Enurese noturna (fazer xixi na cama)

Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Enurese

Tempo de leitura estimado do artigo: 6 minutos

Introdução

Chamamos de enurese noturna os episódios de incontinência urinária que ocorrem durante o sono de crianças que já têm idade para controlar a sua bexiga. Em outras palavras, enurese noturna são os episódios de xixi na cama que ocorrem em crianças acima de 5 a 7 anos de idade.

A enurese noturna nas crianças é um evento muito comum, que não deve causar grandes preocupações aos pais na maioria dos casos. Até os 7 anos, os episódios de xixi na cama não costumam ser sinal de nenhum problema saúde. Apenas 5 a 10% dos casos de enurese noturna nas crianças são provocados por algum problema físico ou emocional.

Neste artigo explicaremos o que é a enurese noturna, quais são os seus tipos, como ela se manifesta, quais são os sinais que indicam algum problema e como deve ser feito o tratamento.

Aqui, vamos nos ater somente à enurese noturna das crianças. Se você procura informações sobre problemas de incontinência urinária ou de micção excessiva nos adultos, acesse os seguintes links:

O que é enurese?

Enurese é um termo que significa perda involuntária de urina. Existem vários tipos de enurese, a saber:

  • Enurese noturna: perda involuntária de urina que ocorre à noite, durante o sono.
  • Enurese diurna: perda involuntária de urina que ocorre durante o dia, enquanto o paciente está acordado.
  • Enurese primária: episódios de perda involuntária de urina em crianças que nunca alcançaram o controle completo da bexiga.
  • Enurese secundária: episódios de perda involuntária de urina em crianças que já chegaram a ter controle da bexiga por pelo menos 6 meses.
  • Enurese monossintomática: quando a perda involuntária de urina NÃO vem acompanhada de nenhum outro sinal ou sintoma.
  • Enurese não monossintomática: quando a perda involuntária de urina vem acompanhada de outros sinais e sintomas, tais como dor ao urinar, jato urinário fraco, dificuldade para começar a urinar, necessidade de fazer muita força para urinar, urgência para urinar, necessidade frequente de urinar, sede excessiva, enurese diurna e outros.

Cerca de 80% das crianças que fazem xixi na cama tem um quadro de enurese noturna primária e monossintomática, ou seja, são crianças que nunca chegaram a ter controle total da micção durante o sono e não apresentam nenhum outro sinal ou sintoma além da própria enurese noturna.

A prevalência da enurese noturna primária e monossintomática vai caindo conforme a idade. O percentual e as idades das crianças que fazem xixi na cama são:

  • Aos 5 anos: 16% fazem xix na cama.
  • Aos 6 anos: 13%.
  • Aos 7 anos: 10%.
  • Aos 8 anos: 7%.
  • Aos 10 anos: 5%.
  • Entre 12 a 14 anos: 2 a 3%.
  • Acima de 15 anos: 1 a 2%.
  • Adultos: 0,5%.

Até os 4 anos de idade, não consideramos a enurese uma questão relevante, pois, apesar de já haver crianças que conseguem ter controle noturno da bexiga, o desenvolvimento neurológico responsável pela continência urinária ainda não está completo.

A enurese noturna é duas vezes mais comum nos meninos que nas meninas. Porém, a partir dos 10 anos, a frequência torna-se igual.

90% das crianças adquirem o controle miccional até os 7 anos. Algumas são naturalmente mais rápidas, outras precisam de mais tempo.

Todavia, conforme se passam os anos sem que a criança consiga desenvolver um controle adequado da bexiga durante o sono, menor é a chance dela ter resolução espontânea do problema sem tratamento médico. Após os 12 anos, a chance de resolução espontânea é muito baixa.

Desenvolvimento do controle da micção nas crianças

A micção é o resultado de uma complexa interação entre o sistema nervoso central, os nervos vindos da medula espinhal e os músculos da bexiga. O controle da micção depende da maturidade e de uma fina coordenação entre esses 3 elementos, o que não ocorre na maioria das pessoas antes dos 4 a 5 anos de idade.

A bexiga é basicamente um órgão oco revestido por uma camada muscular. Esse músculo da bexiga é inervado e controlado por fibras nervosas que vêm da medula espinhal.

A bexiga normal recebe ordens do sistema nervoso para relaxar sua musculatura e acomodar a urina nos momentos em que ela está se enchendo, ao mesmo tempo em que os músculos do assoalho pélvico e o esfíncter externo da bexiga ficam contraídos, impedindo que haja escoamento acidental de urina.

