Introdução
A rubéola é uma infecção de origem viral que costuma provocar quadros brandos, com poucos ou nenhum sintoma na maior parte dos pacientes. Ela é uma doença benigna na imensa maioria dos casos, sendo menos perigosa do que a gripe, por exemplo.
A rubéola, porém, possui uma particularidade que a torna uma importante preocupação de saúde pública: ela é extremamente perigosa para o feto quando adquirida pela mãe durante gravidez, principalmente nos três primeiros meses de gestação. Por este motivo, a sorologia para rubéola, exame utilizado para fazer o diagnóstico desta virose, deve sempre fazer parte dos exames solicitados durante o pré-natal.
Neste artigo vamos nos ater à interpretação da sorologia contra rubéola na gestação. Explicaremos o que são os termos IgG ou IgM reagente, não reagente e indeterminado, e quais são as implicações para a mãe e para o feto em cada tipo de resultado.
Se você procura informações gerais sobre a doença rubéola, incluindo transmissão, sintomas e tratamento, acesse o seguinte link: Rubéola – Sintomas e diagnóstico.
Significado dos termos sorologia, IgG e IgM
Uma das formas mais comuns de diagnosticar uma infecção é através da sorologia, que é um exame de sangue no qual podemos pesquisar a existência ou não de anticorpos específicos contra determinadas doenças.
A lógica por trás da sorologia é a seguinte: quando somos infectados por algum germe, seja ele um fungo, bactéria, parasito ou vírus, o nosso sistema imunológico “pega” amostras destes micróbios e as usa para criar anticorpos específicos contra os mesmos. Se você nunca foi exposto a um determinado micróbio antes, você não possui anticorpos específicos contra ele. Por outro lado, se você tem a doença agora ou a teve em algum momento da vida, nós conseguimos encontrar anticorpos específicos circulando na corrente sanguínea.
Como a produção de anticorpos leva alguns dias para ficar pronta, os pacientes que estão tendo uma infecção pela primeira vez precisam, inicialmente, usar outras armas imunológicas, que não os anticorpos, para atacar o agente invasor. Um exemplo são os glóbulos brancos, também chamados de leucócitos, que são células de defesa que podem atacar qualquer tipo de agente infeccioso. Em muitos casos, a doença pode ser branda o suficiente para ser controlada apenas com as células de defesa não específicas, antes dos anticorpos estarem prontos.
Algumas doenças, porém, só conseguem ser totalmente eliminadas quando os primeiros anticorpos específicos surgem. É importante destacar que cada grupo de anticorpos é específico para uma determinada doença. Os seus anticorpos contra toxoplasmose não servem para combater a rubéola, assim como os anticorpos contra a catapora de nada adiantam contra o sarampo.
Usarei a rubéola como exemplo, mas o raciocínio que desenvolverei a partir de agora serve para grande parte das infecções.
Anticorpos IgM e IgG
Quando somos contaminados com uma nova infecção, os primeiros anticorpos produzidos são as imunoglobulinas M, mais conhecidas como IgM. Portanto, a existência no sangue de grandes quantidades de IgM contra rubéola, por exemplo, é um indicador de que a infecção foi recentemente adquirida ou está em curso.
Quando o paciente se cura da infecção, o sistema imunológico para de produzir anticorpos do tipo IgM e passa a produzir imunoglobulinas G, conhecidas como IgG. O IgG é um anticorpo de memória, que permanece presente no sangue pelo resto da vida. Desta forma, da próxima vez que o paciente entrar em contato com a rubéola, o risco de desenvolver a doença será mínimo, pois desde o primeiro momento, o seu sistema imunológico já terá amostras de anticorpos específicos contra a rubéola.
Portanto, a presença de anticorpo IgG contra a rubéola é um sinal de que o paciente já teve a doença em algum momento da vida e agora encontra-se imunizado. A presença de anticorpos do tipo IgG costuma ser chamada de cicatriz sorológica, ou seja, uma marca de que o paciente esteve infectado no passado.
Anticorpos IgG podem ser obtidos através de infecção prévia ou vacinação. Na verdade, o objetivo de qualquer vacinação é induzir o sistema imune a produzir anticorpos permanentes contra uma determinada infecção. O desenvolvimento de anticorpos do tipo IgG é um sinal de que a vacinação foi eficaz.
