O que significa líquido saindo das mamas?
Chamamos de descarga mamilar a saída de líquido através da papila mamilar – conhecida popularmente com bico da mama – que surge fora do período da gravidez ou da amamentação.
A descarga mamilar também pode ser chamada de fluxo papilar, derrame papilar ou secreção mamilar.
A saída de líquido pelos seios é uma queixa mamária bastante comum nas mulheres em idade reprodutiva, só perdendo para dor mamária e para a presença de nódulos palpáveis na mama. Cerca de 80% das mulheres terão algum episódio de descarga papilar em algum momento das suas vidas.
O fluxo papilar pode ser unilateral (acomete só uma mama) ou bilateral (ocorre em ambas as mamas). A saída de líquido pode ocorrer de forma espontânea ou só quando a mulher aperta ou espreme o mamilo.
Muitas mulheres fazem compressão do mamilo frequentemente, para conferir se existe secreção mamilar. Este hábito pode perpetuar ou agravar o fluxo e deve ser evitado.
O aspecto da descarga mamilar é variável. A coloração do líquido pode ser vermelho (sanguinolenta), castanha, branca, esverdeada, amarelada ou transparente. A consistência varia desde espesso e pegajoso até fino e aquoso. Como veremos mais adiante, as características do líquido podem das dicas sobre a origem da secreção.
Nas mulheres, a imensa maioria dos casos de fluxo papilar (cerca de 97%) é de origem benigna. Raramente, a saída de líquido pelos mamilos é um sinal de câncer. Porém, mesmo sendo baixo o risco de doença maligna, uma avaliação médica está sempre indicada para melhor orientação e controle dos sintomas.
Se nas mulheres a secreção mamilar é quase sempre benigna, nos homens é o oposto. No sexo masculino, o fluxo papilar é sempre sinal de doença e na maior parte dos casos trata-se de patologia maligna.
Tipos e Causas de Fluxo Papilar
Durante a gravidez e no período pós-parto é normal haver desenvolvimento e produção de leite pelas glândulas mamárias (lactação), que sai através de ductos presentes na papila.
Cada mama possui entre 15 a 20 lobos. Cada lobo é formado por vários lóbulos e ductos, que se unem para constituir os ductos principais, que drenam em direção à papila.
A lactação pode continuar por seis a doze meses depois do parto ou da interrupção da amamentação.
Chamamos de fluxo papilar a saída de líquido através de um ou mais ductos de leite que ocorre fora deste período.
O fluxo papilar pode ser classificado em três tipos, de acordo com suas características:
- Galactorreia.
- Fluxo fisiológico.
- Fluxo patológico.
Vamos explicar cada um dos três de forma resumida.
Galactorreia
Quando o fluxo papilar é composto de leite fora do período da amamentação, é chamado de galactorreia. A galactorreia em si não é uma doença, mas pode ser o sinal de alguma doença subjacente.
A galactorreia costuma ser bilateral e envolve múltiplos ductos. Está normalmente associada ao aumento dos níveis de prolactina no sangue (hiperprolactinemia), o hormônio que regula a produção de leite, produzido por uma glândula na base do cérebro chamada hipófise.
A hiperprolactinemia pode ser provocada por diversos fatores, incluindo:
- Estresse.
- Alterações endócrinas, como o hipotireoidismo.
- Doença renal crônica.
- Tumores benignos da hipófise produtores de prolactina (chamados de prolactinomas).
- Uso de medicamentos, suplementos ou drogas ilícitas.
Entre os medicamentos que podem causar galactorreia podemos citar:
- Metoclopramida.
- Domperidona.
- Clomipramina.
- Metildopa.
- Risperidona.
- Clorpromazina.
- Haloperidol.
- Opioides.
A galactorreia pode ocorrer em qualquer idade, mesmo em mulheres na menopausa ou que nunca engravidaram, assim como após um aborto induzido ou espontâneo.
