Miastenia Gravis: Causas, sintomas e tratamento

Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Ptose - miastenia

Tempo de leitura estimado do artigo: 5 minutos

O que é miastenia gravis?

A miastenia gravis (MG) é uma doença neuromuscular de origem autoimune, que na sua forma mais comum provoca graus variáveis de cansaço e fraqueza muscular, atingindo preferencialmente os músculos de contração voluntária, tais como os dos braços, pernas, face, olhos e os músculos torácicos responsáveis pela respiração.

A fraqueza muscular associada à miastenia gravis habitualmente agrava-se após atividade física ou quando o paciente está mais cansado, como, por exemplo, ao final do dia. Os sintomas tendem a melhorar com repouso.

A miastenia é uma doença grave, mas que nas últimas décadas tem sido adequadamente controlada com novos esquemas de tratamento, o que tem permitido que a maioria dos pacientes mantenha-se ativo e com qualidade de vida.

Neste artigo explicaremos o que causa a miastenia gravis, quais são os seus sintomas, como é feito o seu diagnóstico e quais são os tratamentos atualmente disponíveis.

Causas

A miastenia gravis é uma doença de origem autoimune provocada por um defeito na transmissão dos impulsos nervosos para os músculos. 

Uma doença autoimune surge quando o nosso sistema imunológico começa a produzir autoanticorpos de forma inapropriada, ou seja, anticorpos que vão atacar e destruir elementos e estruturas saudáveis do nosso próprio organismo (se você quiser se aprofundar no assunto, leia o seguinte artigo: Doença autoimune – Causas, Sintomas e Tratamento).

Na miastenia gravis, o sistema imunológico produz anticorpos que danificam os receptores musculares que recebem os sinais produzidos pelos nervos. Vamos explicar como funciona a interação entre nervos e músculos para que você entenda melhor a origem desta doença.

Como os autoanticorpos provocam a miastenia gravis?

Toda contração muscular que você executa é controlada por impulsos nervosos que se originam no cérebro. Você só consegue levantar o braço, mover a cabeça ou andar, por exemplo, porque o seu cérebro é capaz de enviar impulsos elétricos que viajam pela medula, alcançam os nervos periféricos e chegam até as fibras musculares que precisavam ser ativadas.

Uma pessoa que sofre um traumatismo da coluna e tem uma grave lesão da medula pode deixar de andar porque os sinais elétricos que saem do cérebro já não conseguem mais chegar aos músculos das pernas.

Miastenia gravis

Na miastenia gravis, o problema não ocorre na medula, mas sim lá no final do percurso, quando as fibras nervosas se conectam às fibras musculares. Na verdade, os nervos não se conectam diretamente com o músculo, há um pequeno espaço entre a terminação nervosa e a fibra muscular, que é chamado de junção neuromuscular. Acompanhe a ilustração ao lado para entender melhor.

Quando o impulso nervoso chega à terminação nervosa, ele estimula a liberação de um neurotransmissor chamada acetilcolina. A acetilcolina cai na junção neuromuscular e é captada pelos receptores de acetilcolina presentes no músculo. É a acetilcolina captada na junção neuromuscular que estimula a contração muscular.

A miastenia gravis é uma doença que ocorre quando, por motivos ainda desconhecidos, o sistema imunológico começa a produzir anticorpos contra os receptores de acetilcolina presentes nos músculos. A ação dos autoanticorpos pode levar à destruição ou dano de até 80% destes receptores, o que diminui de forma drástica a capacidade de captação de acetilcolina, principalmente durante o esforço, que é quando o músculo precisa de maiores quantidades do neurotransmissor para funcionar.

Quem está sob maior risco?

A miastenia gravis é uma doença pouco comum, que acomete cerca de 100 a 400 pessoas para cada grupo de 1 milhão de habitantes (0,01 a 0,04% da população).

A miastenia gravis pode ocorrer ambos os sexos, mas ela é mais comum no sexo feminino: a cada 5 pessoas doentes, 3 são mulheres. Além de ser mais comum nas mulheres, a MG também costuma atacar mais cedo neste grupo, geralmente na 3ª década de vida. A idade média de abertura do quadro nas mulheres é de 28 anos.

Já no sexo masculino, a doença é mais comum a partir da 5ª década de vida, sendo 42 anos a idade média de início dos sintomas. Essa diferença de idade na abertura do quadro faz com que a partir dos 50 anos, a miastenia gravis passe a ser mais comum no sexo masculino.

Recém-nascidos, filhos de mãe com miastenia, podem ter uma forma transitória de MG, chamada miastenia gravis neonatal, que surge como resultado da passagem dos autoanticorpos maternos pela placenta.  Essa forma de MG dura poucas semanas, que é o tempo que o organismo do bebê leva para eliminar os anticorpos maternos doentes. Se for diagnosticado e tratado adequadamente, mais de 90% dos bebês ficam curados e sem sequelas. Raramente, a miastenia gravis em recém-nascidos ocorre por doença do próprio recém-nascido.