Interpretação dos resultados da sorologia contra rubéola
Quando o paciente faz uma sorologia contra rubéola, existem basicamente três resultados possíveis:
- IgM e IgG não reagentes.
- IgM reagente e IgG não reagente.
- IgM não reagente e IgG reagente.
O que significa o resultado: IgM e IgG não reagentes?
Se na sua sorologia contra rubéola tanto o IgM quanto o IgG vierem como não reagentes, isso significa que você tem não anticorpos contra a rubéola, ou seja, nunca foi exposto(a) a este vírus e encontra-se susceptível a uma infecção. Se você foi vacinado(a), mas o seu IgG é não reagente, isso significa que a vacinação não foi eficaz, sendo esta uma indicação para repetir a vacina.
Uma gestante que tenha sorologias negativas para rubéola precisa ter muito cuidado para não entrar em contato com ninguém infectado, pois, como ela não tem anticorpos contra a rubéola, ela corre o risco de se contaminar durante a gravidez.
O que significa o resultado: IgM reagente e IgG não reagente?
Como já referido, o anticorpo IgM surge após alguns dias de infecção pela rubéola. Como o vírus da rubéola demora cerca de 2 a 3 semanas para manifestar sintomas, na maioria dos casos, o anticorpo IgM já se encontra reagente quando a paciente começa a manifestar a doença. Depois de 4 a 8 semanas, a produção de IgM diminui muito e a sorologia o torna-se não reagente.
Por isso, uma grávida com sorologia positiva para IgM significa que ela provavelmente se infectou com o vírus da rubéola nas últimas 2 a 6 semanas, estando sob risco de ter um feto com má-formações, principalmente se a gravidez estiver no primeiro trimestre.
O que significa o resultado: IgM não reagente e IgG reagente?
A presença de um IgG reagente para rubéola costuma causar alguma confusão nas gestantes. Ao contrário do que a maioria da população leiga imagina, esse resultado, se presente ainda bem no início da gravidez, é o melhor que a gestante pode ter.
Vejamos: se a gestante possui um IgG reagente, isso apenas indica que ela tem uma cicatriz imunológica, ou seja, encontra-se imune à rubéola. Essa imunidade pode ter sido obtida por uma infecção antiga, antes dela ter engravidado, ou através de vacinação prévia. O fato é que a origem do IgG pouco importa, o importante é saber que esta grávida tem um risco muito baixo de contrair rubéola durante a sua gravidez, pois ela possui anticorpos contra o vírus.
Faz-se necessária, porém, uma observação. O anticorpo IgG indica infecção antiga, geralmente com mais de 2 meses, mas ele não nos possibilita dizer exatamente quando essa infecção ocorreu. Por isso, a sorologia precisa ser feita na primeira consulta de pré-natal para poder ser interpretada corretamente. Imaginem uma grávida que só faz a sorologia no 5º ou 6º mês de gravidez e apresenta um IgG positivo. Se ela não tiver tido sintomas, não teremos como saber se essa infecção ocorreu anos atrás ou surgiu nas primeiras semanas da gravidez.
IgM e IgG contra rubéola: reagente, não reagente e indeterminado
Os valores de referência para a sorologia da rubéola podem variar de um laboratório para o outro. Na hora de interpretar o resultado, não é o valor em si o mais importante, mas sim saber se ele está reagente ou não reagente conforme os valores de referência fornecidos pelo laboratório.
Peguei aleatoriamente na Internet os valores de referência de um determinado laboratório apenas para exemplificar.
Valores de referência para o IgG rubéola:
- Não reagente: inferior a 5 UI/mL.
- Indeterminado: de 5 a 15 UI/mL.
- Reagente: superior a 15 UI/mL.
Valores de referência para o IgM rubéola:
- Não reagente: inferior a 0,6 UI/mL.
- Indeterminado: de 0,6 a 0,79 UI/mL.
- Reagente: superior a 0,79 UI/mL.
No exemplo acima, qualquer paciente com IgG menor que 5 UI/mL ou IgM menor que 0,6 UI/mL terá um resultado não reagente, ou seja, negativo. Da mesma forma, se o IgG for maior que 15 UI/mL ou o IgM maior que 0,79 UI/mL, o resultado será reagente.
