Introdução
Os remédios por via oral, sejam eles em forma de comprimidos, cápsulas ou xarope, são uma das formas mais confortáveis para tratar os pacientes, principalmente quando lembramos que as outras opções quase sempre envolvem agulhas e, em alguns casos, supositórios. Pouquíssimos são os medicamentos que possuem uma apresentação em pomadas ou adesivos transdérmicos com eficácia semelhante ao seu equivalente por via oral.
Entretanto, os medicamentos por via oral apresentam uma grande desvantagem: é difícil administrá-los em pacientes que estão com quadro de náuseas e vômitos. São bastante comuns os casos de pacientes que vomitam logo após terem ingerido um medicamento por via oral. E é nesse momento que os pacientes e seus familiares ficam perdidos. E agora, será que o remédio foi absorvido? Devo tomar uma dose extra do medicamento?
A resposta para essa dúvida é mais complexa do que pode parecer à primeira vista. Não é apenas uma simples questão de quanto tempo depois o paciente vomitou. Vários outros fatores devem ser levados em conta, incluindo o tipo de medicação, a idade do paciente, se ele estava em jejum ou tinha comido, o tipo de doença que está sendo tratado, etc. É preciso lembrar também que o próprio medicamento pode ser a causa dos vômitos, o que pode tornar uma nova administração inútil, pois o paciente provavelmente voltará a vomitar.
Nesse artigo tentaremos passar algumas orientações para que você consiga julgar de forma mais adequada quando um episódio de vômito após a ingestão de um remédio pode atrapalhar ou não a eficácia do tratamento.
É importante ressaltar que a opinião do médico que prescreveu o medicamento é muito importante. Se você tiver condições de falar com o médico, a orientação dele será sempre melhor do que qualquer informação que você consiga obter através da Internet. Quem examinou, diagnosticou e escolheu o tratamento foi ele. Quem conhece pessoalmente o caso do paciente é ele. Portanto, qualquer decisão do médico será sempre mais embasada do que as orientações gerais fornecidas aqui neste texto.
Fatores que devem ser considerados quando o paciente vomita após tomar um comprimido
O dado mais importante, sem dúvida, é o intervalo de tempo entre a administração do medicamento e o episódio de vômito.
Se o paciente vomitar menos de 15 minutos após ter tomado o medicamento, principalmente se o comprimido puder ser identificado no vômito, é pouco provável que tenha havia absorção relevante do fármaco. Nessas situações, refazer a dose é a conduta mais indicada. Por outro lado, se o paciente só vomitar mais de uma hora depois de ter tomado o medicamento, é mais ou menos seguro dizer que o fármaco já foi absorvido e que não é necessário repetir a dose.
Um estudo publicado em 2012 no The Canadian Journal of Hospital Pharmacy mostrou que 60% dos médicos que trabalham no Children’s and Women’s Hospital of British Columbia sugerem refazer a dose do medicamento, caso o vômito tenha surgido antes de 30 minutos. Já 32% dos médicos disseram que só indicam refazer o medicamento se o intervalo tiver sido menor que 15 minutos. Isso significa que 92% concordam que com menos de 15 minutos uma nova dose é a melhor conduta. Os 8% restantes disseram que levam outros fatores em consideração independentemente do intervalo de tempo. Nenhum dos médicos indicou a repetição da dose quando o intervalo de tempo foi maior que uma hora.
Portanto, podemos dizer que é praticamente consenso entre os médicos que com menos de 15 minutos o medicamento deve ser refeito, e com mais de 1 hora ele não deve ser repetido. 60%, porém, acham que o limite pode ser esticado até 30 minutos, dependendo das circunstâncias (explicaremos a seguir).
O problema, então, se encontra nos casos em que o vômito surge entre 30 e 60 minutos. Essa é uma zona mais ou menos cinzenta, pois além de não existirem muitos estudos sobre o assunto, o tempo de absorção de cada tipo de medicamento pode ser bastante diferente. É nesse ponto que a gente precisa perder um pouco mais tempo examinando o contexto da situação.
O que fazer se o paciente vomitar entre 30 e 60 minutos após ter tomado o remédio
Além do intervalo de tempo, são vários os fatores que devem ser considerados quando o paciente vomita após ter tomado um medicamento. Os mais relevantes são:
- Tipo de medicamento prescrito.
- Estado de saúde do paciente.
- Idade do paciente.
- Se o medicamento encontra-se visível no vômito.
- Quantas doses anteriores o paciente já havia tomado.
- Risco de toxicidade caso o medicamento seja repetido desnecessariamente.
- Risco de falha do tratamento caso o medicamento não seja repetido.
- Volume do vômito.
