Sífilis Congênita (Sífilis em recém-nascidos)

Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Sífilis congênita

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O que é sífilis congênita?

A sífilis congênita é a forma de sífilis de ocorre quando o feto é contaminado pela bactéria Treponema pallidum, agente causador da sífilis, durante a gravidez.

A infecção pela sífilis na gravidez pode resultar em várias complicações, incluindo feto natimorto, parto prematuro e um amplo espectro de lesões do bebê.

Em muitos casos, os sintomas da sífilis congênita podem não ser imediatamente reconhecidos ao nascimento, tornando-se claros apenas após alguns meses ou até anos.

Assim como ocorre nos adultos, o tratamento das crianças com sífilis também é feito com o antibiótico penicilina. Idealmente, o tratamento deve ser feito antes do nascimento, ainda na mãe grávida. Se isso não for possível, o diagnóstico da sífilis congênita deve ser feito o mais precoce possível, pois quanto mais tarde a criança for tratada, maiores são os riscos dela apresentar lesões permanentes.

O que é sífilis?

A sífilis é uma infecção causada pela bactéria Treponema pallidum. Quando não tratada adequadamente, a doença pode se espalhar por diversos tecidos do corpo, provocando graves lesões de órgãos, incluindo o coração e o sistema nervoso central.

A sífilis é uma doença que costuma ser transmitida pela via sexual nos adultos e através da placenta nos fetos. As manifestações clínicas que a bactéria Treponema pallidum provoca nos adultos são bem diferentes daquelas que surgem nos fetos e nas crianças infectadas.

Sífilis nos adultos (e grávidas)

Nos adultos, incluindo as grávidas, a sífilis se manifesta classicamente em três estágios, denominados sífilis primária, secundária e terciária.

Duas a três semanas após a contaminação, o paciente costuma desenvolver uma pequena úlcera indolor no pênis ou na vagina, que é chamada de cancro duro. Mesmo sem tratamento, após 3 a 6 semanas, a úlcera desaparece espontaneamente, levando à falsa impressão de cura.

Após algumas semanas ou meses do desaparecimento do cancro duro, aproximadamente 25% dos indivíduos não tratados desenvolvem os sintomas da sífilis secundária. Os principais são erupções na pele, tipicamente nas palmas das mãos e solas dos pés. Também são comuns: febre, mal-estar, perda do apetite, emagrecimento, dor nas articulações, queda de cabelo, lesões oculares e aumento dos linfonodos pelo corpo.

Assim como ocorre na sífilis primária, os sintomas da sífilis secundária desaparecem espontaneamente depois de algumas semanas, mesmo sem qualquer tratamento. Após o desaparecimento da sífilis secundária, o paciente entra na fase assintomática e latente da doença.

Os pacientes podem ficar vários anos, inclusive décadas, na fase latente da sífilis. Cerca de 30 a 40% dos pacientes não tratados acabam desenvolvendo a sífilis terciária, que é a forma mais grave da doença, com lesões do coração e do sistema nervoso central, além de grandes úlceras de pele que podem causar graves deformidades.

Explicamos a sífilis no adulto com mais detalhes nos artigos:

Transmissão durante a gravidez

A chance de transmissão do Treponema pallidum para o feto é maior se a grávida estiver nas fases de sífilis primária ou secundária.

Estudos mostram que uma grávida com sífilis primária ou secundária, que não tenha sido tratada, apresenta os seguintes riscos:

  • 25% de risco de morte fetal durante a gestação.
  • 14% de risco de morte do recém-nascido.
  • 41% de risco de dar à luz uma criança viva, mas com sífilis congênita.
  • 20% de chance de dar à luz uma criança viva e não infectada.

Por outro lado, grávidas com sífilis tardia, ou seja, com infecção não tratada adquirida há mais de dois anos, apresentam os seguintes riscos:

  • 12% de risco de morte fetal durante a gestação.
  • 9% de risco de morte do recém-nascido.
  • 2% de risco de dar à luz uma criança viva, mas com sífilis congênita.
  • 77% de chance de dar à luz uma criança viva e não infectada.