Muitas vezes, as mulheres com galactorreia têm irregularidades menstruais, ausência de menstruação (amenorreia) e infertilidade. É sempre importante excluir a presença de gravidez quando a mulher apresenta fluxo papilar composto de leite.
Nas mulheres que estão no período pré-menopausa pode ocorrer o que chamamos de galactorreia idiopática transitória, que é uma galactorreia que surge com nível normal de prolactina no sangue e desaparece espontaneamente depois de alguns meses.
O tratamento da galactorreia depende da causa, mas normalmente envolve o tratamento da doença de base ou a suspensão de medicamentos que estejam provocando o quadro.
Se a causa for um tumor benigno na hipófise, a remoção cirúrgica do tumor costuma estar indicada.
Secreção fisiológica
O fluxo papilar fisiológico não é preocupante e está associado a processos normais da glândula mamária. Ele costuma ser bilateral, envolve múltiplos ductos, pode ter diferentes cores (amarelada, esverdeada, castanha, esbranquiçada ou cinzenta), mas não costuma ser sanguinolenta nem transparente.
O estímulo dos mamilos através de expressão, sucção, massagem, carícias ou por compressão pode estimular a secreção de líquido a partir dos ductos de leite. Por vezes, até a fricção de um sutiã esportivo durante atividade física intensa pode ser suficiente para desencadear o fluxo papilar fisiológico.
Esse tipo de descarga mamilar geralmente não precisa de nenhum tratamento específico nem intervenção cirúrgica e desaparece espontaneamente.
Descarga Suspeita ou Patológica
Quando a secreção mamilar é unilateral, restrita a um único ducto, persistente, espontânea, de aspecto transparente ou sanguinolento, considera-se um quadro suspeito ou patológico, ou seja, uma saída de líquido que está relacionada a algum processo de doença subjacente.
O fluxo papilar que acontece em homens é sempre considerado patológico.
As causas mais comuns de fluxo papilar patológico são o papiloma intraductal, ectasia ductal, causas infecciosas e neoplasias.
Papiloma intraductal
O papiloma intraductal é a causa mais comum de fluxo papilar patológico. Trata-se de um tumor benigno composto por tecido glandular e vasos sanguíneos que cresce habitualmente dentro de um ducto de leite próximo ao mamilo.
O papiloma intraductal ocorre mais frequentemente em mulheres entre os 35 e os 55 anos de idade.
Apesar de benigno, eventualmente podem haver áreas de atipia no papiloma (células pré-cancerígenas), o que aumenta o risco de câncer de mama no futuro.
O papiloma pode ser único ou múltiplo. Os papilomas múltiplos costumam estar mais afastados do mamilo e por isso apresentam menor chance de se manifestar com fluxo papilar.
Os principais fatores de risco para aparecimento do papiloma intraductal são o uso de pílula anticoncepcional, terapia hormonal, grau de exposição ao estrogênio ao longo da vida e a história familiar.
O tratamento do papiloma intraductal é habitualmente cirúrgico, com excisão cirúrgica do tumor.
Ectasia ductal
A segunda causa mais comum de fluxo papilar patológico é a ectasia ductal. A ectasia ductal é uma condição benigna em que ocorre dilatação e espessamento das paredes de um ducto de leite.
Estas alterações podem levar à obstrução e acúmulo de secreções, que predispõem ao aparecimento de infecções. A mama pode ficar dolorida e com uma área inflamada à volta da aréola e do mamilo. Também pode ocorrer inversão do mamilo, quando o bico do peito fica voltado para dentro.
Muitas vezes, o fluxo mamilar é a primeira alteração notada pela mulher. O fluxo papilar nestes casos pode apresentar aspecto espesso e coloração variável, como esverdeado, cinzento, esbranquiçado.
É mais comum em mulheres que se encontram próximas ao início da menopausa, entre os 45 e 55 anos, sendo considerado por alguns autores como uma parte normal do processo de envelhecimento da glândula mamária.