Uma série de estudos tem sugerido uma associação da miastenia gravis com outras doenças autoimunes, tais como neuromielite óptica, doenças autoimunes da tiroide, lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide.

Sintomas

A principal característica da miastenia gravis é um quadro de fadiga muscular limitado a determinados grupamentos musculares, que pode ser flutuante, ou seja, com períodos de melhora alternados com fases de agravamento. A fadiga muscular da MG não se manifesta como uma sensação generalizada de cansaço, mas sim como diminuição isolada da força de alguns músculos.

A fraqueza muscular pode variar ao longo do dia, sendo habitualmente pior à noite ou após algum exercício. No início da doença, os sintomas podem estar ausentes ao acordar, surgindo com o avançar do dia. Conforme a doença progride, os períodos livres de sintomas desaparecem. O paciente passa a ter fraqueza a todo momento, eles apenas variam de gravidade ao longo do dia.

Embora a miastenia possa produzir fraqueza em qualquer grupamento muscular de contração voluntária, há certas formas de apresentações que são bastante características, conforme veremos a seguir.

Sintomas oculares

Mais de 50% dos pacientes apresentam sintomas oculares no início da doença, senda de ptose (queda da pálpebra) e a diplopia (visão dupla) os mais comuns. Entre os pacientes que abrem o quadro com manifestações oculares, metade irá desenvolver doença generalizada dentro de dois anos.

Em cerca de 15% dos casos, o doente apresenta apenas sintomas oculares, não evoluindo para doença generalizada. Esse quadro é chamado de miastenia gravis ocular.

Sintomas da face e do pescoço

Cerca de 15% dos pacientes apresentam sintomas relacionados aos músculos da face e do pescoço, que incluem: disartria (dificuldade de articular palavras e frases), disfagia (dificuldade para engolir), falta de forças para mastigar e perda das expressões faciais.

Fraqueza do pescoço também é comum, fazendo com que o paciente tenha dificuldade de manter a cabeça erguida.

Sintomas dos membros

O acometimento dos membros é comum, mas fraqueza isolada de algum membro ocorre em menos de 5% dos casos. Quando os membros são acometidos, o paciente também costuma ter fraqueza em outros grupamentos musculares do corpo. Fraqueza nos braços e mãos é mais comum que nas pernas.

Sintomas respiratórios

O envolvimento dos músculos respiratórios produz os sintomas mais graves da miastenia gravis. A fraqueza muscular respiratória pode levar à insuficiência respiratória ou até parada respiratória, uma situação grave chamada de crise miastênica.

A crise miastênica pode surgir espontaneamente durante as fases de agravamento dos sintomas ou pode ser precipitada por vários fatores, incluindo cirurgias, traumas, infecções ou medicamentos. Ente os fármacos que podem provocar agravamento da miastenia e um maior risco de crise miastênica podemos citar:

  • Antibióticos: aminoglicosídeos (ex: gentamicina ou neomicina), quinolonas (ex: ciprofloxacino, levofloxacino e norfloxacino), vancomicina, azitromicina e clindamicina.
  • Anestésicos que fazem bloqueio muscular.
  • Beta-bloqueadores (ex: atenolol, labetalol, metoprolol e propranolol).
  • Toxina botulínica (leia: Botox – Uso Cosmético e Terapêutico).
  • Cloroquina.
  • Quinina.
  • Procainamida.
  • Magnésio.

Evolução natural da doença

No início da doença, os sintomas costumam ser transitórios, conseguindo o paciente ficar horas, dias ou mesmo semanas assintomático. No entanto, com o passar dos meses, as manifestações tendem a piorar e vão se tornando mais persistentes. Cerca de 80% dos paciente atingem o pico da doença dentro de 3 anos.

A evolução da miastenia gravis pode ser divida em três fases:

  1. Nos primeiros 3 a 5 anos de doença, há uma fase ativa com flutuações e agravamento progressivo dos sintomas. A maioria das crises miastênicas ocorrem nesta fase de doença. Mais da metade das mortes provocada pela miastenia ocorrem nos primeiros anos.
  2. A segunda fase é uma fase de estabilização. O paciente mantém os sintomas, mas eles não ficam piores. Agudizações só costumam ocorrer no contexto de infecções, uso de medicamentos que agravam a fraqueza muscular ou alterações na estratégia de tratamento da miastenia, como redução da dose dos medicamentos, por exemplo.
  3. Alguns pacientes evoluem para a fase 3, na qual pode ocorrer remissão total da doença, ficando o paciente livre de sintomas com ou sem a necessidade de manter o tratamento medicamentoso.

Diagnóstico

O diagnóstico da miastenia gravis é feito através do exame neurológico, que pode incluir os teste do gelo ou o teste do edrofônio, junto com exames complementares, como a eletroneuromiografia.

