Introdução
Hipotireoidismo é o nome da doença provocada pelo funcionamento deficiente da glândula tireoide, responsável pela produção de hormônios que controlam o nosso metabolismo.
O hipotireoidismo subclínico, foco deste artigo, é uma forma branda de hipotireoidismo, geralmente sem sintomas, mas já detectável através de exames laboratoriais.
Funcionamento da tireoide normal
A tireoide é um órgão localizado na base do pescoço, cuja função é produzir os hormônios responsáveis por controlar a velocidade do nosso metabolismo. Os hormônios da tireoide são chamados triiodotironina (T3) e tiroxina (T4). Um aumento da concentração sanguínea desses hormônios acelera nosso metabolismo; já uma redução causa efeito contrário, letificando-o.
Hipotireoidismo é a doença provocada pela falta de T3 e T4, enquanto o hipertireoidismo é a doença provocada pelo seu excesso.
O funcionamento da tireoide e, consequentemente, a produção de T3 e T4 são controlados por outro hormônio, chamado TSH, produzido na glândula hipófise do cérebro.
Portanto, de forma bem simplificada, quando o organismo precisa acelerar seu metabolismo, o cérebro aumenta a liberação de TSH, que por sua vez estimula a tireoide a produzir T3 e T4.
Por outro lado, se o corpo precisa desacelerar o metabolismo, a liberação de TSH cai e a tireoide passa a produzir menos T3 e T4.
A liberação de TSH é feita de forma bem controlada, de forma a manter a tireoide produzindo somente a quantidade de T3 e T4 necessárias, sem provocar excesso ou carência destes hormônios.
A compreensão deste mecanismo é essencial para se entender o que é o hipotireoidismo subclínico. Se você achou essa explicação muito confusa e precisa de mais informações, sugiro a leitura do texto: TSH e T4 Livre | Exames da tireoide.
O que é hipotireoidismo subclínico?
No hipotireoidismo clássico, o paciente costuma ter níveis baixos de T3 e T4 e níveis elevados de TSH. Isso ocorre porque os pacientes possuem uma glândula tireoide doente, incapaz de produzir mais hormônios, mesmo que estimulada por níveis elevados de TSH. Por mais que a hipófise aumente a liberação de TSH, a tireoide mostra-se incapaz de responder a este hormônio.
Em boa parte dos pacientes a doença é progressiva, sendo, com o passar do tempo, necessários níveis crescentes de TSH para que a tireoide se mantenha funcionando adequadamente.
A doença progride até o ponto no qual a glândula está tão doente que já não é mais capaz de produzir quantidades mínimas de hormônios, mesmo quando estimulada por níveis bem elevados de TSH. Quando isto ocorre, o paciente já não apresenta mais hipotireoidismo subclínico, mas sim hipotireoidismo franco.
O hipotireoidismo subclínico é uma espécie de “pré-hipotireoidismo”, uma fase anterior ao surgimento do hipotireoidismo clínico.
Na fase de hipotireoidismo subclínico, a tireoide está doente, mas ainda consegue produzir hormônios tireoidianos se estimulada por níveis elevados de TSH. Então, temos uma situação na qual o paciente apresenta níveis de TSH acima do normal, mas seus níveis de T4 e T3 ainda estão normais (na prática clínica, só precisamos dosar os níveis sanguíneos de T4 livre, como explicarei mais adiante).
Cerca de 5 a 10% da população é portadora de hipotireoidismo subclínico, boa parte dela desconhece tal situação.
O hipotireoidismo subclínico é mais comum em mulheres do que em homens. A incidência também é maior em brancos e em idosos. As causas são basicamente as mesmas do hipotireoidismo franco, sendo a tireoidite de Hashimoto a principal.
Diagnóstico
O hipotireoidismo subclínico é um diagnóstico laboratorial, pois, dado que o paciente ainda consegue manter níveis normais de hormônios da tireoide (T3 e T4), ele não apresenta nenhum (ou quase nenhum) sintoma.