A transmissão da bactéria pode ocorrer em qualquer fase da gestação, mas ela é mais comum a partir do 4º mês de gravidez.

Sintomas

A sífilis congênita é tradicionalmente dividida em dois tipos, de acordo com o tempo do surgimento dos sinais e sintomas:

  • Sífilis congênita precoce: quando os primeiros sintomas surgem ao nascimento ou até os dois anos de idade.
  • Sífilis congênita tardia: quando os primeiros sintomas surgem somente depois dos dois primeiros anos de vida da criança.

Sintomas da sífilis congênita precoce

Nos bebês com sífilis congênita precoce, as primeiras manifestações clínicas geralmente aparecem até os três meses de idade, na maioria das vezes, nas primeiras cinco semanas. Mais de 60% dos bebês com sífilis congênita são assintomáticos ao nascimento.

Os principais alterações da sífilis congênita precoce são:

  • Rinite.
  • Erupção cutânea (rash).
  • Febre.
  • Hepatomegalia (fígado aumentado de tamanho).
  • Icterícia (pele amarelada).
  • Anormalidades esqueléticas
  • Rinite.
  • Linfadenopatia generalizada (linfonodos palpáveis por todo o corpo).
  • Meningite.

Alterações no fígado

O aumento do tamanho do fígado ocorre em mais de 70% dos lactentes com sífilis congênita. A hepatomegalia costuma estar associada à icterícia. Nos exames laboratoriais é comum haver sinais de falência hepática, com elevação das transaminases, fosfatase alcalina e bilirrubinas (leia: O que significam TGO, TGP, Gama GT e bilirrubina?).

A disfunção hepática geralmente demora a se resolver, mesmo após terapia adequada.

Rinite

A rinite sifilítica (conhecida como “snuffle”) costuma surgir precocemente, geralmente durante a primeira semana de vida e raramente após o terceiro mês. A secreção nasal costuma ser branca, mas pode adquirir característica sanguinolenta ou purulenta se houver infecção bacteriana na mucosa nasal. Essa descarga nasal contém muitas espiroquetas e é altamente contagiosa.

Rash

A erupção de pele da sífilis congênita geralmente aparece uma a duas semanas após a rinite. O rash consiste em pequenos pontos elevados e inicialmente vermelhos ou rosados. As lesões podem ocorrer em qualquer parte do corpo, mas são mais proeminentes nas costas, nádegas, coxas, palmas e solas. Descamação e crostas costumam surgir ao longo de 1 a 3 semanas. Com o tempo, as lesões vão se tornando mais escuras e podem se tornar permanentes.

Algumas lesões podem ser bolhosas e ulceradas. O líquido presente nessas vesículas também contêm espiroquetas e é contagioso por contato direto.

Envolvimento ósseo

O envolvimento ósseo ocorre em 60 a 80% dos casos precoces não tratados. As lesões são habitualmente múltiplas e simétricas.

As alterações esqueléticas costumam não estar presentes ao nascimento, mas podem aparecer nas primeiras semanas de vida. Periostite, desmineralização cortical e osteocondrite são achados comuns.

Anormalidades em ossos longos podem estar associadas a fraturas e intensa dor, o que pode provocar limitação do movimento do membro envolvido, dando a aparência de paralisia do bebê, que é conhecida como pseudoparalisia de papagaio.

Sintomas da sífilis congênita tardia

As manifestações da sífilis congênita tardia são caracterizadas por alterações na face, no esqueleto e formação de gomas em vários tecidos. A goma é uma lesão típica da sífilis terciária nos adultos e se caracteriza por tumorações ulceradas na pele, com aspecto deformante.

A sífilis congênita tardia se desenvolve em aproximadamente 40% das crianças nascidas de mulheres com sífilis não tratada durante a gravidez. Algumas manifestações tardias podem ser prevenidas pelo tratamento da mãe durante a gravidez ou tratamento do bebê nos primeiros três meses de vida. Outras, no entanto, podem progredir mesmo com a terapia apropriada.

