Por que a dengue é perigosa?
A dengue é uma doença que não possui uma taxa de mortalidade muito elevada, com aproximadamente 40 óbitos para cada 100.000 casos registrados (0,04%). Os óbitos pela doença ocorrem quase que exclusivamente nos casos mais graves, também chamados de dengue hemorrágica, forma que cursa com complicações, tais como choque circulatório, hemorragia digestiva e comprometimento de órgãos vitais, como fígado, coração e sistema nervoso central.
Ao contrário do que ocorre na dengue simples, que tem baixa taxa de mortalidade, na forma hemorrágica, o número de óbitos é superior a 10% dos casos.
A identificação precoce de casos potencialmente graves é essencial para o tratamento ser iniciado o mais rapidamente possível, o que é capaz de reduzir a taxa de mortalidade da dengue grave para menos de 1%.
Neste artigo, focaremos apenas nos sintomas da dengue e nos seus achados laboratoriais, dando ênfase às diferenças entre os casos simples e os casos graves de dengue (dengue clássico versus dengue hemorrágica).
Se você quiser saber mais detalhes sobre esse assunto, incluindo diagnóstico, tratamento, transmissão, vacinas e questões sobre mosquito Aedes aegypti, acesse os seguintes artigos:
- Vacina da dengue: tipos, quem pode tomar e efeitos adversos.
- Dengue – Sintomas, complicações e tratamento.
- Reconheça o mosquito da dengue.
Nota: em português, “dengue” é um substantivo feminino. Portanto, deve ser precedido pelo artigo feminino “a” e os adjetivos devem concordar em gênero. Exemplos: a dengue, a dengue clássica e a dengue hemorrágica.
Sinais e sintomas da dengue clássica
- Febra alta.
- Dor de cabeça.
- Dor retro-orbital (dor atrás dos olhos).
- Dor muscular.
- Dor nas articulações e ossos.
- Perda do apetite.
- Fraqueza e cansaço.
- Náuseas e vômitos.
- Rash de pele (manchas vermelhas).
Sinais e sintomas da dengue hemorrágica
- Dor abdominal forte e persistente.
- Vômitos persistentes.
- Pele úmida, pálida, fria — sinais clínicos de má perfusão dos tecidos.
- Sangramento pelo nariz, boca ou gengivas.
- Pontos vermelhos na pele.
- Sonolência.
- Agitação psicomotora e confusão mental.
- Sede excessiva — sinais de desidratação.
- Frequência cardíaca elevada.
- Hipotensão arterial.
- Dificuldade respiratória.
- Coma.
Quadro clínico
O quadro clínico da dengue pode variar desde casos praticamente assintomáticos até situações catastróficas, com hemorragias e falência de múltiplos órgãos. A dengue hemorrágica pode ocorrer com qualquer um dos 4 sorotipos existentes do vírus: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4.
Na verdade, a forma hemorrágica habitualmente surge quando um paciente previamente infectado por algum sorotipo contrai novamente a doença, desta vez com um novo sorotipo. Acredita-se que a formas graves da dengue ocorram por uma resposta exacerbada do nosso sistema imunológico a esta segunda infecção (explicaremos mais adiante).
Portanto, pacientes que já tiveram dengue em algum momento de suas vidas e apresentam a sua segunda infecção são aqueles que devem ser observados com maior cuidado.
Dengue sem sintomas
Cerca de 15% das pessoas infectadas pelo vírus da dengue não desenvolvem sintomas, ou o fazem de forma tão branda que nem sequer suspeitam ter a doença. A forma assintomática da dengue é mais comum em adolescentes e crianças em idade escolar. Um estudo realizado em mais de 2000 escolas na Tailândia em 2002 demonstrou que cerca de 53% das crianças que se contaminam com o vírus da dengue não desenvolvem doença febril de forma relevante.
Ainda não está claro se esse grupo que desenvolve a primeira infecção de forma assintomática apresenta menos riscos de evoluir para formas graves, caso venha a se contaminar futuramente com um novo sorotipo do vírus. O fato é que o quadro de dengue hemorrágica também é mais comum nos pacientes mais jovens, o que nos mostra que este grupo é o mais propenso a desenvolver tanto as formas mais brandas quanto as mais graves da doença.
