Endometriose: o que é, sintomas e tratamento

A endometriose ocorre quando um tecido semelhante ao endométrio (parede interna do útero) cresce em outros órgãos, como ovário, trompas e intestinos, provocando dor e infertilidade.
Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Endometriose

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O que é endometriose?

A endometriose é uma doença caracterizada pelo aparecimento de pedaços de tecido da camada interna do útero, chamada de endométrio, fora do útero. A endometriose pode acometer bexiga, intestinos, apêndice, vagina, ureter e, raramente, órgãos distantes da pelve, tais como pulmões e sistema nervoso central. Também podem surgir tecidos de endométrio em cicatrizes cirúrgicas do abdômen e da pelve.

Apesar da endometriose ser uma doença benigna, ou seja, não ser um tipo de câncer, ela pode ser bastante dolorosa, debilitadora e pode causar infertilidade. Isso ocorre porque os pedaços de endométrio implantados em outros órgãos do corpo reagem às variações hormonais do ciclo menstrual da mesma forma que o endométrio do útero.

O endométrio é uma fina membrana que recobre a parede interna do útero. Durante o ciclo menstrual, o endométrio sofre transformações induzidas pelas variações hormonais, crescendo e se tornando um tecido rico em vasos sanguíneos.

O endométrio se prolifera para ficar apto a receber e nutrir o embrião em caso de gravidez. Ao final do ciclo, se o óvulo não tiver sido fecundado, essa parede espessa do endométrio desaba e é expelida para fora do útero. A esse processo damos o nome de menstruação (para maiores detalhes sobre o ciclo menstrual, leia: Ciclo menstrual e período fértil).

Portanto, o tecido de endométrio em locais atípicos, ao ser estimulado pelos hormônios, também sofre proliferação e depois sangra. Se você tiver endometriose na bexiga ou nos intestinos, por exemplo, terá sangramento menstrual nesses órgãos todos os meses.

O sangramento dentro de outros órgãos provoca inflamação local, que se manifesta como intensa dor. A longo prazo, esse repetido processo de inflamação leva à fibrose e à formação de cicatrizes, aderências e alterações da anatomia do trato reprodutivo, o que também colabora para a dor e para a infertilidade.

Locais comuns da endometriose
Locais comuns da endometriose.

Os locais mais comuns onde ocorre a endometriose são, em ordem decrescente:

  • Ovários.
  • Regiões ao redor do útero, incluindo o fundo de saco de Douglas e ligamentos uterinos.
  • Porção exterior do útero.
  • Trompas.
  • Porções finais do intestino.

A endometriose pode acometer mais de um local diferente ao mesmo tempo, podendo coexistir em até 3 ou 4 órgãos diferentes.

Quando a endometriose ocorre dentro da parede muscular do próprio útero, chamamos de adenomiose uterina. Explicamos essa condição separadamente no artigo: Adenomiose uterina – Sintomas e Tratamento.

Em resumo, a endometriose é tecido uterino que cresce fora do útero, mas que se comporta como parte do útero, respondendo da mesma forma aos estímulos hormonais do ciclo menstrual, podendo, inclusive, sangrar durante a menstruação.

Fatores de risco

Estima-se que até 7% das mulheres tenham a doença, mas a verdadeira prevalência pode ser maior, uma vez que muitas pacientes são assintomática e desconhecem ter o problema. A faixa etária mais acometida é a de 25 a 35 anos.

Cerca de 80% dos casos de dor pélvica crônica e 50% dos casos de infertilidade são causados pela endometriose. A doença é, portanto, uma importante causa de dor pélvica e infertilidade na população feminina (leitura recomendada: Causas de dor pélvica crônica nas mulheres).

As causas da endometriose ainda não são plenamente conhecidas, mas alguns fatores de risco já foram identificados. São eles:

  • História familiar de endometriose.
  • Nuliparidade (nunca ter tido filhos).
  • Primeira menstruação antes dos 11 anos.
  • Ciclo menstrual curto, menor que 27 dias.
  • Ter tido o primeiro filho tarde.
  • Fluxo menstrual intenso.
  • Anomalias do aparelho reprodutor, como defeitos de Müller.
  • Baixo índice de massa corporal (IMC) (leia: Calcule o seu peso ideal e IMC).
  • Abuso sexual na infância ou adolescência.
  • Alto consumo de gorduras trans.

Sintomas

Dependendo do local onde ocorre a endometriose, a paciente pode apresentar um quadro clínico que varia desde sintoma nenhum até dor constante e ininterrupta. Estima-se que até 50%dos casos sejam assintomáticos.

O sintoma mais comum da endometriose, acometendo cerca de 80% das pacientes, é a cólica menstrual de forte intensidade. A endometriose é uma causa comum de dismenorreia secundária (leia: Cólica menstrual – Sintomas e Tratamento para entender as dismenorreias).

