O que é infecção aguda pelo HIV?
Desde meados da década de 1980 já sabemos que os pacientes recém-contaminados com o vírus HIV podem desenvolver um quadro semelhante a uma gripe ou mononucleose após o primeiro contato com o vírus.
A infecção aguda pelo HIV é um quadro totalmente diferente da AIDS. Essa infecção aguda ocorre geralmente entre duas a quatro semanas após a contaminação, sendo causada pela rápida multiplicação do vírus no nosso organismo.
Enquanto a AIDS é um quadro de imunodeficiência, resultado de anos de destruição do sistema imunológico pelo vírus HIV, a síndrome retroviral aguda é provocada pela rápida multiplicação do HIV nos primeiros dias de contaminação.
Acredita-se que a maioria dos indivíduos contaminados pelo HIV apresentarão algum tipo de infecção aguda nas primeiras semanas, porém, pelo fato de muitos terem quadros respiratórios aparentemente comuns, semelhantes a uma gripe, essa síndrome retroviral aguda pode passar mais ou menos despercebida.
Em geral, quando diretamente questionado, o paciente recém-diagnosticado com HIV consegue se lembrar de uma síndrome infecciosa que tenha ocorrido 2 ou 3 semanas após um comportamento de risco. Muitos, inclusive, referem ter procurado atendimento médico para ajudar no controle dos sintomas.
Quando o paciente não tem consciência de ter tido um comportamento de risco, ele geralmente encara os sintomas da fase aguda apenas como uma gripe mais forte.
Como surge a síndrome retroviral aguda?
O vírus HIV é o agente causador da grave doença chamada síndrome da imunodeficiência adquirida, mais conhecida pelas siglas AIDS ou SIDA.
A AIDS é uma doença que surge devido à destruição de parte relevante do nosso sistema imunológico pelo vírus, principalmente as células de defesa chamadas linfócitos T-CD4+. Como esse processo se dá de forma lenta e gradual, habitualmente, os sintomas da AIDS só surge após alguns anos de contaminação pelo HIV.
O vírus HIV não tem capacidade de se multiplicar sozinho. Para sobreviver em um organismo, o HIV invade os linfócitos T-CD4+, altera o funcionamento normal dos mesmos e, após injetar o seu material genético, faz com que essas células se transformem em “zumbis” produtores de vírus HIV.
Com o passar do tempo, esses “linfócitos zumbis” morrem, fazendo com a sua contagem de células CD4+ total caia. O paciente contaminado pelo HIV torna-se susceptível a uma variedade de infecções porque a maioria das suas células CD4+ ou foram destruídas, ou estão inutilizadas, servindo apenas como “fábrica” de vírus.
Quando o HIV entra em contato com o nosso organismo pela primeira vez, ele encontra um meio rico em linfócitos T-CD4+ e pobre em anticorpos específicos contra ele mesmo. Como resultado, nas primeiras semanas de contaminação, o HIV multiplica-se de forma acelerada, causando grande destruição dos linfócitos T-CD4+. No período de fase aguda, o paciente tem elevada carga de vírus na corrente sanguínea e uma baixa contagem de linfócitos T-CD4+.
Com o passar dos dias, porém, o sistema imune consegue contra-atacar através de anticorpos específicos contra o HIV e outras células imunológicas, tais como os linfócitos T-CD8+ citotóxicos. Como resultado, a carga viral despenca e o número de linfócitos T-CD4+ volta a subir. Neste momento o paciente deixa de sentir os sintomas da infecção aguda pelo HIV.
Em geral, o quadro de infecção aguda do HIV demora de 7 a 14 dias para desaparecer. Os pacientes que apresentam maior dificuldade em controlar essa multiplicação viral inicial, apresentando sintomas por mais de 14 dias, são aqueles que irão desenvolver AIDS mais precocemente, geralmente dentro dos 3 primeiros anos após a contaminação.
Transmissão do HIV durante a fase aguda
O risco de uma pessoa infectada transmitir o vírus HIV para um parceiro ou parceira é diretamente proporcional à carga viral no sangue. Nos homens, por exemplo, a quantidade de vírus no sêmen aumenta conforme a quantidade de vírus no sangue se eleva.
Como a fase de infecção aguda pelo HIV é um período de elevada carga viral, o paciente contaminado encontra-se altamente contagioso neste momento. Em geral, o pico de infectividade ocorre entre o 5º e o 6º dia de sintomas da síndrome retroviral aguda.
Nos pacientes que não apresentam sintomas da infecção aguda, o pico de infectividade costuma ser ao redor do 20º dia após a sua contaminação.
Para saber mais sobre as formas de transmissão do HIV, leia: COMO SE PEGA O VÍRUS HIV.
Sintomas
Estudos mostram que cerca de 90% dos pacientes recém-contaminados com o HIV irão apresentar algum tipo de sintomas de infecção viral. Como os sintomas são muito inespecíficos, em alguns casos, é difícil saber se o que o paciente teve foi realmente uma infecção aguda pelo HIV ou apenas uma virose comum qualquer.