Como já dito acima, o paciente com hipotireoidismo subclínico possui níveis normais de T4 livre e níveis elevados de TSH, em geral, entre 5 e 10 mU/L (alguns locais usam 4,5 e 15 mU/L como limites).
Habitualmente, quando o TSH já está muito acima de 10 mU/L, o paciente já não tem mais hipotireoidismo subclínico, pois o T4 livre costuma estar baixo e o paciente já apresenta sintomas de hipotireoidismo. Portanto, o hipotireoidismo subclínico geralmente apresenta TSH elevado, mas nunca muito superior a 10 ou 15 mU/L.
Sintomas
É importante salientar que para ser considerado hipotireoidismo subclínico, o paciente não pode ter sintomas evidentes de hipotireoidismo.
No hipotireoidismo subclínico, os níveis de T4 livre são normais e o paciente apresenta, quando muito, apenas sintomas brandos e inespecíficos, como um leve cansaço, uma discreta falta de vontade para realizar tarefas ou uma pequena intolerância ao frio.
Todos esses sintomas são comuns e podem ocorrer a qualquer um em determinados momentos da vida, principalmente em períodos de estresse, excesso de trabalho, início de viroses, etc.
Portanto, no hipotireoidismo subclínico não há sintomas clínicos relevantes que ajudem no diagnóstico. O diagnóstico só pode ser feito com exames laboratoriais.
Progressão do hipotireoidismo subclínico para hipotireoidismo franco
Uma grande parte dos pacientes com hipotireoidismo subclínico, eventualmente, irão desenvolver hipotireoidismo franco. Estudos mostram que após 10 a 20 anos até 55% dos pacientes com hipotireoidismo subclínico já terão evoluído para a forma completa da doença.
O risco de progressão está relacionado com a concentração inicial de TSH (pacientes com valores mais elevados de TSH, entre 12 e 15 mU/L possuem maior risco) e a presença de anticorpos contra a tireoide, como o anti-TPO (leia também: Anticorpos e Tireoide [Anti-TPO, TRAb e Anti-TGB]).
A doença de base também tem elevada influência no risco de evolução para hipotiroidismo clínico. Os pacientes com doença autoimune da tiroide, como tireoidite de Hashimoto, ou que tenham recebido radioiodoterapia ou radioterapia em altas doses tendem a evoluir para hipotireoidismo.
A recuperação espontânea também tem sido descrita em pacientes com hipotireoidismo subclínico, embora a frequência real desse fenômeno ainda não esteja totalmente esclarecida.
Há pacientes com critérios para hipotireoidismo subclínico que, após alguns anos, apresentam normalização dos exames laboratoriais sem que nenhum tratamento tenha sido estabelecido. Em geral, são pacientes com TSH persistentemente menor que 10 mU/L e com pesquisa negativa para anticorpos contra a tireoide.
Como boa parte dos pacientes com hipotireoidismo subclínico é assintomática, muitos deles podem desenvolver o problema, não tomar conhecimento, e após alguns anos curar-se espontaneamente, ainda sem tomar ciência da situação. Estes casos, obviamente, não viram estatísticas, o que dificulta a determinação da real incidência da cura espontânea do hipotireoidismo subclínico.
Consequências
Apesar de não provocar sintomas e de, em alguns casos, desaparecer espontaneamente, o hipotireoidismo subclínico não parece ser um problema totalmente inócuo.
Há vários estudos que sugerem uma relação entre hipotireoidismo subclínico e um maior risco de doenças cardiovasculares, como angina e infartos, principalmente nos pacientes com TSH maior que 10 mU/L.
Pacientes com hipotireoidismo subclínico também costumam apresentar níveis de colesterol mais elevados que a população geral.
Além dos problemas cardiovasculares, os pacientes com hipotireoidismo subclínico, principalmente aqueles com TSH mais elevado, apresentam também maior risco de esteatose hepática.