A gravidade da dor não é necessariamente um indicador confiável da extensão da doença. Algumas mulheres com endometriose leve têm dor intensa, enquanto outras com endometriose avançada podem ter pouca ou mesmo nenhuma dor.

Em geral, os sinais e sintomas mais comuns da endometriose são:

Endometriose na bexiga e trato urinário

Os locais mais comuns de endometriose no sistema urinário são:

  • Bexiga: 85 a 90% dos casos.
  • Ureter: 10% dos casos.
  • Rim: 4% dos casos.
  • Uretra: 2% dos casos.

Quando há tecido endometrial na bexiga, os sintomas mais comuns são: dor para urinar, micção frequente, urgência para urinar e sangue na urina. Quadros de infecção urinária são mais comuns em quem tem endometriose do trato urinário do que na população em geral.

Endometriose intestinal

Até 1 em cada 4 pacientes com endometriose apresenta implantes de endométrio nos intestinos. Os locais mais acometidos são:

  • Reto: 13 a 53% dos casos.
  • Cólon sigmoide: 18 a 47%.
  • Apêndice: 2 a 18%.
  • Intestino delgado: 2 a 5%.

Os sintomas mais comuns da endometriose intestinal são: dor abdominal, sangramento nas fezes, massa abdominal palpável, cólicas menstruais, diarreia, prisão de ventre, dor para evacuar, distensão abdominal e excesso de gases intestinais.

Endometriose no ovário

Cerca de 20% das pacientes com endometriose apresentam um tumor no ovário chamado endometrioma ovariano.

Endometrioma: cisto de chocolate.
Endometrioma: cisto de chocolate.

O endometrioma é um grande cisto que surge devido à presença de tecido endometrial dentro do ovário. O endometrioma contém um fluido parecido com alcatrão, espesso e de cor acastanhada, que costuma ser chamado de “cisto de chocolate”, pois o seu conteúdo tem aspecto de calda de chocolate. Os endometriomas costumam estar firmemente aderidos às estruturas circundantes, como o peritônio, as trompas de Falópio e o intestino.

Como existe um pequeno risco de transformação maligna, os endometriomas costumam ser sempre removidos cirurgicamente.

Endometriose na região torácica

A endometriose torácica é a forma mais comum de endometriose fora da região pélvica/abdominal. Pleura, tecido pulmonar, diafragma e brônquios são os locais mais frequentemente acometidos.

Pneumotórax, hemotórax e tosse com expectoração sanguinolenta são as principais manifestações clínicas dessa forma de endometriose.

Tipos de endometriose

A endometriose pode ser classificada de várias formas, dependendo da localização, profundidade e morfologia dos implantes endometriais. Os tipos mais comuns são:

  1. Endometriose Superficial: ocorre quando o tecido endometrial cresce na superfície dos órgãos pélvicos ou do peritônio, mas não invade estruturas subjacentes.
  2. Endometriose Ovariana: também conhecida como endometriomas ou “cistos de chocolate”, caracteriza-se pela formação de cistos cheios de sangue nos ovários.
  3. Endometriose Profunda: é a forma mais grave, onde o tecido endometrial cresce abaixo da superfície do peritônio e invade a parede de órgãos como intestinos, bexiga, e outros (explicamos mais adiante).
  4. Adenomiose: uma condição relacionada, mas distinta, onde o tecido endometrial cresce dentro da parede muscular do útero, o miométrio. Isso pode causar aumento do tamanho do útero, menstruações dolorosas e pesadas.
  5. Endometriose Extragenital: menos comum, é quando o tecido endometrial se implanta fora da região pélvica, como nos pulmões, na pleura, no trato gastrointestinal (além do reto e do sigmoide), e até mesmo no cérebro.
  6. Endometriose de Cicatriz: o tecido endometrial pode crescer em cicatrizes cirúrgicas na pele ou na parede abdominal, frequentemente como resultado de cirurgias ginecológicas ou cesarianas.

Endometriose profunda

A endometriose profunda, também chamada de endometriose infiltrativa profunda, é a uma forma avançada de endometriose onde o tecido semelhante ao endométrio penetra mais de 5 milímetros sob a superfície do peritônio, membrana que reveste os órgãos abdominais.

Este tecido pode crescer em áreas como os ligamentos uterossacrais, a bexiga, os intestinos e outros órgãos pélvicos, levando a uma gama de sintomas dolorosos e complicados, incluindo dor pélvica crônica, dismenorreia, dispareunia, além de sintomas urinários e intestinais. A endometriose profunda é uma condição desafiadora tanto para diagnosticar quanto para tratar.

Quem tem endometriose pode engravidar?

Sim, mulheres com endometriose ainda podem engravidar, embora a condição possa reduzir a fertilidade em alguns casos.