Nos pacientes que desenvolvem sintomas clínicos, a infecção costuma ter duas formas de apresentação: dengue clássica e dengue grave (também chamada de dengue hemorrágica).
Dengue clássica
A chamada dengue clássica ou sem gravidade é a forma de apresentação mais comum desta virose.
O período de incubação da dengue, ou seja, o tempo de intervalo entre a picada do mosquito Aedes aegypti infectado pelo vírus e o aparecimento dos primeiros sintomas, pode variar de 3 a 15 dias. Na maioria dos casos, porém, os primeiros sinais surgem entre 4 a 7 dias após a picada.
Sintomas iniciais da dengue
A primeira manifestação da dengue costuma ser febre alta, ao redor de 39ºC-40ºC, que surge de forma súbita. Dor de cabeça, dor retro-orbital (dor atrás dos olhos), dor muscular, dor nas articulações, perda do apetite, fraqueza, cansaço, manchas vermelhas na pele, náuseas e vômitos são sintomas que costumam vir logo a seguir. A dor pelo corpo costuma ser tão forte que a dengue também é conhecida como a “febre quebra-ossos”.
O paciente com dengue não terá necessariamente todos os sintomas listados acima, mas boa parte deles costuma estar presente. A febre alta associada a mal-estar, dor de cabeça e dores pelo corpo é a forma de apresentação mais comum, ocorrendo em cerca de 80% dos casos.
A dengue também pode provocar sintomas comuns a outras viroses respiratórias, incluindo dor de garganta, tosse ou nariz entupido. Um terço dos pacientes pode ter um quadro clínico muito parecido com uma gripe mais forte, o que pode dificultar o diagnóstico. Diarreia não é muito comum, mas pode também ocorrer. Fezes pastosas, por outro lado, são frequentes e surgem em quase metade dos pacientes.
Sintomas finais da dengue
A febre alta dura de 3 a 7 dias, e no momento em que ela começa a baixar, os outros sintomas também costumam desaparecer. Um quadro de cansaço pode ainda persistir por algumas semanas após a resolução dos sintomas. Alguns pacientes apresentam um padrão bimodal da febre, ou seja, depois que a febre desaparece, ela volta subitamente por mais 2 dias, para só então desaparecer de vez.
Rash da dengue
O rash ou erupção cutânea é um sinal que ocorre em mais da metade dos pacientes, geralmente após o 3º dia de febre. As manchas na pele são tipicamente avermelhadas, planas e distribuídas por tronco e membros. As manchas podem se coalescer, formando imagens parecidas com mapas geográficos, como pode ser visto na foto abaixo.
Uma das características dessa erupção é que ela evanesce momentaneamente quando pressionamos a pele com os dedos. As manchas da dengue não costumam causar coceira, mas alguns pacientes podem referir esse sintoma.
O rash dura por volta de três dias e desaparece sem descamar ou deixar manchas na pele.
Manifestações hemorrágicas da dengue clássica
Alguns autores preferem a distinção entre dengue grave ou não grave, em vez de dengue clássica ou hemorrágica. Essa preferência faz sentido porque nem toda dengue que apresenta eventos hemorrágicos é necessariamente dengue hemorrágica. Sangramentos nasais, da gengiva, na pele e até nas fezes podem ocorrer na dengue clássica.
Conforme veremos a seguir, o que caracteriza a dengue hemorrágica (forma grave) não é necessariamente a presença de hemorragia. Nem todos os pacientes com sangramento têm a forma mais grave da infecção.
Quadro clínico da dengue hemorrágica
A dengue grave (forma hemorrágica) é uma evolução desfavorável de um quadro de dengue clássica.
Inicialmente, o quadro clínico é exatamente igual, não sendo possível distinguir quem evoluirá de forma favorável ou desfavorável.
As complicações da dengue hemorrágica costumam surgir entre o 3º e 7º dia de doença, geralmente no mesmo momento em que a febre costuma melhorar. Na forma clássica, o desaparecimento da febre indica que a doença está acabando. Já na forma hemorrágica, o final da febre costuma marcar o início das complicações.
