O que é um placebo?
Placebo é o nome dado à qualquer forma de tratamento médico que parece ser real, mas que, na verdade, não possui nenhuma propriedade química desenvolvida especificamente para causar melhora clinica nos pacientes. De forma mais simples, podemos dizer que o placebo é um falso tratamento.
Qualquer coisa pode ser considerado um placebo, contanto que o paciente acredite que aquilo tem propriedades médicas. Um placebo pode ser um comprimido de farinha, uma injeção que só contém água, uma pomada que não contém nenhum medicamento, uma pulseira feita de algum material inerte, luzes, cristais ou mesmo algum aparelho supostamente médico, mas que não faz absolutamente nada, além de acender algumas luzes e emitir barulhos.
O que torna os placebos fascinantes é o fato de, a despeito de não terem nenhuma substância química ativa, eles realmente funcionarem para muitas pessoas. Placebos podem aliviar dor, melhorar o humor, tratar ansiedade, aumentar a capacidade de concentração, melhorar a coordenação motora, melhorar a memória e até aliviar sintomas como tremores.
Ainda mais interessante é que o mesmo comprimido de farinha e açúcar que pode ter todos os efeitos benéficos acima, também pode causar efeitos colaterais insuportáveis. Basta que o médico previamente forneça uma assustadora lista de possíveis efeitos adversos, para que parte dos pacientes passem a apresentá-los logo após começarem a tomar o comprimido de placebo. Neste caso, o efeito recebe o nome de nocebo.
O efeito placebo é, portanto, um efeito totalmente dependente de sugestão. Quanto maior for a expectativa do paciente, seja para o bem ou mal, maior será a chance do efeito placebo (ou nocebo) funcionar.
E o efeito placebo também pode ocorrer com medicamentos reais. Uma pessoa que acredita que o medicamento real prescrito vai funcionar tem maiores chances de ver algum efeito benéfico do que as pessoas que não estão seguras em relação ao tratamento proposto. O mesmo vale para os efeitos colaterais. Pacientes ansiosos, que frequentemente se impressionam com a parte de efeitos adversos descritos nas bulas, têm mais chance de apresentar os efeitos citados do que aqueles que não se preocupam muito com os efeitos colaterais.
A aparência do placebo importa?
Era de se esperar que dois comprimidos distintos de placebo compostos pela mesma quantidade de farinha e açúcar tivessem sempre a mesma eficácia. Porém, isso não é o que vemos. A aparência do placebo faz toda a diferença na hora de gerar expectativas no paciente, o que se traduz em diferentes graus de eficácia. Exemplos:
- Um comprimido de placebo colorido e com um logotipo em relevo funciona melhor que um comprimido de placebo liso e todo branco.
- Um comprimido de placebo que vem embalado funciona melhor que um comprimido de placebo que não vem com embalagem.
- Um comprido de placebo que vem numa caixa com visual bonito e apresenta um nome típico de remédio funciona melhor que um comprimido que vem numa caixa toda em branco.
- Tomar dois comprimidos de placebo de uma só vez funciona melhor do que tomar um comprimido de placebo.
- Um comprimido de placebo grande funciona melhor que um comprimido pequeno de placebo.
- Dizer ao paciente que o comprimido de placebo custa 50 dólares faz com que ele funcione melhor que um comprimido que supostamente custa 5 dólares.
- Dizer que o comprimido de placebo é um novo e revolucionário tratamento faz com que ele funcione melhor que um comprido que supostamente já existe no mercado há vários anos.
E as curiosidades não acabam por aí. Um comprimido de placebo é menos eficaz que uma pílula de placebo, que por sua vez é inferior a uma injeção de placebo, que não é páreo para uma máquina de placebo. Quanto mais rebuscado for o placebo, mais poderoso ele é.
Também é interessante notar que a cor do placebo pode ter influência. Pílulas de placebo azuis funcionam melhor como calmantes, pílulas vermelhas tratam melhor a dor e pílulas amarelas são mais eficazes como antidepressivos.
