Cólera: sintomas, causas e tratamento

Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Cólera

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Introdução

A cólera é um quadro de diarreia aguda provocada por determinadas cepas da bactéria Vibrio cholerae produtoras de enterotoxinas virulentas. Essas toxinas são capazes de alterar o funcionamento dos intestinos, provocando grande perda de água e de eletróticos, tais como bicarbonato, sódio, cloro e potássio.

A cólera costuma ser adquirida através do consumo de água contaminada, e a sua diarreia, nos casos graves, é muito mais intensa do que os quadros de diarreia que a maioria das pessoas costuma ter de tempos em tempos.

Na cólera, a quantidade de líquido perdida nas fezes é tão grande e ocorre em espaço de tempo tão curto, que se o paciente não receber tratamento em tempo hábil, ele pode desenvolver um quadro de desidratação grave e choque hipovolêmico em apenas 12 a 24 horas.

Neste artigo, explicaremos o que é a cólera, como a bactéria Vibrio cholerae pode ser adquirida, quais são os seus sintomas, que tipo de tratamento deve ser instituído e quais são as formas eficazes de prevenção.

O que é a cólera?

Como já referido na introdução deste artigo, a cólera é uma infecção intestinal provocada pela bactéria Vibrio cholerae. Existem cerca de 190 cepas diferentes de Vibrio cholerae, porém, somente 2 delas, conhecidas como V. cholerae O1 e V. cholerae O139, produzem enterotoxinas que são capazes de provocar o quadro de cólera.

A cólera é uma doença muito antiga, com relatos que datam o ano de 460 AEC. Contudo, foi somente em 1854 que se descobriu que a infecção poderia ser provocada pelo consumo de água contaminada. Já o reconhecimento de que a doença era provocado pela bactéria Vibrio cholerae só ocorreu em 1883.

Nos últimos 200 anos, o mundo vivenciou 7 grandes pandemias de cólera, que juntas foram responsáveis por milhões de mortes. A chamada 7ª pandemia de cólera iniciou-se na Indonésia em 1961 e persiste até os dias hoje. Segundo o Organização Mundial de Saúde (OMS), no mundo inteiro, a cólera ainda é responsável por cerca de 5 milhões de infecções e 100 mil mortes por ano.

No Brasil, a última epidemia de cólera ocorreu em 1991, sendo responsável por 168.646 casos e 2.035 óbitos até o ano de 2004, a maioria deles nos estados do Norte e do Nordeste. Desde 2005, porém, o país não registrou mais casos de transmissão da cólera dentro do nosso território.

Formas de transmissão

A via de transmissão da cólera é fecal-oral, ou seja, uma pessoa saudável precisa entrar em contato com as fezes de uma pessoa doente para adquirir a bactéria. Esse contágio é feito habitualmente através de águas contaminadas, o que é comum em locais muito pobres, com deficiente saneamento básico. Regiões em guerra ou acometidas por desastres naturais também costumam sofrer com epidemias de cólera.

Mas não é somente o consumo de água contaminada que pode provocar a transmissão do Vibrio cholerae. Mãos contaminadas são uma frequente fonte de contaminação, seja na hora de preparar os alimentos ou por contato direto com outras pessoas. Se o paciente contaminado não tiver o hábito de higienizar as mãos adequadamente após cada evacuação, o risco de contaminação de pessoas que vivem ao seu redor é muito grande (leia: Por que lavar as mãos ajuda a evitar doenças?).

Estudos mostram que a cada litro de diarreia que o paciente elimina, ele libera no ambiente cerca de 1 trilhão de bactérias Vibrio cholerae. A concentração de bactérias na água que costuma ser suficiente para causar contágio é de 100 mil por litro, ou seja, mais de 1 milhão de vezes menor que aquela eliminada nas fezes.

Sintomas

Após um período de incubação que costuma ficar entre 1 ou 2 dias, mas que pode variar de poucas horas até 5 dias, a maioria dos pacientes infectados com cólera apresenta um quadro de diarreia leve a moderada, que é igual a qualquer outra forma de diarreia, incluindo as gastroenterites virais.