Os sinais e sintomas mais comuns da síndrome retroviral aguda em homens e mulheres, com suas respectivas frequências, são:
- Febre: 74% dos homens e 83% das mulheres.
- Cansaço: 67% dos homens e 78% das mulheres.
- Dor muscular: 50% dos homens e 26% das mulheres.
- Rash de pele: 48% dos homens e das mulheres.
- Dor de cabeça: 45% dos homens e 44% das mulheres.
- Faringite: 40% dos homens e 48% das mulheres.
- Linfonodos aumentados: 39% dos homens e das mulheres.
- Dor articular: 30% dos homens e 26% das mulheres.
- Suor noturno: 28% dos homens e 22% das mulheres.
- Diarreia: 27% dos homens e 21% das mulheres.
Em geral, os sintomas surgem entre 2ª e a 4ª semanas após a contaminação, mas podem demorar até alguns meses para aparecer.
Os sinais e sintomas mais comuns da síndrome retroviral aguda são febre (entre 38ºC e 40ºC), cansaço, dor muscular, manchas avermelhadas na pele (rash), aumento dos linfonodos, dor de garganta e diarreia.
A tabela ao lado mostra os resultados de um trabalho científico de 2008, que acompanhou cerca de 380 pacientes com infecção aguda pelo HIV.
O rash da fase aguda do HIV costuma acometer principalmente a parte superior do tronco e a face. Os membros, incluindo palmas das mãos e plantas dos pés, também podem ser acometidos. As lesões costumam ser múltiplas, avermelhadas, pequenas (cerca de 1 cm de diâmetro) e ovais. Algumas delas podem ter algum relevo. Coceira é incomum. O rash surge, em geral, no 2º ou 3º dia de sintomas e dura uns 5 dias.
A faringite pode ser exatamente igual a uma faringite viral, com intensa dor e vermelhidão. Habitualmente, não há pus nas amígdalas, mas isso não é uma regra.
Os linfonodos palpáveis costumam ser indolores e surgem com mais frequência no pescoço. Outros locais, porém, também são possíveis, como nuca, axilas e na região inguinal (virilhas). Em geral, o linfonodos aparecem mais tardiamente, somente nos últimos dias de sintomas.
Outros sinais e sintomas que podem também estar presentes são anemia, perda de peso (até 5 kg), perda do apetite, enjoos e vômitos.
Dois sinais não muito comuns, mas que, se também aparecerem, falam muito a favor de síndrome retroviral aguda, são as úlceras orais dolorosas (também podem ocorrer na genitália ou ânus) e a candidíase oral.
Na maioria dos casos, os sintomas duram de 7 a 10 dias e desaparecem espontaneamente. Após a fase aguda, o paciente entra na fase latente da doença, um período sem sintomas que pode durar vários anos.
Pacientes que apresentam sintomas de fase aguda por mais de 14 dias, ou apresentam um quadro muito agressivo, com vários dos sintomas descritos acima, costumam ter pior prognostico, com maior risco de terem uma fase latente curta e evoluírem precocemente para AIDS.
Para saber quais são os sintomas da AIDS, leia: PRINCIPAIS SINTOMAS DO HIV E DA AIDS.
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Diagnóstico
Os mais modernos testes para o HIV, como o ELISA de 4º geração, já são capazes de detectar o vírus na sua fase aguda. A contagem viral também pode ser realizada, e costuma apresentar valores elevados (maior que 100.000 copias/mL). A contagem de linfócitos T-CD4+ habitualmente apresenta valores baixos durante a fase aguda. No hemograma comum, pode haver anemia e os valores de linfócitos e leucócitos costumam estar baixos.
Para mais informações sobre o diagnóstico do HIV: Como Saber se Tenho HIV.
Tratamento
Até pouco tempo atrás, o tratamento com o coquetel anti-retroviral só era oferecido aos pacientes que apresentavam critérios clínicos e laboratoriais de imunodeficiência pelo HIV. A abordagem mais recente, porém, indica o tratamento para TODOS os pacientes portadores de HIV que queiram se tratar, independentemente da fase de doença e do seu estado imunológico.
Os pacientes com infecção aguda do HIV que iniciam tratamento com coquetel anti-retroviral apresentam menor risco de contaminação de parceiros e maior período livre de sintomas, diminuindo a chance de evoluírem para AIDS.
Referências
- Signs or Symptoms of Acute HIV Infection in a Cohort Undergoing Community-Based Screening – Centers for Disease Control and Prevention (CDC)
- Evaluation and management of acute HIV – Infectious Disease Advisor.
- Diagnosis and Initial Management of Acute HIV Infection – American Family Physician.
- Acute and early HIV infection: Clinical manifestations and diagnosis – UpToDate.
- Acute and early HIV infection: Treatment – UpToDate.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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