Relação médico-paciente
O efeito placebo pode ocorrer também entre relações interpessoais. Pacientes cujo médico é mais atencioso e perde mais tempo durante a consulta costumam responder melhor ao tratamento proposto. Essa melhor eficácia poderia ser explicada apenas pelo fato de um médico mais cuidadoso ser um médico que obtém uma história clínica mais adequada, o que torna maior a chance dele acertar diagnósticos e tratamentos. Mas o efeito é mais amplo. A atenção do médico faz com que a eficácia dos placebos seja maior.
Em 2008, um grupo de pesquisadores do programa de estudos do placebo da Universidade de Harvard publicou um trabalho que ilustra bem esse aspecto. O estudo foi feito com pacientes que sofriam de síndrome do intestino irritável (SII), uma condição que provoca frequentes quadros de dor abdominal associado à diarreia ou constipação intestinal, sem que haja uma causa orgânica identificável para os sintomas (para saber mais sobre essa doença, leia: Síndrome do Intestino Irritável – Causas, Sintomas e Tratamento). O tratamento proposto neste estudo foi o da falsa acupuntura, que envolve o uso de agulhas retráteis, que simulam as agulhas tradicionais da acupuntura, mas, na verdade, nunca chegam a penetrar na pele do paciente. Obviamente, os pacientes acreditavam que estavam sendo submetidos a sessões reais de acupuntura.
O efeito placebo das falsas agulhas de acupuntura foi impressionante: 44% das pessoas tratadas com essa forma de placebo relataram alívio de seus sintomas de SII. Todavia, mais notável ainda foi o resultado da acupuntura falsa combinada com o atendimento atencioso e simpático por parte do acupunturista. Neste grupo, o efeito placebo ficou ainda maior, com 62% dos pacientes relatando alívio dos seus sintomas.
Eficácia dos placebos
A eficácia do placebo depende do tipo de doença a ser tratado e das expectativas do paciente. Quadros de dor, sintomas da menopausa, insônia ou doenças que tenham alguma relação com o lado emocional ou psicológico, como ansiedade, pânico e depressão, respondem melhor aos placebos. Nestes, o efeito placebo consegue ser eficaz em até 30 a 40% dos pacientes. Isso ocorre provavelmente porque a expectativa de melhora que o paciente cria consegue atuar em áreas do sistema nervoso central que também são estimuladas pelos medicamentos reais. O placebo pode aumentar a liberação de neurotransmissores associados à sensação de bem-estar, como a serotonina, noradrenalina e a dopamina.
Por outro lado, a eficácia do placebo em doenças mais graves, como quadros avançados de câncer, infarto do miocárdio ou de lesões da coluna medular é muitíssimo baixa.
Isso nos mostra que para condições mais simples ou que tenham grande dependência de fatores emocionais, qualquer coisa pode provocar melhoria nos sintomas do paciente. Se o paciente realmente acreditar que ao usar uma pulseira especial ele irá ter alívio das suas dores, existe uma grande chance dele realmente melhorar. É graças ao efeito placebo que muitos tratamentos sem nenhuma comprovação científica conseguem aparentar ter eficácia. Boa parte da chamada medicina alternativa sustenta-se puramente no efeito placebo.
O grande problema é que nem sempre a percepção de melhora do paciente realmente se traduz em uma melhora real. Essa situação foi bem descrita em um estudo publicado na revista New England Journal of Medicine, em 2011, com pacientes portadores de asma. Neste estudo, os pesquisadores compararam os resultados de 4 tipos de estratégias terapêuticas diferentes:
- Tratamento com inaladores contendo broncodiltadores (tratamento comprovadamente eficaz para asma).
- Tratamento com inaladores contendo placebo, ou seja, sem nenhuma substância quimicamente ativa.
- Acupuntura falsa.
