Cranberry para infecção urinária: benefícios e malefícios

Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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O que é o cranberry?

As infecções do trato urinário (ITU) estão entre os problemas de saúde mais comuns, afetando anualmente milhões de pessoas em todo o mundo. Embora as ITU sejam tratáveis com antibióticos, o uso excessivo desses medicamentos pode levar ao desenvolvimento de resistência bacteriana, tornando-se uma preocupação crescente na área da saúde. Nesse contexto, a busca por alternativas eficazes para prevenir essas infecções se torna cada vez mais importante.

Uma fruta que tem sido amplamente estudada por seu potencial protetor é o cranberry, também conhecido como oxicoco, airela, mirtilo-vermelho, araçá-vermelho, arando ou arando-vermelho.

Cranberries são um grupo de arbustos anões ou trepadeiras do subgênero Oxycoccus do gênero Vaccinium. Seus nomes científicos incluem: Vaccinium oxycoccos, Vaccinium macrocarpon ou Oxycoccus macrocarpus.

Para que serve o cranberry?

Os cranberries produzem pequenas frutas vermelhas ricas em compostos antioxidantes e anti-inflamatórios. Tradicionalmente, povos indígenas norte-americanos já usavam a fruta ou suas folhas para tratar diversas doenças, incluindo distúrbios da bexiga, do estômago e do fígado, bem como para diabetes, feridas e outras condições de saúde. No entanto, não há claras evidências científicas de que o cranberry seja realmente eficaz contra a maioria essas doenças.

Cranberry
Cranberry

Por ser rica em vitamina C (100 gramas de cranberries frescas contêm cerca de 13,3 mg de vitamina C), a cranberry foi bastante utilizada na Europa para combater o escorbuto, doença derivada da deficiência prolongada de vitamina C.

O cranberry pode ser consumido em diferentes formas. Na culinária ele é habitualmente utilizado como suco, molho, compotas ou em sobremesas. Como suplemento alimentar, ele pode ser encontrado como concentrado líquido, cápsulas, comprimidos ou extratos em pó.

Cranberry para infecção urinária

Na década de 1980, estudos sobre o cranberry identificaram uma substância chamada proantocianidina tipo A, que além de ser um potente antioxidante, parece também ter a capacidade de prevenir a aderência de bactérias como a Escherichia coli, a principal causa de ITU, às paredes do trato urinário. Este mecanismo de “antiaderência” pode impedir que as bactérias se estabeleçam, se multipliquem e causem infecções.

Desde então, o interesse nas possíveis propriedades do cranberry no tratamento ou na prevenção da infecção urinária tem crescido bastante (na forma de suco de cranberry, comprimidos ou cápsulas). No entanto, resultados contraditórios publicados por diversos estudos diferentes tem tornado difícil chegar a uma conclusão.

O que os estudos científicos dizem

Até o início dos anos 2000, não existiam ensaios clínicos controlados avaliando a eficácia do cranberry na infecção urinária. Até então, o grau de evidência era muito fraco e a baixa qualidade dos estudos não nos permitiam tirar qualquer tipo de conclusão.

Nas últimas duas décadas, porém, o número de estudos sobre os cranberries aumentou bastante e, apesar dos resultados conflitantes, a maior quantidade de ensaios clínicos de qualidade nos permite atualmente ter uma ideia melhor da sua eficácia.

A Cochrane database of systematic reviews publica metanálises sobre o papel dos cranberries na infecção urinária desde 1998, com atualizações em 2003, 2004, 2008, 2012 e mais recentemente em abril de 2023.

Essa revisão sistemática da Cochrane é o que temos atualmente de mais relevante no estudo do cranberry. A publicação de 2023 incluiu 50 ensaios clínicos controlados envolvendo 8857 pessoas no total. As conclusões são as seguintes:

  • A ingestão de cranberries na forma de suco, comprimidos ou cápsulas reduziu o número de ITU em mulheres com ITU recorrentes (redução de 26%), em crianças (redução de 54%) e em pacientes submetidos a intervenção do trato urinário, como radioterapia da bexiga (redução de 53%).
  • Por outro lado, as ITU não parecem ter sido reduzidas em idosos institucionalizados* (homens e mulheres), em adultos com disfunção neuromuscular da bexiga e esvaziamento incompleto da bexiga, ou em mulheres grávidas.
  • Não foram encontradas informações suficientes para determinar se os produtos de cranberry são mais ou menos eficazes em comparação com antibióticos na prevenção de novas ITU.
  • A eficácia na prevenção da infecção urinária parece restrita aos casos provocados pela bactéria Escherichia coli.
  • O cranberry na forma de suco, comprimidos ou cápsulas parece ser igualmente eficaz.
  • Os estudos só permitem sugerir algum benefício na prevenção da infecção urinária, não havendo nenhuma evidência de eficácia do cranberry no tratamento das ITU.

