Introdução
A litíase renal, também conhecida como cálculo renal ou pedra nos rins, é uma condição bastante comum que afeta milhões de pessoas no mundo todo. Apesar de poder ocorrer em adultos de qualquer idade, a maior incidência ocorre em adultos jovens, especialmente homens.
O cálculo renal é provocado pela cristalização de sais minerais presentes na urina, que se agrupam e formam, literalmente, uma pequena pedra dentro do trato urinário.
O tipo mais comum de cálculo renal, responsável por cerca de 75% dos casos, é composto por sais de cálcio, como oxalato de cálcio e fosfato de cálcio. Também existem cálculos à base de ácido úrico, estruvita (magnésio + amônia + fosfato) e cistina.
Como se formam as pedras?
Os cálculos se formam quando a concentração de determinados sais minerais na urina é suficientemente grande para que eles consigam se unir, ou então, quando a concentração dos fatores que impedem que eles se juntem está baixa.
Enquanto existem muitos componentes que promovem a formação das pedras renais, o principal inibidor é uma substância chamada citrato. Ela está naturalmente presente na urina, mas aqueles indivíduos com tendência à formação de cálculos podem apresentar concentrações muito baixas. Baixo citrato urinário significa maior risco de formação de cálculos.
Para avaliar quais elementos estão implicados na formação do cálculo é recomendada a pesquisa dos mesmos em um exame de urina de 24 horas. Normalmente as recomendações dietéticas para prevenção da litíase renal são feitas somente após a realização deste exame, de acordo com os resultados encontrados.
Neste artigo falaremos especificamente da dieta mais indicada para quem tem cálculos renais de repetição. Se você quiser mais informações sobre as causas e o tratamento da litíase renal, leia: Cálculo renal (pedra no rim): causas e tratamento.
Dieta para prevenir os cálculos renais
A nossa dieta influencia diretamente a composição da urina. Quando o médico avalia o paciente formador de cálculos, deve levar em conta a constituição do cálculo para recomendar uma dieta. Como a análise da pedra em laboratório só é realizada quando se consegue expeli-la e coletá-la, esta informação nem sempre está disponível.
Existem recomendações gerais que vão servir para todos os cálculos, e outras para os tipos específicos, como o de oxalato de cálcio ou de ácido úrico.
Devemos dar importância aos seguintes itens da dieta: ingestão de líquidos, sódio, potássio, carboidratos, vitamina C, fitatos, cálcio, oxalato e proteínas.
Ingestão de líquidos
Quanto maior for a ingestão de água, maior será o volume de urina produzido.
O aumento da ingestão de líquidos deve ser ao longo do dia todo e não somente num determinado momento, e ser suficiente para produzir pelo menos 2,5 litros de urina por dia.
É importante ressaltar que apesar de ser muito difundida a ideia de que todas as pessoas se beneficiam de beber dois litros de água por dia, o que interessa aqui é o volume de urina gerado e não o volume de líquido ingerido, que pode variar de pessoa para pessoa.
Quanto maior for o volume de urina, maior será a diluição dos elementos que contribuem para a formação de pedras no trato urinário.
O tipo de líquido ingerido também é importante, já que as bebidas ricas em açúcar, como os refrigerantes, por exemplo, podem aumentar o risco de formação de pedras renais.
Dentre os sucos de fruta natural, o que mostrou redução da formação de pedras nos rins foi o suco de laranja sem açúcar adicionado, por ser rico em potássio e aumentar a concentração urinária do citrato, a substância que inibe a formação de cálculos.
Chás, café e bebidas alcoólicas já foram estudados amplamente e não parecem estar associados ao aumento do risco de cálculos de cálcio.
Para saber mais sobre a ingestão diária de líquidos, leia: Quantos litros de água devemos beber por dia?
Sódio
É bem difundida a ideia de que sódio (principal elemento do sal de cozinha) em excesso faz mal. De fato, além de provocar aumento do risco de hipertensão arterial, doenças cardiovasculares e renais, a dieta rica em sal também aumenta a incidência de cálculos renais.
Mesmo que a pessoa não utilize muito sal como tempero, muitos alimentos já possuem um conteúdo elevado de sal, como fast food, enlatados, embutidos, salgadinhos e certos condimentos.