- Apenas observação, sem administração de nenhum tipo de tratamento.
Obviamente, os pacientes submetidos ao placebo achavam estar sendo expostos a tratamentos reais.
Os resultados do estudo foram divididos em duas partes, uma subjetiva e outra objetiva. Na parte subjetiva, os pacientes responderam a um questionário por escrito dando uma nota de 0 a 10 ao grau de melhora da sensação de falta de ar. Na parte objetiva, os pacientes foram submetidos a testes de função respiratória, para que o grau de melhora na ventilação pulmonar fosse adequadamente avaliado.
As conclusões foram bem interessantes: na avaliação subjetiva, os dois tratamentos com placebo e o tratamento com medicação real tiveram desempenho praticamente igual, com cerca de 50% de melhora na sensação de falta de ar. Já a nota dos pacientes que não receberam tratamento algum melhorou em apenas 20%. Saber que não recebeu tratamento foi pior do que achar que estava sendo tratado, mesmo que o tratamento fosse de mentira.
Já nos testes de função pulmonar, a história foi completamente diferente. Os broncodilatadores mostraram uma melhora de quase 80% no fluxo de ar nos pulmões, enquanto a melhora do placebo e nos pacientes apenas observados ficou ao redor de 20%.
Esse estudo nos mostra que apesar do placebo aparentemente ter sido tão eficaz quanto os broncodilatadores, na verdade, isso foi apenas uma ilusão. A curto prazo e em alguns casos, o placebo pode até parecer conseguir competir com tratamentos reais, porém, a tendência é que o efeito placebo vá perdendo eficácia com o tempo.
Doenças graves
Via de regra, os placebos não agem nas doenças graves. Nenhum estudo com placebo conseguiu demonstrar que um paciente conseguiu reduzir o tamanho do seu tumor, nem há histórias de pacientes que curaram o diabetes, recuperaram a visão ou voltaram a andar apenas utilizando placebo.
Porém, o efeito placebo pode ser útil no tratamento sintomático. Pacientes com câncer podem relatar redução da dor, melhora do estado geral e até um aumento do apetite devido ao efeito placebo. Há também os casos em que o paciente refere menos efeitos colaterais da quimioterapia quando um placebo supostamente voltado para tratar esses efeitos é administrado.
Placebo pode causar dependência?
Por mais estranho que isso possa parecer, a resposta é sim.
Um estudo publicado na revista JAMA em 2005 tinha como objetivo avaliar os sintomas de abstinência que as mulheres após a menopausa poderiam sentir após interrupção da reposição hormonal. As pacientes do estudo foram divididas em 2 grupos: o grupo controle tomava uma pílula placebo e o grupo experimental tomava uma pílula contendo estrogênio e progesterona. As pacientes em ambos os grupos tomaram a pílula por cerca de 6 anos antes da interrupção.
Ao final do estudo, cerca de 63% das mulheres que tomavam hormônios desenvolveram ao menos um sintoma inconveniente após a interrupção do medicamento, o que não era de todo inesperado. O que chamou a atenção, porém, foram os sintomas que as mulheres no grupo placebo passaram a ter. Cerca de 40% das mulheres no grupo controle referiam pelo menos um sintoma após a interrupção do placebo: 14% começaram a se queixar de dores articulares, 12% passaram a referir dores generalizadas pelo corpo, 11% desenvolveram cansaço crônico, 8% insônia, 7% depressão, 6% ataques de pânico, 5% disseram que passaram a ter ondas de calor e intensa transpiração à noite, 4,5% referiram ganho de peso e 3% tiveram relevantes alterações do humor ou relataram dificuldade de se concentrar.
Isso mostra claramente que algumas mulheres no grupo controle passaram a apresentar sintomas de abstinência do placebo. Obviamente, a dependência não era propriamente da pílula de placebo, mas sim do fato delas acharem que um tratamento efetivo havia sido interrompido.