Tratamento
A maior dúvida que nos deparamos ao diagnosticar um hipotireoidismo subclínico é quanto à necessidade ou não de iniciar tratamento com levotiroxina, a forma sintética do hormônio T4 (leia: Levotiroxina (Puran T4) – Indicações e efeitos colaterais).
Atualmente, nenhum trabalho mostrou benefícios relevantes do uso de levotiroxina nos pacientes assintomáticos com TSH entre 4,5 e 10 mU/L. O tratamento do hipotireoidismo subclínico nestes casos é controverso.
Os que defendem o uso da levotiroxina argumentam que não há dados que demonstrem haver danos com a reposição do hormônio, além da possibilidade de melhora de sintomas não previamente reconhecidos, como cansaço e alterações discretas do humor.
O consenso atual, porém, recomenda apenas a monitorização dos níveis de TSH a cada 6 a 12 meses neste grupo de pacientes, a não ser que o paciente tenha sintomas que possam ser facilmente atribuídos ao hipotireoidismo.
Em algumas situações, a decisão de não tratar não é tão simples. Isso inclui os pacientes com colesterol elevado, alto risco de doenças cardiovasculares ou com anticorpos positivos contra a tireoide.
Estudos recentes sugerem que o tratamento do hipotireoidismo subclínico nos adultos com menos de 65 anos pode reduzir a mortalidade por eventos cardiovasculares. Esse efeito não foi observado em pacientes idosos. Por isso, um grupo grande de médicos atualmente considera que a levotiroxina já pode ser usada em adultos jovens com TSH acima de 7,0 mU/L.
Mulheres que querem engravidar e não conseguem também podem apresentar melhora da fertilidade se tratadas com levotiroxina.
Nos pacientes com hipotireoidismo subclínico e TSH acima de 10 mU/L a controvérsia é bem menor. A maioria das sociedades internacionais de endocrinologia recomendam o uso de levotiroxina para todos os pacientes nessa situação, pois o tratamento ajuda a prevenir a progressão para hipotireoidismo franco.
Em resumo, as situações em que o tratamento do hipotireoidismo subclínico é aceitável são:
- TSH acima de 10 mU/L*.
- Mulheres com dificuldades para engravidar.
- Altos títulos de anticorpos anti-TPO.
- Sintomas convincentes de hipotireoidismo (fadiga nova ou agravada, constipação, intolerância ao frio) ou aumento do bócio.
* Devido ao risco cardiovascular, cada vez mais endocrinologistas iniciam o tratamento do hipotireoidismo subclínico em pacientes com menos de 65 anos e com TSH maior que 7,0 mU/L.
A dose da levotiroxina deve ser sempre a menor possível capaz de manter o TSH entre os valores de 0,5 e 2,5 mU/L nos pacientes jovens e 3 a 5 mU/L nos pacientes idosos.
Hipotireoidismo subclínico na gravidez
Durante a gravidez, a fisiologia dos hormônios da tireoide altera-se completamente, fazendo com que os valores normais de TSH difiram neste grupo.
Durante o primeiro trimestre de gravidez, hipotiroidismo subclínico é definido como valores de T4 livre normais associados a um TSH acima de 2,5 mU/L. No segundo e no terceiro trimestre consideramos hipotiroidismo subclínico valores de TSH acima de 3 mU/L.
Como os hormônios tireoidianos são essenciais para o desenvolvimento neurológico do feto, o consenso atual é tratar todas as gestantes que tenham critérios para hipotireoidismo subclínico.
Referências
- Subclinical Hypothyroidism – JAMA.
- Guidelines for the Treatment of Hypothyroidism – American Thyroid Association.
- Subclinical Hypothyroidism: Deciding When to Treat – American Family Physician.
- Subclinical hypothyroidism in nonpregnant adults – UpToDate.
- Subclinical Hypothyroidism: An Update for Primary Care Physicians –
Mayo Clinic proceedings.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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