Introdução
Os exames laboratoriais são um dos artifícios mais usados pela medicina moderna na busca pelos diagnósticos. Os exames de sangue, também chamados de análises sanguíneas, são um grupo de exames complementares usados por todas as especialidades médicas, daí o motivo de quase todo mundo já ter feito pelo menos um exame de sangue na vida.
Não existe um exame de sangue único que sirva para investigar todos os tipos de doença. O que existe são centenas de exames de sangue diferentes, que devem ser solicitados de acordo com o quadro clínico do paciente e das hipóteses diagnósticas do médico.
Neste texto abordamos algumas análises de sangue específicas comumente solicitadas pelos médicos, mas cujo objetivo é raramente explicado para os pacientes. Entre elas podemos citar a VHS, PCR, Ferritina, LDH, etc.
VHS – Velocidade de hemossedimentação
A velocidade de hemossedimentação, mais conhecida como VHS (no Brasil) ou VS(em Portugal), é um exame usado para se avaliar a existência de inflamações no organismo. Se você não entende completamente o significado do termo inflamação, sugiro a leitura de O que é inflamação?
A medição da VHS é relativamente simples. Coloca-se o sangue colhido em uma espécie de tubo de ensaio, como o da foto ao lado, e mede-se em 1 hora a velocidade de precipitação das hemácias (glóbulos vermelhos). O resultado é dado em mm/h. Atualmente este exame é feito de modo automatizado por máquinas.
Os valores normais variam de 0 a 15 mm/h em jovens e de 0 a 30 mm/h em idosos. Mulheres costumam ter a VHS ligeiramente mais elevados que homens.
Como a VHS funciona?
Quando há um processo inflamatório em curso, seja uma infecção, uma doença autoimune ativa, uma pancreatite aguda, um câncer avançado etc., o nosso fígado produz em grandes quantidades uma proteína chamada de fibrinogênio. Este fibrinogênio age como uma espécie de cola, ligando as hemácias umas às outras, formando blocos de glóbulos vermelhos, que obviamente são mais pesados e caem mais rapidamente, aumentando assim a velocidade de hemossedimentação.
A VHS é, portanto, um indicador indireto de que o fígado está produzindo mais fibrinogênio, que por sua vez, é um indicador indireto de que há um processo inflamatório em curso.
Algumas doenças ou situações que cursam com VHS elevado:
- Qualquer infecção, seja tuberculose, pneumonia, faringites, AIDS ou uma simples infecção dentária.
- Doenças autoimunes, como lúpus ou artrite reumatoide.
- Pancreatite aguda.
- Crise de gota.
- Alguns tipos de câncer, como linfoma ou mieloma múltiplo.
- Anemia.
- Vasculites.
- Gravidez.
- Obesidade.
- Idade avançada.
A lista é imensa, apenas listei alguns exemplos. Como já se pode imaginar, a VHS não faz diagnóstico de nada. Ela apenas sugere a possibilidade de uma inflamação.
Além de ser pouco específico, uma vez que a VHS encontra-se elevado em uma grande quantidade de situações diferentes, este exame também é susceptível a erros, já que pequenos descuidos na armazenagem do sangue podem ser suficientes para alterar seu resultado.
Seu grande valor atualmente está no seguimento de algumas doenças como artrite reumatoide, arterite temporal e polimialgia reumática, quando uma elevação da VHS pode indicar precocemente uma recaída ou uma ausência de resposta ao tratamento medicamentoso.
Uma VHS muito elevado, acima e 100 mm/h, costuma ser uma informação diagnóstica útil, pois, além de ser raro o falso positivo nestes casos, são poucas as doenças que cursam com uma elevação tão grande, entre elas lúpus, mieloma múltiplo, osteomielite e tuberculose.
PCR – Proteína C reativa
Como já explicado acima, em casos de inflamação sistêmica, nosso fígado passa a produzir diversas proteínas diferentes, chamadas de proteínas de fase aguda. A VHS é um exame que mede indiretamente a produção do fibrinogênio, uma dessas proteínas.
