O que é toxoplasmose?
Toxoplasmose é a infecção causada pelo parasito Toxoplasma gondii. Apesar de ser muito comum, a toxoplasmose é uma doença relativamente desconhecida da população, pois na grande maioria dos casos, a infecção é assintomática e passa despercebida. É somente nos pacientes imunossuprimidos e nas grávidas que o Toxoplasma gondii torna-se realmente perigoso.
Estima-se que cerca de 1/3 da população mundial já tenha entrado em contato com o parasito. Mesmo em países com elevado grau de desenvolvimento, como os EUA e França, mais da metade da população apresenta anticorpos contra o parasito, um sinal de que o indivíduo já foi contaminado em algum momento da vida.
Mamíferos e aves podem se contaminar com o T. gondii, mas o parasito só consegue produzir ovos dentro dos intestinos dos gatos, motivo pelo qual os felinos são chamados hospedeiros primários. Todos os outros animais são hospedeiros intermediários, pois só possuem o parasito adulto em seu organismo.
Os ovos do parasito alcançam o ambiente quando os gatos defecam. A contaminação ocorre quando esses ovos ingeridos por um animal. No caso humano, a ingestão costuma se dar pela contaminação das mãos no solo, seguido pelo contato destas com a boca.
Para um entendimento mais amplo da toxoplasmose, sugiro a leitura do texto: Toxoplasmose: sintomas, IgG e tratamento, onde explicamos em detalhes como se dá a transmissão do parasito e quais são os seus sintomas.
Antes de seguirmos com as explicações sobre a toxoplasmose na gravidez, vale a pena uma revisão de como é feito o diagnóstico sorológico da doença.
Diagnóstico na gravidez: IgM e IgG
Durante o pré-natal, o obstetra solicita algumas sorologias (exame de sangue que mostra quais são as principais infecções que a gestante já teve) para avaliar o estado imunológico da grávida. Cinco infecções são de elevada importância na gravidez devido ao risco de transmissão para o feto:
- Toxoplasmose.
- Sífilis.
- Rubéola.
- Citomegalovirose.
- Herpes Simples.
O grande risco para o feto ocorre quando uma mãe sem anticorpos para a toxoplasmose adquire a doença durante a gestação. Para saber quais são as mulheres susceptíveis à infecção durante a gravidez, solicitamos em todo pré-natal uma sorologia para toxoplasmose.
A sorologia é basicamente uma dosagem de anticorpos específicos. Uma sorologia para toxoplasmose é aquela que pesquisa anticorpos contra o Toxoplasma gondii, parasita que causa a doença. O raciocínio é o seguinte: o nosso corpo só cria anticorpos contra um determinado agente infeccioso se formos expostos ao mesmo. Portanto, ter anticorpos contra toxoplasmose significa já ter sido contaminado pelo parasita em algum momento da vida.
Para resumir um processo extremamente complexo, podemos dizer que nosso corpo trabalha basicamente com dois anticorpos, chamados IgM (imunoglobulina M) e IgG (imunoglobulina G). Assim que um germe novo entra em nosso corpo, nosso sistema imune começa a produzir o anticorpo IgM, chamado anticorpo de fase aguda. O IgM é um anticorpo menos específico, mas que consegue ser produzido em poucos dias. Na toxoplasmose é possível identificar IgM circulante 5 a 7 dias após a contaminação.
Depois de mais ou menos 4 semanas, quando o nosso sistema imune já conheceu bem o agente invasor, o corpo substitui o anticorpo IgM pelo anticorpo IgG, mais forte e mais específico contra a toxoplasmose. Portanto, depois de 4 semanas, o paciente deixa de ter IgM positivo e passa a ter apenas IgG positivo para toxoplasmose. Esta IgG para toxoplasmose ficará positiva pelo resto da vida e impedirá que o parasita se multiplique dentro do nosso corpo.
Resumindo, um paciente com toxoplasmose aguda tem IgM positivo, enquanto um paciente que já teve toxoplasmose e possui o parasita inativo no corpo apresentará IgG positivo. Quem nunca foi exposto ao Toxoplasma tem IgM e IgG negativos.
Como a toxoplasmose não causa doença em 90% das pessoas, o único modo de saber se o paciente já foi exposto ao Toxoplasma é através da dosagem do IgG para toxoplasmose. Para ler sobre os sintomas da toxoplasmose: Sintomas da toxoplasmose.
Toxoplasmose na gravidez
É importante frisar que o problema não está naquelas mães que adquiriram toxoplasmose antes de estarem grávidas. As mulheres que já apresentavam IgG positivo para toxoplasmose antes de estarem grávidas não correm risco de transmiti-la para seus fetos. Nestes casos, o Toxoplasma encontra-se adormecido nos tecidos musculares e o sistema imune da mãe encarrega-se de mantê-lo longe do feto.
A única exceção ocorre em casos de imunossupressão da mãe, como nas gestantes com AIDS, por exemplo. Nestes casos, como o sistema imunológico está fraco, o Toxoplasma adquirido anos antes pode voltar a ficar ativo e infectar o feto durante a gestação.
O risco da toxoplasmose na gravidez ocorre naquelas mães que nunca tiveram contato prévio com o parasita, possuindo sorologia negativa, isto é, IgM e IgG negativos para toxoplasmose. Estas são as gestantes sob risco, pois a toxoplasmose congênita ocorre quando mulheres adquirem o Toxoplasma durante a gravidez.