As manifestações mais típicas da sífilis congênita tardia incluem:

  • Alterações faciais: protuberância na região frontal (“fronte olímpica”), nariz em sela, maxilar curto (“face de buldogue” ) e mandíbula protuberante.
  • Olhos: ceratite intersticial, glaucoma secundário, cicatriz corneana e atrofia ótica.
  • Orelhas: a perda auditiva geralmente surge subitamente entre os 8 e os 10 anos de idade. As frequências mais altas são afetadas primeiro; tons de conversação normais são afetados mais tardiamente.
  • Orofaringe: dentes permanentes hipoplásticos, entalhados e amplamente espaçados (“dentes de Hutchinson”), mau desenvolvimento dos primeiros molares (“molares em amora”) e perfuração do palato duro.
  • Cutâneo: fissuras periorais, aglomerado de cicatrizes que irradiam em torno da boca e gomas na pele e mucosas.
  • Neurológico: deficiência intelectual, hidrocefalia, paralisia de nervos cranianos.
  • Esqueleto: tíbia em “lâmina de sabre”, aumento da porção esternoclavicular da clavícula (sinal de Higoumenakis) e artrite indolor dos joelhos (“articulações de Clutton”).

Diagnóstico

A frequente falta de sinais clínicos claros nos recém-nascidos contaminados, associada às potenciais complicações do diagnóstico tardio da sífilis congênita, exigem uma abordagem preventiva que inclui o rastreio da sífilis nas mães ainda no primeiro trimestre de gestação (e no terceiro trimestre, se o obstetra achar necessário). O exame solicitado costuma ser o VDRL.

Quando a grávida apresenta sorologia positiva, o recém-nascido deve ser submetido a uma minuciosa avaliação clinica e laboratorial, incluindo avaliação histológica da placenta e do cordão umbilical à procura das espiroquetas ou de alterações patológicas típicas, além de exame microscópico de campo escuro ou teste PCR de lesões suspeitas ou fluidos corporais, como, por exemplo, erupção bolhosa ou secreção nasal.

Entre as sorologias sanguíneas, as mais utilizadas são o VDRL e o FTA-ABS. Porém, os testes sorológicos para anticorpos são problemáticos porque não é possível diferenciar entre anticorpos maternos adquiridos via placenta e anticorpos próprios produzidos pelo recém-nascido. A comparação entre os valores do VDRL da mãe e do feto pode ser útil em alguns casos (VDRL fetal quatro ou mais vezes superior ao da mãe fala fortemente a favor de sífilis congênita).

Nos recém-nascidos com sinais clínicos da doença ou testes sorológicos sugestivos, testes de função hepática, radiografia dos ossos longos e análise laboratorial do liquor obtido por punção lombar também estão indicados.

Risco de contaminação

O diagnóstico de sífilis congênita pode ser difícil, pois, como já referido, os anticorpos maternos podem ser transferidos através da placenta para o feto, o que dificulta a interpretação dos testes sorológicos positivos para sífilis nos recém-nascidos. Portanto, a decisão de tratar deve levar em conta os seguintes fatores:

  • Diagnóstico de sífilis na mãe;
  • Falha ou falta de tratamento adequado na mãe;
  • Evidências clínicas, laboratoriais ou radiológicas de sífilis no neonato;
  • Comparação dos títulos sorológicos do VDRL materno no momento do parto e do VDRL do neonato, preferencialmente realizado pelo mesmo laboratório.

Como os dados acima, os médicos podem classificar o risco de sífilis congênita em 4 cenários:

  1. Sífilis congênita comprovada ou altamente provável → exame físico anormal consistente com a sífilis congênita; OU um título sorológico não treponêmico (como o VDRL ou RPR) que é quatro vezes maior do que o título da mãe; OU um teste de campo escuro positivo ou PCR de lesões ou fluidos corporais.
  2. Possível sífilis congênita → mãe não tratada, tratada inadequadamente ou que não possui documentação de ter recebido tratamento; OU mãe que foi tratada com um esquema de antibióticos diferente do recomendado; OU a mãe recebeu o tratamento adequado menos de 4 semanas antes do parto.
  3. Sífilis congênita pouco provável → a mãe foi tratada durante a gravidez e o tratamento foi feito corretamente com mais de 4 semanas antes do parto; E a mãe não tem evidência de reinfecção ou recaída.
  4. sífilis congênita improvável → mãe foi contaminada e tratada adequadamente ANTES da gravidez; E os títulos sorológicos não treponêmicos da mãe permaneceram baixos e estáveis durante a gestação até a hora do parto.