A popularização da dosagem da proteína C reativa (PCR) reduziu a importância da VHS como marcador de inflamação, pois a PCR também é uma proteína de fase aguda produzida pelo fígado. Com este exame medimos diretamente os níveis da própria proteína, bem mais sensível uma avaliação indireta como na VHS.
Porém, assim como na VHS, a dosagem da PCR nos atesta que há uma inflamação em curso no organismo, mas não nos diz onde ela está, nem por que ela ocorre. Todas as condições listadas quando eu falava da VHS, também podem causar elevação da PCR, com exceção para idade avançada, que causa, quando muito, apenas uma discreta elevação.
Antigamente o resultado da PCR era fornecido somente como positivo ou negativo, pois apenas detectava a presença ou não de PCR no sangue. Atualmente, com técnicas mais modernas, podemos efetivamente dosar a quantidade de PCR circulante. Consideramos normais valores até 0,1 mg/dL (1 mg/L). Valores entre 0,1 mg/dL (1 mg/L) e 1,0 mg/dL (10 mg/L) podem surgir em pequenas inflamações como gengivites ou outros pequenos problemas, não tendo, na maioria dos casos, relevância clínica. Inflamações importantes costumam causar uma PCR maior que 1,0 mg/dL (10 mg/L)
A PCR é mais sensível que a VHS, pois, além de elevar mais precocemente, também serve para avaliar risco de doença cardiovascular. Há muito se sabe que as doenças cardiovasculares são causadas por uma combinação de uma constante e pequena inflamação nas paredes dos vasos com o depósito de colesterol nos mesmos. Pessoas com níveis de PCR persistentemente acima de 0,3 mg/dL (3 mg/L) apresentam maior risco de desenvolver doenças cardiovasculares, como infarto ou AVC. Com esses valores, a PCR indica que há um processo inflamatório discreto, porém contínuo.
Só para ilustrar, a PCR em infecções virais costuma estar entre 1 mg/dL (10 mg/L) e 4 mg/dL (40 mg/L). Em infecções bacterianas como pneumonia costumam estar acima dos 5 mg/dL (50 mg/L). Em casos de sepse grave os valores podem ultrapassar a casa dos 20 mg/dL (200 mg/L).
Se você quiser se aprofundar no tema proteína C reativa, temos um texto mais detalhado sobre o assunto: Proteína C reativa (exame PCR).
Ferritina
A ferritina é uma proteína produzida no fígado, responsável pelos estoques de ferro do nosso organismo.
O ferro é um elemento essencial para o nosso corpo, sendo consumido diariamente para a formação de novas hemácias (glóbulos vermelhos). Se o corpo não tiver estoques de ferro, ele não consegue produzir hemácias, resultando, assim, em um estado de anemia por carência de ferro.
O ferro não pode circular pelo sangue em grandes quantidades devido a sua toxicidade. Por isso, é preciso que ele seja estocado de modo seguro, mas de fácil acesso para suprir as necessidades do organismo. Uma simples molécula de ferritina é capaz de ligar até 4500 átomos de ferro, sendo um excelente meio de armazenamento.
Grande parte da ferritina encontra-se depositada nos músculos, medula óssea, baço e fígado, liberando pequenas quantidades de ferro sempre que necessário para a formação de novas hemácias.
A dosagem sanguínea da ferritina é normalmente realizada para avaliação dos estoques corporais de ferro, informação útil nos casos de anemia, cuja carência de ferro é uma das possíveis causas, ou de doenças como a hemocromatose que ocorrem por excesso de ferro no corpo.
Em geral, 1 ng/dL de ferritina no sangue equivale a um estoque corporal de aproximadamente 10 mg de ferro. Portanto, uma pessoa cuja ferritina sanguínea seja 50 ng/dL, apresenta cerca de 500 mg de ferro estocado. Os valores normais da ferritina podem variar dependendo do laboratório, mas são geralmente ao redor de 30-300 ng/dL em homens e 15-150 ng/dL em mulheres (a menstruação mensal faz com os estoques de ferro sejam menores nas mulheres).