Portanto, se durante o exame pré-natal a futura mãe já tiver um IgG positivo para toxoplasmose, ela pode ficar tranquila, pois não arrisca passar a doença para o feto. Se, entretanto, ficar constatado que a mãe é IgG negativo, alguns cuidados devem ser tomados para minimizar o risco de contaminação durante a gestação:
- Evitar consumir carnes mal passadas, principalmente de porco.
- Lavar bem as frutas e vegetais antes de comê-los.
- Lavar bem facas e pratos que tiveram contato com carne crua.
- Congelar a carne por uma semana antes de consumi-la ajuda a matar os parasitas.
- Não consuma carne de procedência não confiável.
- Evite beber água não engarrafada.
- Não pratique jardinagem.
- Evitar contato prolongado com gatos.
Grávidas e gatos
Os gatos são os únicos animais que, se contaminados com o Toxoplasma, passam a eliminá-los nas fezes, servindo como fonte para contaminação do meio e de pessoas. Nos outros animais, o parasita fica alojado e adormecido nos músculos, motivo pelo qual a ingestão de carnes cruas é atualmente o principal fator de risco para contaminação pela toxoplasmose.
Portanto, grávidas susceptíveis à toxoplasmose (IgG negativo) devem evitar carnes cruas e contato próximo com gatos.
Sou uma gestante com IgG negativo e tenho um gato de estimação. Preciso me livrar dele?
Não, não precisa. Mas alguns cuidados devem ser tomados:
- Leve-o ao veterinário para saber seu estado imunológico.
- Peça alguém para limpar diariamente a caixa de areia com fezes do gato. Tente não entrar em contato com as fezes do felino.
- Alimente-o apenas com rações; nunca o deixe comer carne crua.
- Evite deixar o gato sair de casa, para que ele não corra o risco de contrair o parasita.
- Evite insetos em casa, principalmente moscas e baratas, que podem carrear o parasita e serem comidos pelo animal.
Se o seu gato é bem cuidado, alimenta-se corretamente e não costuma andar livremente pela rua, a chance dele ter toxoplasmose é muito pequena.
Quando as grávidas tomam os devidos cuidados, a taxa de contaminação é baixa. Atualmente, menos de 8 em cada 1000 (isto é, 0,8%) gestantes com sorologia negativa para toxoplasmose acabam por se infectar durante a gravidez.
Assim como em qualquer outro paciente com sistema imunológico intacto, a toxoplasmose na gravidez não costuma provocar sintomas. Nos raros casos onde há sintomas, os mesmos costumam ser leves e inespecíficos, como febre baixa, cansaço e dor muscular.
Portanto, nas mulheres com IgG negativo, a sorologia deve ser repetida seriadamente durante toda a gravidez para termos certeza que não surgiu um IgM positivo indicativo de infecção recente. Não dá para confiar somente nos sintomas para dizer se alguém foi ou não infectado pelo Toxoplasma recentemente.
Toxoplasmose congênita
Como já explicado exaustivamente, a toxoplasmose congênita ocorre quando mães com sorologia negativa para toxoplasmose (IgG negativo) entram em contato com o parasita durante a gravidez.
Mulheres que pretendem engravidar, mas que acabaram de se contaminar com a toxoplasmose devem respeitar um intervalo mínimo de 6 meses entre a cura e a gravidez para não haver risco de transmissão do parasita para o feto.
Quanto maior for a idade gestacional no momento da infecção, maior será o risco de transmissão do parasita para o feto. Toxoplasmose adquirida na 13ª semana, 26ª semana ou na 36ª semana apresentam, respectivamente, um risco de 15%, 44% e 71% de transmissão para o feto.
Sintomas
A maioria dos recém-nascidos com toxoplasmoses são assintomáticos imediatamente ao nascer. Menos de 30% já nascem com sintomas da toxoplasmose congênita, como coriorretinite, calcificações intracranianas, hidrocefalia (acúmulo de líquido cefalorraquidiano no interior do crânio), lesões dermatológicas e linfadenopatia generalizada (linfonodos aumentados por todo o corpo).
Aqueles que nascem sem sintomas, porém, se não diagnosticados e devidamente tratados, apresentam elevado risco de desenvolver posteriormente sintomas da toxoplasmose congênita. Além de lesões oculares graves, estas crianças podem apresentar surdez, atraso do desenvolvimento mental e epilepsia. Casos mais graves podem evoluir para o óbito.
A ultrassonografia fetal consegue detectar aqueles 30% de casos de malformações do feto causadas pela toxoplasmose ainda dentro do útero. Nos países que permitem aborto, a interrupção da gravidez pode ser indicada, pois estes bebês já apresentam graves sequelas neurológicas e elevada mortalidade nos primeiros dias de vida.
Prevenção
Mães que desenvolvam toxoplasmose durante a gravidez, independente da idade gestacional, devem ser tratadas até o fim da gestação com um coquetel de antibióticos composto por Pirimetamina, Sulfadiazina e Espiramicina.
Se a despeito do tratamento, a criança nascer com toxoplasmose, sintomática ou não, esta também deve ser tratada. O esquema indicado é Pirimetamina + Sulfadiazina. O tratamento dura 12 meses.
Referências
- Toxoplasmosis and pregnancy – UpToDate.
- Congenital toxoplasmosis: Clinical features and diagnosis – UpToDate.
- Parasites – Toxoplasmosis (Toxoplasma infection) – Centers for Disease Control and Prevention (CDC).
- Toxoplasmose – Doenças infecciosas e parasitárias – Guia de bolso, 8a Edição revista – Ministério da Saúde.
- Strategies to reduce transmission of Toxoplasma gondii to animals and humans – Veterinary parasitology.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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