Cerca de 30 a 50% das mulheres com endometriose apresentam algum grau de infertilidade. Isso ocorre devido ao acometimento dos ovários, que frequentemente encontram-se inflamados e com adesões fibrosas às trompas. A endometriose acometendo a parte externa do útero também pode levar a deformidades anatômicas, tornando o aparelho ginecológico inapto para uma gravidez.

Muitas mulheres com endometriose concebem naturalmente ou podem se beneficiar de tratamentos de fertilidade, como a fertilização in vitro (FIV).

Diagnóstico

O quadro clínico de dor pélvica cíclica associado a infertilidade é bastante sugestivo, porém insuficiente para se estabelecer o diagnóstico.

Exames de imagem, como a ultrassonografia, podem ajudar a descartar outras causas para os sintomas, como tumores, mas também nem sempre conseguem fechar o diagnóstico da endometriose.

Para se ter certeza do diagnóstico é preciso olhar diretamente para dentro da pelve/abdômen, o que só é possível através da laparoscopia, um procedimento cirúrgico. Durante a laparoscopia é possível procurar pelos implantes e biopsiá-los quando necessário. O diagnóstico de certeza, portanto, só é feito após avaliação histológica de material biopsiado durante a cirurgia.

Nos casos menos graves, o diagnóstico presuntivo com achados clínicos e os exames de imagem costumam ser suficientes para indicar o início das terapias de baixo risco, como, por exemplo, o uso de anticoncepcionais. A cirurgia acaba ficando restrita aos casos mais graves, quando a paciente deseja engravidar ou quando é necessário iniciar algum tratamento com taxa de efeitos colaterais mais elevada, como o danazol.

Tratamento

O tratamento normalmente inicia-se com medicamentos para a dor. Os mais usados são os anti-inflamatórios. Estes remédios são apenas sintomáticos e não agem diretamente na doença.

Terapia com hormônios

1. Anticoncepcionais hormonais

A primeira linha de tratamento é feito com anticoncepcionais comuns. Os contraceptivos hormonais combinados (estrogênio e progesterona) podem ser usados a longo prazo, são bem tolerados, são relativamente baratos e fáceis de usar e fornecem benefícios adicionais, incluindo diminuição do risco de cânceres de ovário e endométrio. O uso de anticoncepcionais ajuda a controlar o ciclo hormonal, reduz os sangramentos e a dor em mais de 80% dos casos.

O DIU Mirena e a injeção de Depo-Provera também são opções válidas.

2. Agonistas e antagonistas do hormônio liberador de gonadotropina (GnRH).

Esse grupo de fármacos bloqueia a produção de hormônios estimulantes do ovário, diminuindo os níveis de estrogênio e impedindo a menstruação. Isso cria uma menopausa artificial e faz com que o tecido endometrial encolha.

O tratamento reduz a dor em 80% dos pacientes e ajuda a diminuir o tamanho da endometriose. Esse tratamento pode ser usado por até 12 meses. A menstruação e a fertilidade retornam quando a medicação é interrompida.

3. Danazol

Embora o danazol seja extremamente eficaz no tratamento da dor da endometriose (90% de taxa de sucesso), ele não é tão utilizado devido aos seus efeitos colaterais androgênicos, tais como acne, câimbras, ganho de peso, crescimento de pelos e voz mais grossa.

Cirurgia para endometriose

A cirurgia é indicada nos casos de dor severa, grande sangramento, infertilidade ou ausência de resposta ao tratamento clínico. A cirurgia visa a remoção dos tecidos endometriais e adesões que possam já existir. Atualmente, a cirurgia mais usada é a laparoscopia.

A laparoscopia é uma técnica cirúrgica menos invasiva usada para visualizar, diagnosticar e remover o tecido endometrial. O cirurgião pode remover ou cauterizar as lesões de endometriose.

Para as pacientes que querem engravidar, mas não conseguem, o tratamento cirúrgico é a melhor opção.

Em casos muito graves, com múltiplos implantes de endometriose e ausência de resposta a outras formas de tratamento, pode ser necessária a remoção de todo útero e/ou ovários.

A cirurgia para extrair tecido endometrial ectópico oferece alívio temporário. Na ausência de tratamento contínuo, é comum a endometriose recidivar. Para prevenir o reaparecimento da doença, muitas vezes é necessário o uso de medicamentos que suprimem a atividade ovariana. Em situações específicas, a remoção dos ovários pode ser considerada para evitar a recorrência da endometriose.

Endometriose tem cura?

A endometriose é uma condição crônica para a qual, até o momento, não existe cura definitiva. O tratamento foca em gerenciar os sintomas e melhorar a qualidade de vida. A escolha do tratamento varia consoante os sintomas, a severidade da condição, a idade da paciente e o desejo de gravidez. Embora a endometriose possa ser gerenciada com sucesso, os tratamentos atuais não garantem a eliminação permanente da doença.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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