Efeito placebo nos medicamentos reais
Como referido na introdução deste artigo, o efeito placebo não ocorre somente com tratamentos falsos. Medicamentos reais podem sofrer efeito placebo.
Por exemplo, um estudo realizado em 2014, também na Universidade de Harvard, sobre enxaqueca demonstrou que quando os pacientes tomavam 10 mg de rizatriptano, um medicamento real, a sua eficácia mudava conforme as expectativas do paciente. Se o médico dissesse que o comprimido de rizatriptano era um placebo composto apenas de farinha e açúcar, a eficácia do medicamento real tornava-se igual ao do placebo que era rotulado como rizatriptano. No entanto, quando o ritzatriptano era rotulado corretamente como rizatriptano, o seu efeito analgésico aumentava em 50% e superava claramente o efeito do comprimido de placebo.
Estudos clínicos
Para evitar que medicamentos sem eficácia real sejam aprovados para uso clínico, todos os estudos científicos atuais costumam utilizar um grupo controle com placebo. Se ao final, a droga estudado tiver uma eficácia de 45% e o placebo uma eficácia de 40%, isso significa que o medicamento foi apenas 5% superior ao placebo. Se o grupo de pacientes estudado tiver sido pequeno, essa diferença torna-se irrelevante estatisticamente. Por outro lado, uma droga que demonstra eficácia de 80% frente a um grupo controle com apenas 15% sucesso, é um medicamento que pode ser considerado realmente eficaz.
O grupo controle com placebo não serve só para validar a eficácia de uma droga estudada, mas também para avaliar os seus reais efeitos colaterais. Se 15% dos pacientes apresentam um determinado efeito adverso tanto no grupo controle quanto no grupo com o medicamento real, podemos dizer com alguma segurança que o efeito colateral não é responsabilidade da droga estudada. Por outro lado, se um tipo de efeito colateral surge com grande frequência no grupo do medicamento, mas não no grupo controle, torna-se mais ou menos claro que o efeito é mesmo do fármaco em estudo.
É curioso notar que em alguns trabalhos, de 5 a 20% dos pacientes no grupo placebo acabam abandonando o estudo por se queixarem de efeitos colaterais intoleráveis causados pela medicação, que, na verdade, não passa de uma pílula de farinha sem nenhuma propriedade farmacológica.
Prescrição de placebos na prática médica
É considerado antiético prescrever placebos para os pacientes na prática médica do dia-a-dia. Porém, muitos médicos o fazem, principalmente para os pacientes que têm múltiplas queixas inespecíficas e que ficam pedindo remédios o tempo todo. Nos consultórios particulares, se o paciente pede constantemente para ser medicado e o médico avalia não haver necessidade, o paciente pode simplesmente trocar de médico. Portanto, sabendo desse risco, para não perder o cliente, muitos médicos acabam prescrevendo qualquer medicamento para satisfazer o paciente.
Vitaminas são frequentemente utilizadas para esse fim, pois a população, em geral, tem uma ideia bastante equivocada sobre os reais efeitos e benefícios das vitaminas (leia: Mitos e verdades sobre as vitaminas). Quando o médico diz que vai prescrever um suplemento com vitaminas, a maior parte das pessoas já cria a expectativa de se sentir melhor, com mais ânimo, mais energia e mais capacidade de combater infecções. E muitos acabam mesmo se sentindo assim, apesar das vitaminas não servirem para tal propósito.
Referências
- The power of the placebo effect – Harvard University.
- Placebo Effect – American Cancer Society.
- Nocebos in rheumatology: emerging concepts and their implications for clinical practice – Nature Reviews Rheumatology.
- Placebo and the new physiology of the doctor-patient relationship – Physiological reviews.
- A Review of the Theoretical and Biological Understanding of the Nocebo and Placebo Phenomena – Clinical therapeutics.
- The placebo effect – American Academy of Neurology
- Overview of the management of osteoarthritis – UpToDate.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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