A ingestão de cloreto de sódio em excesso leva ao aumento da sua excreção urinária. Nesse processo, o rim aumenta também a excreção de cálcio, aumentando a concentração urinária deste elemento, de modo que a chance de formação de pedras renais a base de cálcio também se eleva.
Além disso, uma dieta rica em sódio promove aumento da excreção de cistina e redução da excreção do citrato através de mecanismos ainda não esclarecidos.
Portanto, o mais apropriado é evitar o excesso de sal, mesmo que o paciente não seja formador de cálculos de cálcio. A recomendação é de que a dose máxima de sódio não exceda os 2-3 gramas por dia (cerca de 6 gramas de sal).
Já o bicarbonato de sódio ou o citrato de sódio não parecem exercer efeitos na excreção renal de cálcio.
Falamos mais sobre os perigos do sal no artigo: Por que comer sal em excesso é perigoso?
Potássio
Pessoas que têm uma dieta rica em frutas e vegetais apresentam menor risco de formação de cálculos renais. A incidência chega a ser metade em vegetarianos quando comparada aos onívoros.
Vegetais são ricos em potássio e citrato, substâncias que apresentam um efeito protetor em relação à formação das pedras. Esse efeito se dá por diversos mecanismos: promovem a redução da quantidade de ácidos na urina, o que dificulta a formação de cálculos de ácido úrico, aumentam a excreção de magnésio, que é um inibidor da cristalização do cálcio, e ainda reduzem a excreção de cálcio.
Apesar de algumas frutas e vegetais que são ricos em potássio poderem possuir igualmente um teor elevado de oxalato, o que favorece a formação de cálculos de oxalato de cálcio, o efeito protetor parece ser mais pronunciado, de modo que a recomendação atual é que se mantenha a ingestão destes alimentos, excluindo-se aqueles com teor excessivamente elevado de oxalato, tais como o espinafre, beterraba e as batatas, por exemplo.
Carboidratos
Há muitos anos sabemos que existe uma relação direta entre uma dieta rica em carboidratos e o risco de formação de cálculos. Um estudo de 1969 demonstrou que uma carga de glicose promove aumento da excreção renal de cálcio em pessoas normais e um aumento ainda maior em formadores de cálculos.
A frutose aumenta a excreção renal de cálcio, oxalato, ácido úrico e outros fatores relacionados à formação de nefrolitíase. A presença de carboidratos, como a frutose, é necessária para a produção de oxalato. O excesso de sacarose também aumenta a eliminação urinária de cálcio.
Vitamina C
Tratamentos ou suplementação com altas doses de vitamina C (ácido ascórbico) estão associados ao aumento da produção de oxalato através do metabolismo do ácido ascórbico.
Estudos demonstram que pacientes que fazem 2g de vitamina C por dia têm excreção significativamente elevada de oxalato na urina, sejam eles formadores de pedras ou não. Por conta disso, a dose máxima diária indicada para pessoas que têm litíase renal é de 90 mg de vitamina C.
Falamos especificamente sobre a vitamina C no artigo: Vitamina C – fontes e efeitos no organismo.
Fitatos
Os fitatos estão presentes nas leguminosas e em cereais como o trigo, o milho, a aveia e o centeio. Um estudo com quase 100.000 mulheres identificou um fator protetor do consumo de fitatos em relação à litíase renal. Não se sabe exatamente qual é o mecanismo pelo qual essa proteção se dá, mas provavelmente está relacionada a inibição da formação de cristais de oxalato de cálcio.
Cálcio
O cálcio que ingerimos através da nossa alimentação é absorvido pelo intestino e posteriormente excretado pela urina, dando a ideia de que quanto mais cálcio consumirmos, maior será a concentração na urina.
Parece contra-intuitivo, mas quem forma pedras de cálcio não deve reduzir a ingestão deste componente na dieta, pelo contrário, deve manter a ingestão de 1 a 1,2 grama de cálcio por dia.
Os estudos mostram que estas pessoas, quando seguem uma dieta rica em cálcio, apresentam 50% menor chance de apresentarem cálculos à base de cálcio do que as pessoas que restringem o cálcio da dieta.
