Introdução
O câncer do colo do útero, também chamado de câncer cervical ou câncer de cérvix uterina, é um dos tipos mais comuns de neoplasia maligna entre as mulheres, sendo a quarta principal causa de morte por câncer no sexo feminino ao nível global. No Brasil, trata-se de um problema significativo de saúde pública, com milhares de novos casos diagnosticados anualmente.
Estima-se que mais de 90% dos casos de câncer do colo do útero sejam causados pela infecção persistente pelo papilomavírus humano (HPV), um vírus sexualmente transmissível. O HPV possui diferentes subtipos, sendo que alguns deles apresentam alto risco oncogênico, ou seja, têm maior capacidade de causar alterações celulares precursoras do câncer.
Felizmente, o câncer cervical é amplamente prevenível por meio de estratégias como a vacinação contra o HPV, o rastreamento regular com o exame de Papanicolau e o tratamento precoce das lesões precursoras, como a neoplasia intraepitelial cervical (NIC).
Neste artigo, abordaremos a relação entre o HPV e o câncer do colo do útero, discutindo a fisiopatologia da infecção, os métodos de prevenção e diagnóstico, além das formas de tratamento disponíveis.
O que é HPV?
O papilomavírus humano (HPV) é um vírus altamente prevalente que possui mais de 200 subtipos identificados, sendo que cerca de 40 podem infectar a região anogenital e a mucosa oral. O HPV é exclusivo dos seres humanos e pode causar desde lesões benignas, como verrugas comuns na pele, até lesões precursoras de câncer.
Entre as manifestações do HPV, destacam-se as verrugas genitais, também chamadas de condilomas acuminados, que afetam a região anogenital. No entanto, a principal preocupação médica em relação ao HPV está na sua associação com o câncer do colo do útero, além de outros tipos de câncer, como os de vagina, vulva, ânus, pênis e orofaringe.
Quando falamos da relação entre o HPV e o câncer, referimo-nos, sobretudo, aos subtipos de alto risco oncogênico, que têm maior capacidade de provocar alterações celulares malignas. Destes, HPV-16 e HPV-18 são os mais relevantes, estando presentes em mais de 70% dos casos de câncer do colo do útero. Outros subtipos de alto risco incluem o HPV-31, HPV-33, HPV-45, HPV-52 e HPV-58.
É importante ressaltar que a infecção pelo HPV não implica automaticamente no desenvolvimento do câncer. Em muitos casos, o sistema imunológico consegue eliminar o vírus de forma espontânea ao longo do tempo.
No entanto, quando a infecção persiste por anos e há falhas na resposta imune, o HPV pode induzir alterações celulares progressivas, resultando em lesões pré-cancerígenas e, eventualmente, no câncer cervical.
Transmissão do HPV
O HPV é um vírus de transmissão predominantemente sexual, sendo considerada a infecção sexualmente transmissível (IST) mais comum do mundo. O contato direto com a pele ou mucosas infectadas, incluindo relações sexuais com ou sem penetração, é a principal via de transmissão. Embora o uso do preservativo reduza significativamente o risco de contágio, ele não é 100% eficaz, pois o vírus pode estar presente em áreas não cobertas pelo preservativo.
Estima-se que até 80% da população sexualmente ativa terá contato com o HPV em algum momento da vida. Apesar dessa alta prevalência, a maioria das infecções é transitória e não leva a complicações graves, sendo eliminadas pelo organismo em até dois anos. Entretanto, nos casos em que a infecção persiste, há um maior risco de evolução para lesões precursoras do câncer.
A prevenção do HPV envolve estratégias como vacinação, rastreamento com exames ginecológicos e o uso de preservativos, os quais ajudam a reduzir a transmissão, mas não a eliminam completamente.
HPV tem cura?
A infecção pelo papilomavírus humano (HPV) é, na maioria dos casos, transitória e assintomática. Estudos mostram que entre 80% e 90% das infecções pelo HPV são eliminadas espontaneamente pelo sistema imunológico em um período de até dois anos, sem necessidade de tratamento. Portanto, para a maioria das pessoas, o HPV não causa complicações de longo prazo e pode ser considerado “curado” naturalmente.
No entanto, entre 10% e 20% dos casos, o organismo não consegue eliminar o vírus, resultando em uma infecção persistente. Esses casos exigem maior atenção, pois a permanência do vírus por longos períodos pode levar ao desenvolvimento de lesões precursoras do câncer, especialmente no colo do útero.
A infecção persistente pelo HPV de alto risco pode levar a alterações celulares progressivas, resultando em neoplasia intraepitelial cervical (NIC), que pode evoluir para câncer do colo do útero ao longo dos anos. O tempo médio estimado para essa progressão é de 10 a 20 anos.