* Idosos institucionalizados são pessoas idosas vivendo em instituições de longa permanência, como lares de idosos, residências assistidas, asilos ou outros tipos de instalações de cuidado contínuo.

Doses recomendadas

Um dos grandes problemas do uso de cranberries para prevenção da infecção urinária é o fato de não haver um regime estabelecido para a dose a ser usada ou tempo de tratamento, nem há regulamentação formal das autoridades de saúde para os produtos de cranberry. Alguns fabricantes nem sequer indicam a dose sugerida na embalagem.

Normalmente, sugerimos um copo de suco de cranberry (aproximadamente 240 mL) uma ou duas vezes ao dia, ou comprimidos de concentrado de cranberry com uma dose diária total de 500 mg a 1000 mg. No entanto, não há dados que comprovem que essa dosagem seja a mais eficaz. Para crianças, sugerimos o suco de cranberry 5 mL/kg por dia, com o máximo de 1 copo por dia.

O suco de cranberry deve ser consumido em sua forma pura e não adoçada para evitar o consumo excessivo de açúcar (a fruta já tem açúcar naturalmente), o que pode ser contraproducente para a saúde geral e o equilíbrio da flora urinária. Isso pode ser um problema especialmente para crianças, dado que os cranberries apresentam um sabor naturalmente amargo e ácido, mas que são atenuados ao serem adoçados.

Efeitos adversos

Os efeitos adversos dos produtos de cranberry são mínimos. E esse costuma ser o principal argumento para o seu uso, apesar das evidências de eficácia ainda serem conclusivas. Mal não costuma fazer e ainda pode ter algum efeito benéfico.

Entre os efeitos inconvenientes mais comuns estão a ingestão adicional de calorias e glicose e os efeitos colaterais gastrointestinais, como azia, enjoos e diarreia, especialmente quando tomado em doses elevadas.

Altas doses também podem aumentar o risco de formação de cálculos renais à base de oxalato em indivíduos predispostos.

Contraindicações e precauções

Não existem contraindicações absolutas ao uso dos cranberries, exceto histórico de alergia ao cranberry ou a outros frutos vermelhos.

Nos pacientes diabéticos, o uso deve ser preferencialmente com capsulas, para evitar o excesso de calorias e açúcar do suco.

Indivíduos que utilizam anticoagulantes, como a Varfarina, devem utilizar o cranberry com cautela, pois há um potencial teórico de interação medicamentosa, embora as evidências atuais sejam inconclusivas.

As cranberries podem diminuir a velocidade com que o corpo metaboliza a atorvastatina, a nifedipina e o diclofenaco, potencialmente intensificando os efeitos colaterais. É recomendável limitar o consumo de grandes quantidades de suco de cranberry durante o uso desses medicamentos.

O uso de cranberry em pessoas com insuficiência renal crônica deve ser feito com cautela. Cranberries contêm uma quantidade significativa de oxalato, um composto que pode contribuir para a formação de cálculos renais, especialmente em pessoas com predisposição ou doença renal existente.

Pouco se sabe sobre a segurança do uso da cranberry durante a gravidez ou a amamentação. Como as evidências atuais apontam para uma falta de eficácia nas grávidas, a relação risco/benefício não indica seu uso em gestantes.

Conclusão

À luz do atual conhecimento científico, o cranberry parece eficaz e segura em reduzir a incidência de infecção urinária em mulheres com cistite de repetição, crianças e pacientes submetidos a intervenções no trato urinário. No entanto, essa eficácia não se estende a idosos institucionalizados, mulheres grávidas ou indivíduos com bexiga neurogênica. Não há evidências de eficácia no tratamento da infecção urinária.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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