Por outro lado, quando a bexiga já está cheia, o sistema nervoso percebe que é hora de urinar e permite que, ao nosso desejo, a musculatura da bexiga se contraia e o esfíncter da bexiga se abra, permitindo que a urina seja expulsa. É assim que se dá o ato de urinar em pessoas neurologicamente maduras e com a musculatura da pelve e da bexiga saudáveis.

Nos bebês, o ato de urinar não segue o caminho descrito acima, pois eles não são capazes de controlar a micção, uma vez que possuem um sistema nervoso central extremamente imaturo.

O bebê não entende o que é uma bexiga cheia, não decide quando vai urinar nem é capaz de segurar a urina; a micção é sempre involuntária e costuma ser desencadeada quando o volume de urina dentro da bexiga atinge determinado ponto. Como a bexiga dos bebês é pequena, ele urina diversas vezes por dia, em alguns casos, mais de 10 vezes ao longo de 24 horas.

Estímulos externos, como mamar, tomar banho ou receber cócegas também podem desencadear uma micção.

Ao longo dos três primeiros anos de vida, apesar da criança ainda não ter controle total sobre a micção, a capacidade de armazenamento da bexiga vai aumentando progressivamente, permitindo que a ela consiga ficar cada vez mais tempo sem urinar. A criança pequena reconhece que a bexiga está cheia e sabe quando vai urinar, porém, ela ainda não tem maturidade suficiente para controlar os músculos da bexiga de forma a segurar a urina. Nesta faixa etária, a criança urina de 5 a 6 vezes por dia.

Entre os 3 e 4 anos de idade, a maioria das crianças já começa a conseguir controlar a micção durante o dia, permitindo que o desfralde seja realizado. O controle da micção durante a noite, porém, ainda demora mais alguns meses ou anos, dependendo da velocidade de amadurecimento neurológico da criança. Como já referido, apenas 10% das crianças não terão alcançado um controle completo da micção até os 7 anos.

Causas da enurese noturna

A grande maioria das crianças que faz xixi na cama apresenta enurese noturna primária e monossintomática. As suas principais causas são:

Amadurecimento neurológico mais lento

Na maioria dos casos, a enurese noturna resolve-se espontaneamente com o passar dos meses ou anos. Algumas crianças simplesmente demoram mais tempo que outras para terem um completo amadurecimento neurológico, por isso, demoram mais tempo até se tornarem aptas a controlar sua micção.

Alguns estudos mostram ser frequente haver uma associação entre uma evolução mais lenta de algumas etapas do desenvolvimento neurológico, tais como linguagem e coordenação motora, com a existência de enurese noturna.

É importante destacar que esse atraso é perfeitamente normal na maioria das crianças. É apenas uma característica particular.

Influência genética

Há uma clara influência genética nos quadros de enurese noturna:

  • Quando nenhum dos pais tem história de enurese na infância, a chance do seu filho ter enurese é de 15%.
  • Quando pelo menos um dos pais teve enurese na infância, o risco do seu filho ter enurese sobe para 44%.
  • Quando ambos os pais tiveram história de enurese noturna, o risco do filho ter também chega a ser de 77%.

Reduzida capacidade de armazenamento de urina da bexiga

Crianças com enurese noturna apresentam uma bexiga com menor capacidade de armazenar urina durante a noite. Essa menor capacidade não está necessariamente ligada a uma bexiga anatomicamente menor, mas sim numa bexiga que funcionalmente é menos capaz de reter urina à noite do que de dia.

Uma das hipóteses que justificam esse quadro é um defeito no esfíncter externo da bexiga, que relaxa durante o sono mais do que deveria, fazendo com que a urina consiga vencer a sua resistência a partir de determinado volume armazenado dentro da bexiga.

Produção excessiva de urina durante a noite

Muitas crianças com enurese noturna acabam fazendo xixi na cama porque produzem um volume grande de urina durante a noite. As causas desse excesso de urina podem ser por uma ingestão de grandes volumes de líquidos nas horas que antecedem o sono ou por uma produção insuficiente do hormônio anti-diurético (ADH), que é o hormônio responsável por impedir a perda de grandes quantidades de urina ao longo do dia.

A produção de ADH costuma aumentar à noite, o que nos permite produzir um volume de urina menor enquanto dormimos. Algumas crianças com enurese noturna não apresentam esse aumento noturno da produção do ADH, fazendo com que elas produzam à noite volumes de urina maior do que o esperado.

A produção excessiva de urina também pode correr no diabetes. Eventualmente, a enurese noturna pode ser um dos primeiros sinais de diabetes tipo 1 na criança (leia: O que é o diabetes?). Em geral, porém, a criança com diabetes não costuma ter uma enurese monossintomática, pois outros sinais do diabetes costumam estar presentes, como perda de peso, sede intensa, cansaço, etc.

