo-o saudável e forte. A vitamina D também inibe a produção do PTH, hormônio que contribui para a desmineralização dos ossos (explico no próximo tópico).

Já existem medicamentos que contêm vitamina D ativa, podendo ser usados para o controle da doença óssea na insuficiência renal. As drogas mais comuns são o calcitriol, paricalcitol, alfacalcidol e doxecalciferol.

O principal efeito adverso do tratamento com vitamina D é o aumento dos níveis sanguíneos de fósforo. Portanto, para se poder usar essa classe de drogas, é preciso estar com o fósforo bem controlado (explico como ao final).

Para saber mais sobre a vitamina D, leia: Vitamina D | Deficiência e suplementos

PTH

As paratireoides são 4 pequenas glândulas localizadas sobre a tireoide.

Nota: tireoide e paratireoide são órgãos com funções completamente diferentes, apesar de ficarem anatomicamente coladas e terem nomes semelhantes.

As paratireoides produzem um hormônio chamado PTH, que é responsável pelo controle dos níveis sanguíneos de cálcio, fósforo e vitamina D. O PTH age retirando cálcio dos ossos, aumentando a eliminação renal de fósforo e estimulando a produção renal de vitamina D ativada.

A falta de vitamina D e o excesso de fósforo no sangue que ocorrem na insuficiência renal estimulam a produção de PTH. O problema é que, com rins doentes, por mais que haja PTH, não há como produzir vitamina D ou excretar fósforo na urina.

A única ação que o PTH consegue exercer é retirar o cálcio do osso. Entramos, então, em um ciclo vicioso. Como o fósforo não baixa e os níveis de vitamina não sobem, as paratireoides ficam sendo estimuladas indefinidamente, levando a um quadro que chamamos de hiperparatireoidismo secundário.

Calcimiméticos

Calcimiméticos são medicamentos que aumentam a sensibilidade dos receptores de cálcio nas glândulas paratireoides para o cálcio extracelular. Isso resulta na redução da secreção do paratormônio (PTH). Eles são utilizados principalmente para tratar o hiperparatireoidismo secundário em pacientes com doença renal crônica, especialmente aqueles em diálise.

Ao diminuir os níveis de PTH, os calcimiméticos ajudam a controlar os níveis de cálcio e fósforo, prevenindo complicações ósseas e cardiovasculares associadas à hiperparatireoidismo. Um exemplo de calcimimético é o cinacalcete.

Os principais calcimiméticos utilizados clinicamente são:

  • Cinacalcete: é o calcimimético mais amplamente utilizado. Ele é eficaz na redução dos níveis de PTH, cálcio e fósforo em pacientes com hiperparatireoidismo secundário, especialmente aqueles em diálise.
  • Etelcalcetide: outro calcimimético aprovado, administrado por via intravenosa, geralmente durante as sessões de hemodiálise. Ele também ajuda a controlar os níveis de PTH e minerais no sangue.

Em resumo

Até agora já sabemos duas coisas sobre o paciente com insuficiência renal:

  • Não produz vitamina D suficiente para manter seus ossos saudáveis.
  • Produz um excesso de PTH que leva a desmineralização dos ossos.

Fósforo

Quando o rim começa a ficar doente, a excreção de fósforo na urina começa a falhar. Neste momento a produção de PTH começa a subir, agindo na parte do rim que ainda funciona. Com mais PTH na circulação, o fósforo volta a cair, retornando a níveis normais. Porém, o osso já começa a sofrer. Mesmo em fases iniciais da doença renal, quando a creatinina ainda é baixa, o paciente já começa a ter doença óssea porque precisa de níveis de PTH mais elevados para manter o fósforo controlado.

Portanto, o controle do fósforo deve ser iniciado nas fases iniciais da insuficiência renal, quando a função está abaixo dos 60 ml/min (leia: Insuficiência renal crônica). Poucos são os médicos que sabem fazer esse tipo de controle, o que torna o encaminhamento precoce ao nefrologista importante no tratamento da doença óssea da insuficiência renal.

Como controlar o fósforo?

O paciente que já não consegue eliminar o fósforo corretamente pela urina, deve, então, diminuir o consumo deste por meio de uma dieta pobre em fósforo.

Deve-se evitar alimentos ricos em fósforo, que são:

  • Leite e seus derivados, incluindo sorvetes e iogurtes.
  • Pizzas.
  • Panquecas e waffles.
  • Biscoitos.
  • Cereais e farelos.
  • Vísceras (miolos, fígado, coração, língua, rins).
  • Ervilhas.
  • Feijão.
  • Nozes, amendoim e amêndoas.
  • Chocolate e cacau.
  • Alimentos feitos com farinha integral (pão, bolos, bolachas, torradas).
  • Refrigerantes a base de cola (Coca-Cola e Pepsi).
  • Cerveja.
  • Sardinha.
  • Salsichas, presuntos, linguiças.

Existem medicamentos que inibem a absorção intestinal do fósforo da dieta. São os chamados captadores ou quelantes de fósforo. Os mais comuns são:

  • Hidróxido de alumínio (em desuso devido à toxicidade do alumínio em renais crônicos).
  • Carbonato de cálcio.
  • Acetato de cálcio.
  • Sevelamer (Renagel® ou Renvela®).
  • Carbonato de Lantanium.

Essas substâncias se ligam ao fósforo nos intestinos, impedem sua absorção e são eliminados nas fezes. O problema é que apenas 50% do fósforo ingerido se liga a esses quelantes. Por isso, independente do seu uso, a dieta pobre em fósforo é imprescindível. Logicamente, os quelantes de fósforo só funcionam se tomados durante as refeições.

Imagine o seguinte quadro: O consumo máximo de fósforo recomendado para doente renais é 800 mg /dia. Se um paciente não faz nenhum tipo de dieta e consome 2600 mg de fósforo, mesmo que metade deste saia nas fezes ligado aos quelantes, ele ainda absorverá 1300 mg, o que está bem acima do limite.

Como já foi dito, a elevação do fósforo no sangue (hiperfosfatemia) causa elevação do PTH, que junto com a insuficiência de vitamina D causam grave lesão nos ossos. Esta doença se chama osteodistrofia renal.

Porém, este não é o único problema do excesso de fósforo.

Quando em excesso, o fósforo sanguíneo liga-se ao cálcio circulante, formando o fosfato de cálcio, uma substância insolúvel que se precipita nos vasos sanguíneos. O resultado final é a calcificação destes vasos, obstruindo o fluxo de sangue. Não é à toa que as principais causas de morte em pacientes com insuficiência renal sejam as doenças cardiovasculares como infarto e AVC.

O excesso de fósforo também pode se precipitar na pele, levando a um quadro de comichão intenso e difuso.

Valores indicados

Os níveis de fósforo nos pacientes com insuficiência renal fora de diálise deve ficar entre 2,7 e 4,6 mg/dl. Nos pacientes em diálise os valores devem estar entre de 3,5 e 5,5 mg/dl.

A recomendação atual é para manter os níveis de PTH entre duas a nove vezes o limite superior do normal do laboratório em que as análises foram colhidas. Isso corresponde aproximadamente a 130 a 600 pg/mL, dependendo do método específico de medição do PTH.

Nos pacientes que ainda não estão em hemodiálise, os valores indicados de PTH são:

  • Estádio IV (taxa de filtração glomerular de 15-29 mL/min/1,73 m²): manter os níveis de PTH aproximadamente entre 70-110 pg/mL.
  • Estádio V (taxa de filtração glomerular < 15 mL/min/1,73 m², mas ainda não em diálise): manter os níveis de PTH entre 150-300 pg/mL.

Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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