É por esse motivo que a evolução da dengue pode ser dividida em fase febril (comum às formas graves e não graves), fase crítica (momento em que as complicações da dengue surgem) e fase de recuperação, que é quando a doença cura-se.
Como já referido, apesar do nome dengue hemorrágica, o que define a existência de gravidade não é a presença de eventos hemorrágicos, mas sim a ocorrência do que chamamos de síndrome do extravasamento plasmático.
Síndrome do extravasamento plasmático
Acredita-se que a dengue hemorrágica ocorra não por atuação direta do vírus da dengue, mas sim por uma resposta exacerbada do nosso sistema imunológico, que acaba por criar uma resposta inflamatória por todo o organismo de forma mais intensa do que a necessária para combater o vírus invasor.
Uma das consequências mais graves é a disfunção endotelial, que é uma alteração das células que revestem os vasos sanguíneos, fazendo com que os mesmos fiquem mais permeáveis à água. O aumento de permeabilidade, que ocorre principalmente nos capilares (vasos de pequeníssimo calibre), faz com que haja extravasamento de plasma do sangue para os tecidos ao seu redor (o plasma é a parte do sangue que não contém células, ele é basicamente água, proteínas e sais minerais).
Quando o extravasamento plasmático é relevante, uma grande quantidade de água sai dos vasos sanguíneos e se deposita nos órgãos e tecidos.
Esse fato gera duas consequências graves: a primeira é uma grande redução do volume efetivo de sangue circulante, que pode levar o paciente ao que chamamos de choque circulatório. A segunda consequência é a mobilização de grandes volumes de água para o pulmão, ocupando o espaço que deveria ser reservado para a absorção de oxigênio. O resultado é a falência respiratória, tal como se o paciente estivesse se afogando.
Outro local onde a água costuma acumular-se é a cavidade abdominal, provocando um quadro chamado de ascite.
O grau de extravasamento plasmático é quem define a gravidade da dengue. Se o quadro for brando, o paciente costuma passar bem por essa fase. Por outro lado, se disfunção endotelial for severa, o paciente pode evoluir para o óbito em apenas 24 horas.
O extravasamento plasmático é o evento definidor da dengue grave. Porém, eventos hemorrágicos são muito mais comuns na dengue grave do que na clássica, motivo pelo qual esta forma mais severa de doença também é chamada de dengue hemorrágica.
Como já referido, até o fim da fase febril, os pacientes com dengue grave e clássica apresentam mais ou menos o mesmo espectro de sinais e sintomas. É somente na fase crítica que conseguimos identificar quem evoluirá bem e quem corre risco de ter complicações.
Enquanto o paciente com dengue clássica melhora com o fim da febre, o paciente com as formas mais graves começa a apresentar os primeiros sinais de que algo não está correndo bem. Dor abdominal intensa, vômitos persistentes, queda da pressão arterial, sonolência, desorientação, dificuldade respiratória, pele pálida e fria, diminuição do volume urinário e hemorragias espontâneas, principalmente do trato gastrointestinal, são sinais de alarme.
Durante a fase mais grave, vários órgãos podem ser diretamente acometidos, como coração, fígado e sistema nervoso central.
Uma vez que o extravasamento plasmático tenha começado a ocorrer de forma intensa, o quadro evolui muito rapidamente. A dengue grave tem que ser imediatamente reconhecida, pois a reposição de líquidos por via intravenosa precisa ser iniciada o mais rapidamente possível para evitar que o paciente evolua para o choque circulatório.
A fase crítica dura apenas 24 a 48 horas. Depois deste período, o plasma extravasado começa a ser lentamente reabsorvido para a corrente sanguínea, fazendo com que o paciente melhore progressivamente ao longo das próximas 72 horas.
Alterações laboratoriais da dengue
Além do quadro clínico, composto pelos sinais e sintomas, as alterações laboratoriais também são muito importantes na investigação da dengue, seja ela clássica ou hemorrágica.