Fatores psicológicos

Ao contrário do que muita gente pensa, a enurese noturna primária não costuma ser provocada por fatores emocionais. Na verdade, é o contrário: é a enurese que pode provocar estresse e distúrbios emocionais, principalmente se os pais não souberem lidar com o problema, colocando demasiada pressão e culpa na criança.

Por outro lado, a enurese secundária pode, sim, ter origem em um evento psicológico, apesar desta causa não ser a mais frequente.

Outras causas possíveis de enurese noturna:

Quando a enurese preocupa?

Como já explicado, até os 5 anos é perfeitamente normal urinar na cama enquanto dorme. Na maioria das crianças, esse problema desaparece com o tempo.

Portanto, quando se preocupar?

  • Quando a enurese noturna primária ocorre em crianças com 7 anos ou mais.
  • Quando a criança apresenta enurese secundária.
  • Quando a enurese não é monossintomática.

Em geral, apenas uma análise simples de urina, uma história clínica e um exame físico cuidadoso são suficientes para uma avaliação primária da enurese noturna.

Se o médico suspeitar que haja alguma doença por trás do quadro de enurese, ele deve encaminhar o paciente a um pediatra ou urologista especializado em enurese noturna.

Tratamento

O momento mais adequado para o início do tratamento da enurese noturna monossintomática varia de criança para criança. O principal determinante é o quanto de valor a criança dá ao problema e o quanto a enurese interfere na qualidade de vida da família.

Crianças mais novas, se não forem pressionadas pelos pais, não costumam se abalar com eventuais episódios de enurese noturna. Da mesma forma, se um ou ambos os pais tiveram enurese na infância, o quadro de enurese do filho costuma ser mais bem compreendido e tolerado.

Conforme a criança cresce, a enurese pode se tornar uma fonte de embaraço e isolamento social. A criança pode deixar de trazer amigos para dormir em casa ou evitar ir dormir na casa do amigo, com medo de fazer xixi na cama durante à noite e ser “descoberto”. A enurese também pode causar problemas de autoestima e ansiedade.

A motivação da criança em relação ao tratamento é mais importante que a dos pais. O tratamento da enurese requer disciplina e pode levar meses para ter resultado. Se a criança não estiver altamente motivada para participar do tratamento, o mesmo pode adiado por mais alguns meses ou anos.

Crianças com menos de sete anos são habitualmente controladas com educação e terapia de motivação. Alguns passos utilizados neste tratamento são:

  • Reafirmar para a criança que a enurese não é culpa dela e que o problema costuma desaparecer sozinho com o tempo.
  • Os pais precisam entender que a criança não faz xixi na cama como forma de revanche por alguma briga no dia anterior ou simplesmente porque ela é desleixada ou preguiçosa demais para levantar à noite para urinar no banheiro.
  • A quantidade de líquido ingerida no período da tarde/noite deve ser sempre menor que ao longo do dia.
  • A criança deve sempre urinar antes de deitar.
  • Se a criança acordar à noite, ela deve ser levada ao banheiro para urinar, mesmo que ela diga que não tem vontade.
  • Bebidas ricas em açúcar ou cafeína, como refrigerantes, devem ser evitadas.
  • Sistemas de recompensa ajudam, enquanto punições e broncas devem ser evitados (lembre-se, a culpa não é da criança).
  • Não permita que os irmãos ou irmãs gozem da criança que tem enurese.
  • Crie rotinas, principalmente em relação ao horário do jantar e do sono.

Alarmes

Uma das mais efetivas terapias de condicionamento é feita com alarmes para enurese. Esse tipo de alarme é um dispositivo que possui um sensor que detecta umidade, devendo ser posicionado próximo ao pênis ou à vulva da criança. Ao primeiro sinal de escape de urina, o aparelho dispara um alarme sonoro que serve para acordar a criança e avisar que ela precisa ir ao banheiro.

Após um período de algumas semanas a meses, a criança fica de tal modo condicionada, que ela aprende a associar uma bexiga cheia com a necessidade de levantar e ir ao banheiro urinar.

Tratamento da enurese com medicamentos

A imensa maioria das crianças não precisa de tratamento com medicamentos. A terapia medicamentosa costuma ficar restrita às crianças com mais de 7 anos que não apresentaram satisfatória resposta ao tratamento educacional/motivacional.

A desmopressina, um análogo do hormônio anti-diurético, é um dos fármacos mais utilizados. Antidepressivos tricíclicos, como a imipramina, podem ser usados nos casos refratários.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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