Tratamento

A penicilina G continua a ser o antibiótico de eleição para todos os tipos e estágios da sífilis, tanto nos adultos, quanto nas grávidas e bebês.

Tratamento da sífilis na grávida

O tratamento da sífilis nas gestantes é o mesmo dos adultos:

  • Sífilis primária, secundária ou latente precoce: Penicilina benzatina G, 2,4 milhões de unidades IM em dose única.
  • Sífilis terciária, latente tardia ou de duração desconhecida: Penicilina benzatina G, 7,2 milhões de unidades no total, administradas como três doses semanais de 2,4 milhões de unidades IM.

Tratamento da sífilis congênita em bebês com menos de 1 mês de idade

Cenário 1: Sífilis congênita comprovada ou altamente provável

  • Penicilina cristalina G, administrada como 50.000 unidades/kg/dose por via IV a cada 12 horas durante os primeiros 7 dias, seguido de 50.000 UI a cada 8 horas entre o 7º e o 10º dia.
  • Penicilina procaína G 50.000 unidades/ kg/dose IM uma vez por dia, durante 10 dias.

Cenário 2: Possível sífilis congênita

  • Penicilina cristalina G, administrada como 50.000 unidades/kg/dose por via IV a cada 12 horas durante os primeiros 7 dias, seguido de 50.000 UI a cada 8 horas entre o 7º e o 10º dia.
  • Penicilina procaína G 50.000 unidades/kg/dose IM uma vez por dia, durante 10 dias.
  • Penicilina benzatina G 50.000 unidades/kg/dose IM em dose única*.

* O esquema em dose única só é aceitável se o bebê tiver sido submetido a uma avaliação rigorosa, com exames do líquido cefalorraquidiano, hemograma completo e radiografias de ossos longos, e os resultados tiverem sido completamente normais.

Cenário 3: Sífilis congênita pouco provável

  • Penicilina benzatina G 50.000 unidades/kg/dose IM em dose única*.

* Outra abordagem possível envolve não tratar a criança e manter acompanhamento serológico a cada 2 ou 3 meses durante 6 meses.

Cenário 4: sífilis congênita improvável

Nenhum tratamento é necessário, mas as crianças com VDRL ou RPR reativos devem ser seguidas sorologicamente para garantir que o teste vai se tornar negativo com o passar do tempo.

Tratamento da sífilis congênita em bebês com mais de 1 mês de idade

  • Penicilina cristalina G, administrada como 50.000 unidades/kg a cada 4-6 horas por 10 dias.

Se a criança não apresenta manifestações clínicas de sífilis congênita e a avaliação do líquido cefalorraquidiano for normal, o tratamento pode ser feito com 3 doses semanais de penicilina benzatina G, 50.000 unidades/kg IM.

Prognóstico

O tratamento adequado durante a gravidez cura a mãe e o feto em praticamente todos os casos. Porém, se o tratamento antibiótico só for instituído nas últimas 4 semanas de gravidez, é possível que o bebê ainda esteja contaminado no momento do nascimento.

O tratamento ainda na gravidez não só impede a sífilis congênita nos bebês, como também reduz o risco de complicações obstétricas, como parto prematuro, abortos e fetos natimortos.

A penicilina é eficaz em praticamente 100% dos casos de sífilis congênita. O objetivo é não só curar a infecção, mas também evitar que o bebê desenvolva complicações permanentes, motivo pelo qual a instituição precoce do antibiótico é importante.

O tratamento da sífilis congênita precoce nos primeiros três meses de vida previne algumas, mas não todas as manifestações tardias da sífilis congênita. A ceratite intersticial e a curvatura anterior da tíbia (tíbia em “lâmina de sabre”) podem surgir mesmo nos bebês tratados adequadamente.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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