Na maioria dos casos, a ferritina está baixa quando há carência de ferro e alta quando há excesso.
Porém, é importante saber que a ferritina também é uma proteína de fase aguda como a PCR e o fibrinogênio, explicados nos tópicos anteriores. Qualquer inflamação pode estimular a produção de ferritina, não significando que haja um aumento dos estoques de ferro. Isto pode ser um fator confusional em uma investigação diagnóstica.
Uma pessoa com anemia por carência de ferro pode ter níveis de ferritina normais ou elevados caso também apresente um estado inflamatório associado, como uma doença autoimune ativa, por exemplo. Em casos como este, é preciso lançar mão de outras análises de sangue para se fazer o diagnóstico de carência de ferro.
Creatinofosfoquinase (CK ou CPK)
A creatinofosfoquinase (CPK) ou creatinoquinase (CK) é uma enzima presente em vários sítios do nosso organismo, sendo encontrada em abundância no coração e, principalmente, nos nossos músculos. Sua elevação na corrente sanguínea é um forte indicador de lesão muscular, uma vez que a destruição das células dos músculos provoca um grande fluxo de CK em direção ao sangue.
A creatinoquinase (CK) age transformando a creatina e fosfocreatina, um processo que libera energia para o funcionamento do músculo. Explico com mais detalhes essa reação no texto: Suplementos de creatina fazem mal?
Existem 3 subtipos de CK:
- CK-BB que está presente em vários tecidos do corpo
- CK-MM presente em grande quantidade nos músculos e no coração
- CK-MB presente em pequena quantidade nos músculos, mas em grande quantidade no coração.
Quando solicitamos a dosagem da CK sanguínea, recebemos um valor que corresponde a soma desses 3 subtipos. Por isso ela é comumente chamada de CK Total. Se a CK total estiver elevada por conta de um aumento na CK-MB e da CK-MM, isso é um forte indício de lesão no coração, sugerindo um infarto do miocárdio. Se a CK estiver alta por elevação apenas da CK-MM, uma grave lesão muscular (rabdomiólise) é o mais provável. A dosagem da CK-BB têm pouca utilidade clínica.
Na prática clínica de consultório raramente há necessidade de se dosar algum tipo de CK. Normalmente isso só é feito em pacientes internados ou em serviços de urgência quando há suspeita de infarto ou no atendimento de algum trauma, quando o paciente pode apresentar graves lesões musculares.
No dia-a-dia a CK pode ser solicitada para acompanhar pacientes que estão usando drogas que podem causar lesão muscular, entre elas, as estatinas usadas no tratamento do colesterol alto ou os corticoides.
A CK também pode ser útil no diagnóstico de algumas doenças musculares raras como a polimiosite, dermatomiosite, distrofia de Duchenne e outras.
LDH – Lactato desidrogenase
A lactato desidrogenase, mas conhecida como LDH, é uma enzima presente em vários tecidos, principalmente no fígado, músculos, células sanguíneas, cérebro e coração. Seus valores sanguíneos se elevam sempre que há alguma injúria tecidual, que pode ser desde um infarto do miocárdio até uma hepatite aguda. A LDH também costuma estar elevada em diversos tipos de câncer, no hipotireoidismo e algumas infecções pulmonares.
Como é uma enzima presente em diversos tecidos e células, ela acaba sendo um exame muito inespecífico, pois inúmeras condições clínicas podem causar sua elevação. Sozinha, a LDH nos fornece muito pouca informação.
Referências
- Overview of liver biochemical tests – UpToDate.
- Lab Interpretation: High C-reactive protein in adults – UpToDate.
- Acute phase reactants – UpToDate.
- Types of Blood Tests – Stanford Health Care.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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