Existe tratamento para o HPV?
Não há um medicamento específico que elimine o HPV diretamente. O tratamento, quando necessário, foca na remoção das lesões causadas pelo vírus, seja na forma de verrugas genitais ou lesões precursoras do câncer. Métodos incluem:
- Uso de agentes tópicos (ácido tricloroacético, podofilina, imiquimode) para verrugas genitais.
- Procedimentos cirúrgicos (cauterização, laser, crioterapia, conização) para remoção de lesões pré-cancerígenas.
O acompanhamento ginecológico regular é essencial para monitorar possíveis alterações e intervir precocemente, quando necessário.
Para saber mais detalhes sobre a cura do HPV, leia: O vírus HPV tem cura ou tratamento.
Associação entre HPV e o câncer do colo do útero
A infecção pelo papilomavírus humano (HPV) é o principal fator de risco para o desenvolvimento do câncer do colo do útero. Estima-se que mais de 90% dos casos dessa neoplasia estejam associados ao HPV, sendo que pelo menos 15 subtipos do vírus são classificados como de alto risco oncogênico.
Entre esses, os mais relevantes são o HPV-16 e o HPV-18, responsáveis por aproximadamente 70% dos casos de câncer cervical. Outros subtipos também associados ao câncer incluem HPV-31, HPV-33, HPV-45, HPV-52 e HPV-58.
A persistência da infecção pelo HPV é o principal fator determinante para o desenvolvimento do câncer. Quanto mais tempo uma mulher permanece infectada por um subtipo de alto risco, maior a probabilidade de que ocorra a progressão para lesões pré-cancerígenas e, eventualmente, para o câncer invasivo.
Fatores que aumentam o risco de progressão para o câncer cervical
Embora a infecção pelo HPV seja muito comum, a maioria das mulheres consegue eliminá-lo espontaneamente em até dois anos. No entanto, em alguns casos, o vírus persiste e pode levar a alterações celulares que evoluem para câncer. Alguns fatores aumentam o risco dessa progressão:
- Tabagismo: o cigarro prejudica a resposta imunológica contra o HPV e aumenta a agressividade das lesões. Mulheres fumantes com infecção pelo HPV têm um risco significativamente maior de desenvolver câncer cervical.
- Imunossupressão: pacientes com o sistema imunológico debilitado, como aquelas em tratamento com imunossupressores ou que vivem com HIV, apresentam um risco muito maior de persistência do HPV e progressão para o câncer. Além disso, nesses casos, os tumores tendem a ser mais agressivos e rápidos na sua evolução.
- Múltiplos parceiros sexuais e início precoce da atividade sexual: a exposição precoce e frequente ao HPV aumenta as chances de infecção por subtipos de alto risco.
- Uso prolongado de contraceptivos hormonais: alguns estudos sugerem que o uso contínuo da pílula anticoncepcional por mais de cinco anos pode aumentar a vulnerabilidade das células cervicais à infecção pelo HPV.
Papanicolau e o diagnóstico do câncer de colo do útero
O exame de Papanicolau, também conhecido como preventivo ginecológico, é a principal estratégia de rastreamento para a detecção precoce do câncer do colo do útero e de suas lesões precursoras. Esse exame é fundamental para reduzir a mortalidade por câncer cervical, pois permite a identificação e o tratamento precoce de alterações celulares antes que evoluam para um tumor invasivo.
O Papanicolau diagnostica o câncer?
Embora seja uma ferramenta essencial para a detecção precoce, o exame de Papanicolau não é um exame diagnóstico. Ele serve para identificar alterações celulares suspeitas, indicando quais mulheres devem ser submetidas a exames complementares, como colposcopia e biópsia do colo do útero. Somente a biópsia pode confirmar o diagnóstico de câncer.
Quem deve fazer o Papanicolau e com que frequência?
A recomendação geral é que todas as mulheres sexualmente ativas, especialmente entre 25 e 64 anos, realizem o exame de Papanicolau anualmente.
- Se dois exames consecutivos apresentarem resultados normais, a frequência pode ser reduzida para a cada três anos.
- Mulheres com fatores de risco, como infecção pelo HIV, imunossupressão ou histórico de NIC, devem manter exames mais frequentes, conforme orientação médica.
Se o exame identificar células com características pré-malignas, a paciente será encaminhada para colposcopia e biópsia, a fim de avaliar a extensão da lesão e determinar a necessidade de tratamento.
O que é NIC (neoplasia intraepitelial cervical)
A neoplasia intraepitelial cervical (NIC) é uma lesão pré-maligna do colo do útero, causada pela infecção persistente pelo HPV de alto risco oncogênico. Embora não seja um câncer, a NIC pode evoluir para um tumor invasivo ao longo dos anos se não for detectada e tratada precocemente.