Tipo de medicamento prescrito
Conhecer a farmacocinética do medicamento em questão é essencial na hora de decidir pela repetição ou não da dose. Por exemplo, antibióticos, como a amoxicilina e o ciprofloxacino, ou anti-inflamatórios, como o ibuprofeno, apresentam rápida absorção e o limite de 30 minutos pode ser usado com segurança. Já a levotiroxina, utilizada no tratamento do hipotireoidismo, tem uma absorção mais errática, e o limite de uma hora acaba sendo o mais adequado.
Outro exemplo que pode ser dado são as pílulas anticoncepcionais. A pílula conjugada com estrogênio e progesterona tem absorção um pouco mais lenta e o intervalo de 2 horas é o mais seguro. Além disso, uma dose extra não fará mal mesmo se o comprimido não tiver saído no vômito.
Estado de saúde do paciente
Se a doença em questão for muito grave e aquela dose específica do medicamento possivelmente vomitado for importante, o médico provavelmente utilizará o limite de uma hora para ter certeza que o medicamento foi absorvido.
Um exemplo dessa situação é a primeira dose de um antibiótico para uma infecção potencialmente grave. Caso o antibiótico não tenha sido absorvido, a próxima dose pode só ser 8 a 12 horas depois. Neste caso, o mais provável é que o médico indique repetir a dose, mesmo se o vômito tiver ocorrido 30 ou 40 minutos depois.
Idade do paciente
É muito mais fácil indicar a repetição da dose em adolescentes e adultos do que em idosos e recém-nascidos, pois o risco de intoxicação por qualquer fármaco é muito maior nesses dois últimos.
Medicamento visível no vômito
Quando o paciente vomita e é possível ver o comprimido inteiro ou quase inteiro no vômito, é mais ou menos lógico indicar a repetição da dose. O mesmo raciocínio vale se o vômito for basicamente composto pelo xarope.
Número de doses anteriores
Se o paciente já estiver no oitavo dia de tratamento, uma dose de antibiótico a menos fará pouca diferença, pois o seu nível sanguíneo do fármaco já estará elevado e a infecção provavelmente controlada. Se o vômito ocorreu mais de 30 minutos depois, o mais aceitável é esperar pela próxima dose, daqui a 6, 8 ou 12 horas. Por outro lado, se essa for a primeira ou a segunda dose do tratamento, a repetição tem menos riscos de fazer mal do que a sua falta.
Risco de toxicidade caso o medicamento seja repetido desnecessariamente
Aluns medicamento apresentam nível terapêutico muito próximo do nível de toxicidade. Nesses casos, na dúvida, é mais seguro deixar faltar uma dose do que administrar o fármaco em excesso. Medicamentos com elevado risco de toxicidade medular são um exemplo.
Risco de falha do tratamento caso o medicamento não seja repetido
A minipílula é uma forma de pílula contraceptiva que precisa ser tomada com muita disciplina em relações aos horários para que sua eficácia seja mantida. Um simples atraso de 3 horas é suficiente para que seu efeito contraceptivo seja perdido. Nesses casos, na dúvida, o melhor é tomar duas vezes.
Volume do vômito
Se o volume vomitado for pequeno, isso significa que o seu estômago estava vazio e a chance do comprimido já ter sido absorvido é grande. Por outro lado, se você tomou o remédio logo após uma refeição e vomitou grande volume de alimentos, o mais provável é que o comprimido tenha saído junto sem ter sido absorvido de forma relevante.
Conclusão
Sempre ligue para o seu médico em caso de vômito após ter tomado algum remédio. Caso você não tenha como entrar em contato com ele rapidamente, existem duas situações nas quais você pode tomar uma decisão com um grau de segurança alto:
- Vômitos com menos de 30 minutos, principalmente se for em grande volume e com o comprimido visível → o ideal é repetir a dose.
- Vômitos após mais de 1 hora, principalmente se for em pequeno volume e não houver comprimido visível → o melhor é não repetir a dose, exceto no caso das pílulas anticoncepcionais, quando intervalo de 2 horas é o mais seguro.
Nos casos de vômitos entre 30 e 60 minutos, se você não tiver como entrar em contato com o médico, o melhor é não repetir a dose. Na maioria dos casos, 30 minuto são suficientes para o medicamento ser absorvido, principalmente se ele tiver sido tomado com o estômago vazio.
Porém, é possível que em algumas situações essa dose seja realmente perdida. Mas o paciente sozinho nem sempre tem condições de avaliar a melhor conduta e o mais seguro é não repetir a dose para evitar o risco de intoxicações e efeitos colaterais, principalmente nas crianças e nos idosos.
Referências
- Vomiting of Oral Medications by Pediatric Patients: Survey of Medication Redosing Practices – The Canadian journal of hospital pharmacy.
- FAQs about anti-epileptic drugs – Epilepsy Research UK.
- What if I’m on the pill and I’m sick or have diarrhoea? – NHS.
- A study of knowledge, attitude and practice regarding administration of pediatric dosage forms and allied health literacy of caregivers for children – Journal of family medicine and primary care.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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