O que é um resultado indeterminado?
Resultado indeterminado ou inconclusivo ocorre quando o valor de IgM ou IgG encontra-se levemente alterado, não sendo possível afirmar se existem anticorpos em quantidades relevantes ou não. Em geral, esse problema ocorre quando algum fator não identificado está interferindo no resultado. Quando isso ocorre, o ideal é repetir o exame. Na maioria dos casos, quando a paciente com um resultado indeterminado repete a sorologia, o novo resultado vem como não-reagente.
Diagnóstico da rubéola na gravidez
Na primeira consulta pré-natal, todas as gestantes devem fazer a sorologia da rubéola para que os seus obstetras tenham ciência do seu estado imunológico contra a doença. Esse primeiro exame permite saber quem está imunizada e quem é susceptível à doença.
A sorologia para rubéola também deve ser solicitada se, durante a gravidez, a gestante tiver contato com alguma pessoa infectada ou desenvolver sintomas típicos da rubéola, tais como, febre, aumento dos linfonodos e manchas pelo corpo. O diagnóstico da rubéola é feito se a sorologia detectar a presença de IgM reagente.
Outra forma de fazer o diagnóstico é através da comparação dos valores do IgG no momento dos sintomas e após 3 semanas. Mesmo que o IgM permaneça negativo, se os valores de IgG subirem mais de 4 vezes neste intervalo, isso indica que os sintomas foram mesmo provocados pela rubéola.
Reinfecção durante a gravidez
Uma pessoa ter rubéola mais de uma vez não é comum, mas não é impossível. Da mesma forma, não é impossível que uma pessoa que tenha sido vacinada desenvolva rubéola.
Portanto, se uma gestante que no primeiro exame pré-natal tinha IgG positivo desenvolver um quadro clínico semelhantes à rubéola, a hipótese de uma reinfecção pela rubéola deve ser aventada. Nestes casos, a conduta sugerida é a seguinte:
- Se a gestação tiver menos de 12 semanas, uma nova sorologia deve ser realizada. Uma elevação significativa dos valores de IgG em relação ao primeiro exame sugere fortemente a hipótese de reinfecção pela rubéola. Felizmente, o risco de má-formações na reinfecção é de apenas 8%, bem mais baixo que os 80% de risco na infecção primária.
- Se a gestação já tiver ultrapassado as 12 semanas, não é preciso fazer nada, já que o risco de má-formações nesta fase é muito baixo nos casos de reinfecção.
Vacinação contra rubéola para grávidas com IgG não reagente
Uma medida simples para imunizar as grávidas que apresentam IgG não reagente, ou seja, que sejam susceptíveis à rubéola na gestação, seria a vacinação durante a gravidez. Infelizmente, as atuais vacinas contra a rubéola são feitas com vírus vivo atenuado, o que contraindica a sua administração durante a gravidez.
Portanto, a melhor forma de prevenir a rubéola na gravidez é através da vacinação em massa das meninas durante a infância. Se você foi vacinada de acordo com o calendário de vacinação, o risco de ter rubéola em uma futura gravidez torna-se bem mais baixo.
O que fazer se a gestante tiver rubéola na gravidez?
Como o risco de má-formações graves é elevadíssimo no primeiro trimestre, muitos países, como Portugal, permitem o aborto quando as grávidas têm o azar de contrair rubéola exatamente nas primeiras semanas de gravidez. No Brasil, porém, o aborto não é permitido nesta situação. Nestes casos, não há o que fazer, apenas torcer para que a infecção não provoque danos sérios ao bebê.
Rubéola adquirida após a 20ª de gestação raramente provoca má-formações, mas pode provocar alguns problemas, como parto prematuro ou bebês com baixo peso ao nascimento.
Referências
- Rubella in pregnancy – UpToDate.
- Rubella Serology – National Center for Immunization and Respiratory Diseases (NCIRD).
- SOGC clinical practice guidelines rubella in pregnancy – Journal of Obstetrics and Gynaecology Canada.
- Rubella (German measles) in pregnancy – Paediatrics and child health.
- Survey on rubella, rubella in pregnancy and congenital rubella surveillance systems in EU/EEA countries – European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC).
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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