A classificação da NIC é baseada no grau de alterações celulares e no risco de progressão para o câncer:
- NIC 1 (displasia leve): lesão de baixo grau. A maioria dos casos regride espontaneamente em até dois anos sem necessidade de tratamento.
- NIC 2 (displasia moderada): lesão de grau intermediário. Pode regredir espontaneamente, mas o risco de progressão para câncer é maior, exigindo acompanhamento rigoroso.
- NIC 3 (displasia severa ou carcinoma in situ): lesão de alto grau, com alto risco de progressão para câncer. Geralmente, requer tratamento para remoção da área afetada.
É importante destacar que a remoção da lesão não elimina o HPV do organismo, mas reduz drasticamente o risco de progressão para o câncer.
Se a biópsia confirmar a presença de câncer cervical, o próximo passo é a realização de exames de imagem, como tomografia computadorizada da pelve e abdômen, para avaliar a extensão da doença e a possível presença de metástases.
Se você quiser saber mais sobre o rastreio do câncer de colo uterino, leia também os seguintes artigos:
- Exame Papanicolau.
- Teste de Schiller | Rastreio do câncer de colo uterino
- Colposcopia e biópsia do colo do útero.
Vacina para HPV
Atualmente, não existe um tratamento curativo para pessoas que desenvolvem infecção persistente pelo HPV, especialmente pelos subtipos de alto risco oncogênico como HPV-16 e HPV-18. Essas pessoas permanecem infectadas pelo vírus e podem desenvolver lesões pré-malignas e malignas ao longo dos anos.
Por isso, o desenvolvimento da vacina contra o HPV foi um avanço crucial na prevenção do câncer do colo do útero, bem como de outros tipos de câncer relacionados ao vírus, como os de vagina, vulva, ânus, pênis e orofaringe. A vacinação impede a infecção por subtipos específicos do HPV, reduzindo drasticamente a incidência de lesões precursoras do câncer.
Existem atualmente três tipos de vacinas contra o HPV, todas aprovadas por agências regulatórias de saúde:
- Vacina bivalente (Cervarix®) – Protege contra os subtipos HPV-16 e HPV-18, responsáveis por cerca de 70% dos casos de câncer de colo do útero.
- Vacina quadrivalente (Gardasil®) – Protege contra os subtipos HPV-6, HPV-11, HPV-16 e HPV-18. Além da proteção contra o câncer cervical, também previne verrugas genitais, que são causadas pelos subtipos HPV-6 e HPV-11.
- Vacina nonavalente (Gardasil 9®) – Protege contra nove subtipos do HPV: 6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58, ampliando a proteção contra o câncer de colo do útero e outros tumores relacionados ao HPV.
Embora as vacinas protejam contra os principais subtipos oncogênicos, não eliminam 100% do risco de câncer cervical, motivo pelo qual o exame de Papanicolau continua sendo essencial para todas as mulheres vacinadas.
A vacinação contra o HPV é mais eficaz quando administrada antes do início da vida sexual, pois a pessoa ainda não teve exposição ao vírus. No Brasil, a vacina é oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para:
- Meninas e meninos de 9 a 14 anos – principal grupo-alvo, pois a resposta imune é mais eficiente quando a vacina é administrada nessa idade.
- Mulheres imunossuprimidas de 9 a 45 anos e homens imunossuprimidos de 9 a 26 anos (portadores de HIV/AIDS, transplantados e pacientes em tratamento contra o câncer).
O esquema vacinal pode variar de acordo com a idade:
- Crianças e adolescentes de 9 a 14 anos: duas doses (intervalo de 6 meses entre elas).
- Pessoas acima de 15 anos: três doses (0, 2 e 6 meses após a primeira dose).
Para mulheres acima de 26 anos, a vacinação ainda pode oferecer benefícios, especialmente para aquelas que não foram expostas a todos os subtipos do HPV incluídos na vacina. Embora o efeito protetor possa ser menor, especialistas argumentam que a vacinação pode fornecer proteção parcial contra novos tipos de HPV aos quais a pessoa ainda não teve contato.
Para informações mais detalhadas sobre a vacina contra HPV, acesse o link: Vacina contra o HPV.
Referências
- Human papillomavirus infections: Epidemiology and disease associations – UpToDate.
- Human papillomavirus and cervical cancer – Organização Mundial de Saúde (OMS).
- Human Papillomavirus – Centers for Disease Control and Prevention (CDC).
- Pap and HPV Testing – National Cancer Institute.
- Human papillomavirus vaccination – UpToDate.
- Cervical intraepithelial neoplasia: Terminology, incidence, pathogenesis, and prevention – UpToDate.
- HPV – INCA
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.