O tratamento é somente de suporte para controle dos sintomas. É recomendada utilização de compressas mornas, sutiãs com bom suporte, absorventes para o fluxo papilar e manutenção de uma boa higiene mamária.
Mastite periductal
A causa infecciosa mais comum de fluxo papilar patológico é a mastite periductal.
A mastite periductal é uma condição inflamatória crônica dos ductos subareolares, de causa desconhecida. Ela ocorre predominantemente em mulheres jovens, apesar de poder acometer também homens, sendo a maior parte dos pacientes fumantes. Especula-se que substâncias tóxicas presentes no cigarro provoquem diretamente lesões nos ductos mamários, uma vez que já se verificou uma concentração elevada de algumas destas substâncias na mama.
Os ductos de leite abaixo da aréola ficam inflamados, de modo que a pele ao redor da aréola apresenta sinais de inflamação como vermelhidão, dor e calor.
A mastite periductal costuma se complicar com formação de abscesso ou fístula (uma comunicação anormal entre o ducto de leite e a pele). O fluxo papilar tem aparência espessa, como pus.
O tratamento é normalmente feito com antibióticos, como Amoxicilina-Clavulanato ou Cefalexina associada a Metronidazol, por 7 a 14 dias, dependendo da resposta clínica.
Nos casos de abscessos, é preciso proceder à drenagem, que pode ser realizada através de aspiração por agulha ou de incisão cirúrgica. Em pacientes que apresentam infecções de repetição, pode ser feita remoção cirúrgica dos ductos acometidos.
Câncer
Doenças malignas são responsáveis por cerca de 5-15% dos casos de fluxo papilar patológico.
O carcinoma ductal in situ é o tumor maligno mais comumente relacionado ao fluxo papilar patológico.
Os sinais de que o fluxo papilar patológico pode estar sendo causado por um câncer são:
- Secreção mamilar em homens.
- Secreção mamilar em mulheres acima dos 40 anos.
- Presença de nódulo, massa palpável ou alterações do aspecto da pele da mama que está drenando líquido.
O tratamento é individualizado para o tipo de câncer e o grau de acometimento de cada paciente, podendo ser necessária realização de cirurgia, quimioterapia e radioterapia.
Diagnóstico
Uma vez detectada a descarga mamilar, é importante definir corretamente a origem do líquido.
Alterações de pele na região do mamilo e da aréola, como picadas de insetos, eczema e infecções podem manchar a roupa e levar a mulher a acreditar que tem algum tipo de fluxo papilar.
No caso do fluxo papilar fisiológico, se a mulher tiver seus exames de rastreio de câncer de mama em dia, não costuma ser necessário nenhum exame de imagem adicional.
Para investigação da galactorreia são normalmente solicitados exames de sangue com avaliação da função renal e da tireoide, bem como dosagem dos níveis de prolactina e teste de gravidez. Dependendo dos resultados pode ser necessária uma avaliação endocrinológica mais aprofundada.
No caso do fluxo sanguíneo patológico, a investigação normalmente envolve exames de imagem, inicialmente com mamografia, ultrassonografia mamária e eventualmente uma ressonância magnética da mama.
Posteriormente pode ser necessária a realização de biópsia de lesões encontradas nos exames de imagem, para excluir a presença de doença maligna.
Referências
- ACR Appropriateness Criteria® Evaluation of Nipple Discharge – American College of Radiology.
- Nipple discharge – UpToDate.
- Common Breast Problems – American Family Physician.
- Intraductal Papillomas of the Breast – American Cancer Society.
- Mammary Duct Ectasia – StatPearls.
- Intraductal Papilloma – StatPearls.
- Acute Mastitis – StatPearls.
- Hughes, Mansel & Webster’s Benign Disorders and Diseases of the Breast – R. E. Mansel, David J. T. Webster – Chapter 13 – Nipple discharge.
Autor(es)
Médica graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Universidade do Porto. Nefrologista pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pelo Colégio de Nefrologia de Portugal.
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