Teste do gelo

O teste do gelo pode ser feito naqueles paciente com queda da pálpebra. Coloca-se um saco de gelo encostado na pálpebra acometida por 2 minutos. O resfriamento do músculo melhora a transmissão neuromuscular, fazendo com que o paciente volte a abrir o olho temporariamente. Esse teste funciona em cerca de 80% dos pacientes.

Teste do edrofônio

O edrofônio é um fármaco com ação anticolinesterásica. Isso significa que ele inibe a degradação da acetilcolina presente na junção neuromuscular, aumentando o tempo que os poucos receptores de acetilcolina ainda presentes no músculo têm para captar o neurotransmissor. O aumento da viabilidade da acetilcolina ajuda o paciente a recuperar transitoriamente a força muscular. A ação do edrofônio, que é administrado por via intravenosa, inicia-se após alguns segundos e dura de 5 a 10 minutos.

O teste do gelo acaba sendo mais utilizado que o do edrofônio, por este último ter um risco maior de efeitos colateiras, como desencadeamento de asma ou de eventos cardíacos.

Sorologia – Doseamento dos autoanticorpos

Dois tipos de autoanticorpos podem ser encontrado no sangue dos pacientes com miastenia gravis: anticorpos anti-receptor de Acetilcolina (Anti-ACh), que é o autoanticorpo mais comum da MG, e os anticorpos anti-tirosina quinase específicos de certos músculos (MuSK-Ab), que estão detectáveis apenas em uma minoria dos casos.

80 a 90% dos pacientes com MG generalizada possuem anti-ACh positivos. Já nos quadros de miastenia gravis ocular, a positividade de autoanticorpo é de somente 40 a 50%.

O anticorpo MuSK-Ab é bem menos comum, mas ele pode estar presente em até 50% dos pacientes com miastenia generalizada, mas com anti-ACh negativo. Nos casos de miastenia ocular, o anticorpo MuSK-Ab costuma ser negativo.

Apenas 10% dos pacientes com miastenia gravis são chamados de soro-negativos, ou seja, possuem ambos autoanticorpos negativos. Os pacientes soro-negativos costumam ter uma forma de doença mais branda, geralmente limitada aos olhos.

Tratamento

O tratamento da miastenia gravis costuma ser feito com uma combinação de diferentes fármacos, que atuam sobre a doença de forma distinta. Os mais comuns são:

1. Inibidores da colinesterase

São medicamentos em comprimidos que agem aumentando o tempo de viabilidade da acetilcolina na junção neuromuscular, melhorando a capacidade e a força de contração muscular. O mais utilizado é a piridostigmina.

Os Inibidores da colinesterase têm eficácia variável, sendo muito bons para alguns pacientes, mas pouco efetivos para outros. Esse tipo de tratamento age puramente nos sintomas, pois ele não tem ação direta nas causas da miastenia.

Entre os efeitos colaterais mais comuns estão as cólicas abdominais, náuseas, salivação excessiva e aumento da sudorese.

2. Imunossupressores

Como a MG é uma doença de origem autoimune, os tratamentos mais efetivos são aqueles que agem diretamente no sistema imunológico, inibindo a produção dos autoanticorpos. Ente os medicamentos imunossupressores mais utilizados estão:

  • Prednisona.
  • Azatioprina.
  • Micofenolato mofetil.
  • Ciclosporina.
  • Ciclofosfamida.
  • Rituximab.
  • Eculizumab.

A desvantagem dos imunossupressores é que eles agem indiscriminadamente sobre o sistema imunológico, reduzindo a produção não só dos anticorpos nocivos, mas também dos anticorpos úteis para combater vírus e bactérias.

3. Tratamento da crise miastênica

A crise miastênica é uma urgência médica que precisa ser tratada com fármacos que tenham ação rápida. As duas modalidades de tratamento mais comuns são:

  • Plasmaferese.
  • Administração intravenosa de imunoglobulina.

4. Timectomia (remoção do timo)

O timo é um órgão do sistema imunológico que fica localizado na região superior do tórax e é responsável por boa parte da produção dos autoanticorpos da MG. Cerca de 15% dos pacientes com miastenia têm um tumor do timo, chamado timoma.

A timectomia, que é a remoção cirúrgica do timo, costuma levar à melhora dos sintomas e até à cura em alguns casos, principalmente nos pacientes com timoma.

Apesar de haver uma excelente resposta inicial, a eficácia da timectomia vai caindo com o passar dos anos, uma vez que o timo não é o único órgão responsável pela produção dos autoanticorpos.

Com o tratamento adequado, a maioria dos indivíduos com miastenia gravis costuma melhorar significativamente e consegue levar uma vida normal ou quase normal. Alguns casos podem alcançar remissão temporária ou permanentemente, de modo que a medicação possa até ser interrompida.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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