O hemograma é o exame laboratorial mais útil. Na fase febril, o achado mais comum é a leucopenia, que é uma queda no número de leucócitos, uma das principais células de defesa do nosso sangue. Outra alteração laboratorial típica é a trombocitopenia, que é a queda no número de plaquetas, as células responsáveis pelo início do processo de coagulação do sangue.
Em geral, na dengue clássica o número de plaquetas reduz-se, mas não cai abaixo das 100.000 células por m³. Já na forma hemorrágica, a trombocitopenia costuma ser mais intensa, frequentemente abaixo das 50.000 células por m³. É importante destacar que somente o valor das plaquetas não é suficiente para distinguir uma dengue clássica da forma hemorrágica.
Como na dengue grave há grande extravasamento de líquidos para fora do sangue, o resultado é um aumento da concentração das células que lá permanecem. Como as hemácias são as células mais abundantes no sangue, um aumento súbito na sua concentração sanguínea é um sinal muito forte de que o sangue está perdendo água rapidamente. Portanto, um aumento de pelo menos 20% no valor do hematócrito costuma ocorrer horas antes do paciente começar a apresentar sinais de choque circulatório.
Se você não entende bem o que significam os resultados do hemograma, sugerimos a leitura do seguinte artigo: Hemograma – Entenda os seus resultados.
Além do hemograma, outras análises sanguíneas podem ser úteis na investigação dessa infecção. Alterações nas enzimas do fígado (TGO e TGP) são comuns e indicam hepatite pelo vírus da dengue.
Nos pacientes com manifestações hemorrágicas, as análises que avaliam a coagulação, como o INR e a PTT, costumam estar alteradas.
Perguntas frequentes
Quanto tempo depois de picado aparecem os sintomas da dengue?
Os sintomas da dengue geralmente aparecem de 3 a 15 dias após a picada do mosquito infectado. Na maioria dos casos, os primeiros sinais surgem entre 4 a 7 dias após a picada. Esse intervalo pode variar ligeiramente de pessoa para pessoa, dependendo de fatores como a resposta imunológica do indivíduo e a quantidade de vírus transmitido durante a picada.
Como começam os sintomas de dengue?
Os sintomas da dengue geralmente começam de forma abrupta. A primeira manifestação da dengue costuma ser febre alta, ao redor de 40ºC. Logo após, surgem dor de cabeça, dor retro-orbital, dor muscular, dor nas articulações, fraqueza, cansaço e manchas vermelhas na pele.
Quanto tempo duram os sintomas de dengue?
Os sintomas da dengue costumam durar entre 5 e 7 dias na maioria dos casos. No entanto, o período total de recuperação pode variar dependendo da gravidade da infecção e da resposta imunológica de cada pessoa. Além disso, a sensação de cansaço, fraqueza e indisposição pode persistir por semanas após o desaparecimento dos sintomas agudos.
O que tomar para sintomas de dengue?
No caso da dengue, o tratamento é sintomático, pois não há antiviral específico contra o vírus. O principal é se manter bem hidratado e usar analgésicos comuns para dores e febre. Os melhores são paracetamol ou dipirona.
Qual é o primeiro sintoma de dengue?
Habitualmente, febre alta, que surge abruptamente, sem sinais prévios.
Com quantos dias de sintomas posso fazer exame de dengue?
Depende do exame. Em resumo:
» Do 1º ao 5º dia de sintomas: exames como RT-PCR e NS1 (o RT-PCR detecta diretamente o material genético do vírus, enquanto o teste NS1 identifica uma proteína viral presente na fase inicial da doença).
» Após o 6º dia de sintomas: sorologia IgM e IgG (esses testes detectam os anticorpos produzidos pelo organismo contra o vírus).
Referências
- Dengue – Doenças infecciosas e parasitárias – Guia de bolso, 8a Edição – Ministério da Saúde.
- Dengue Aspectos Epidemiológicos, Ministério da Saúde Diagnóstico e Tratamento – Ministério da Saúde.
- Dengue and Dengue Hemorrhagic Fever – Centers for Disease Control and Prevention (CDC).
- Dengue haemorrhagic fever: diagnosis, treatment, prevention and control. 2nd edition – World Health Organization.
- Dengue virus infection: Clinical manifestations and diagnosis – UpToDate.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
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