Isto acontece porque quando ingerimos cálcio como parte da nossa alimentação, normalmente também ingerimos alimentos contendo oxalato. O cálcio e o oxalato se juntam ainda no intestino, formando um composto que não é absorvido e é eliminado pelas fezes. Portanto, o resultado final é que menos cálcio entra na corrente sanguínea e consequentemente, há menor quantidade de cálcio a ser eliminada na urina.
Por outro lado, quando a quantidade de cálcio ingerida é muito baixa, o oxalato contido nos alimentos fica livre para ser absorvido e posteriormente excretado pelos rins. Quanto mais oxalato houver na urina, maior é a chance de haver formação de cristais de oxalato de cálcio.
Ao contrário do cálcio natural nos alimentos, os suplementos à base de cálcio estão associados a um ligeiro aumento na propensão de formação de cálculos, provavelmente por habitualmente serem ingeridos sem acompanhamento de nenhuma refeição.
Oxalato
O oxalato é uma substância comum e presente em diversos alimentos, especificamente frutas e vegetais, tipicamente em quantidades pequenas. Estima-se que até 50% do oxalato urinário venha da nossa alimentação.
Alimentos que apresentam quantidade abundante de oxalato incluem espinafre, beterraba, frutos secos, farelo de trigo, chocolate e framboesa.
Possivelmente os indivíduos que formam cálculos absorvem mais oxalato do intestino do que as que não formam. Mesmo assim, a recomendação para quem tem cálculos de oxalato de cálcio é evitar a ingestão excessiva daqueles alimentos ricos em oxalato, mas não fazer uma restrição intensa de todas as frutas e vegetais, porque estes alimentos apresentam um benefício evidente na prevenção da litíase renal, devido ao potássio e citrato da sua composição.
Também é importante lembrar que quando a ingestão de alimentos ricos em oxalato é feita concomitantemente a ingestão de alimentos ricos em cálcio, a absorção de oxalato é bastante reduzida, como já referido anteriormente.
A melhor forma de saber se a dieta está sendo eficaz em relação ao oxalato é medi-lo em uma urina de 24h. No nosso organismo, o oxalato é gerado através do metabolismo da vitamina C e de alguns aminoácidos.
Proteínas
O consumo excessivo de proteínas não lácteas de origem animal está associado a um aumento da geração de ácidos pelo organismo; esse excesso é eliminado pela urina, que fica mais ácida.
Nesse processo, ocorre um aumento da eliminação de cálcio e uma redução da eliminação de citrato pela urina, o que eleva a chance de formação de cálculos.
Comidas de origem animal são ricas em cistina, o que resulta em aumento do risco de cálculos de cistina. Além disso, o metabolismo das proteínas pelo organismo produz ácido úrico, aumentando a excreção renal de ácido úrico em uma urina mais ácida, o que é um fator de risco para geração de cálculos de ácido úrico.
Essas alterações não ocorrem com a ingestão de alimentos ricos em proteína vegetal, como feijões e lentilhas, porque elas não promovem aumento nem da formação dos ácidos e nem de ácido úrico, como a proteína animal.
Por isso, não há necessidade de reduzir o consumo de proteína vegetal e nem de proteínas contidas no leite e produtos lácteos, uma vez que estes últimos contêm cálcio em quantidade elevada, o que, como já referido anteriormente, é um fator protetor no que diz respeito à litíase renal.
O ideal é evitar os excessos quando se fala de ingestão de proteínas de origem animal, seja de carne vermelha, carne branca, miúdos, ovos ou frutos-do-mar.
Referências
- Dietary Factors and the Risk of Incident Kidney Stones in Younger Women – JAMA.
- Dietary and Pharmacologic Management to Prevent Recurrent Nephrolithiasis in Adults: A Clinical Practice Guideline From the American College of Physicians – Annals of Internal Medicine.
- Fructose consumption and the risk of kidney stones – Kidney international.
- Soda and other beverages and the risk of kidney stones – Clinical Journal of the American Society of Nephrology (CJASN).
- Kidney stones in adults: Epidemiology and risk factors – UpToDate.
- Medical Management of Kidney Stones (2019) – American Urological Association.
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