Vômitos e dor abdominal podem ocorrer, mas a febre é um sintoma incomum. Também existem os casos completamente assintomáticos, nos quais o paciente nem sequer desconfia ter sido infectado.

Em 5 a 10% dos casos, contudo, a cólera pode se apresentar como uma diarreia aquosa profusa. A diarreia da cólera grave é bem característica, com odor de peixe e uma aparência semelhante à “água de arroz”, devido a sua coloração esbranquiçada. O quadro diarreico costuma durar de 4 a 6 dias, sendo mais intenso nas primeiras 48 horas.

A grande perda de líquidos, que pode chegar a ser de mais de 1 litro por hora, costuma levar o paciente a um quadro de desidratação grave em poucas horas. Os sintomas da desidratação são sede intensa, boca seca, prostração, olhos fundos, perda de peso e redução do volume urinário. A eliminação de água é tão intensa, que o paciente pode perder o equivalente ao seu peso em líquidos. 

Não é de estranhar, portanto, que os quadros de cólera grave, se não tratados a tempo, invariavelmente levam o paciente ao choque hipovolêmico e, consequentemente, ao óbito. A taxa de mortalidade chega a ser de 70% para os casos graves que não recebem tratamento médico.

A grande perda de eletrólitos nas fezes também é responsável por alguns dos sintomas, entre eles as câimbras musculares, hipoglicemia, convulsões e redução do nível de consciência.

Diagnóstico

O diagnóstico da cólera é feita através de isolamento do V. cholerae na cultura de fezes. Todavia, como a cólera é um quadro que pode levar ao óbito em poucas horas, o tratamento precisa ser iniciado antes mesmo de qualquer resultado laboratorial. A confirmação do diagnóstico, portanto, é mais importante do ponto de vista de vigilância epidemiológica do que para o tratamento do paciente.

Tratamento

O que faz a cólera ser um quadro potencialmente fatal é a grave e rápida instalação da desidratação. Consequentemente, a base do tratamento da cólera deve ser sempre uma hidratação agressiva, de forma a compensar o grande volume de líquidos perdidos nas fezes. Idosos e crianças são os grupos sob maior risco de terem complicações pela desidratação.

Se o paciente não tiver vômitos, a hidratação pode ser feita por via oral, de preferência com os soros de reidratação oral, que contêm as quantidades de eletrólitos e glicose adequadas para o tratamento das diarreias. Se não houver soro de reidratação disponível, o quadro pode ser inicialmente tratado com o soro caseiro, até que o soro de reidratação oral possa ser adquirido em uma farmácia ou posto de saúde (leia: Tratamento caseiro da diarreia).

Nos bebês com diarreia, manter o aleitamento materno, junto com o soro de reidratação, é essencial. Já as crianças mais velhas e os adultos devem tentar se alimentar normalmente, evitando apenas alimentos gordurosos ou derivados de leite.

Pessoas que irão viajar para áreas onde a cólera é comum devem sempre levar consigo, de forma preventiva, os envelopes para preparo do soro de reidratação. Oito envelopes por pessoa é o número sugerido.

Nos casos mais graves, quando o paciente tem vômitos que impedem a reidratação ou quando ele não consegue se hidratar por via oral de forma proporcional à intensidade da diarreia, a internação hospitalar para administração de soros por via intravenosa está indicada.

Medicamentos antidiarreicos, como a loperamida (Imosec), que agem inibindo a peristalse (movimentos) dos intestinos, estão contraindicados no tratamento da cólera. Os motivos são dois:

1- Uma das funções da diarreia é eliminar as bactérias e suas toxinas do corpo. Se o paciente toma um medicamento que inibe a diarreia, ele impede esse processo de “limpeza”, o que facilita a proliferação do V. cholerae nos intestinos e atrasa a cura da doença.

2- O fato dos intestinos pararem de se contrair não impede que a imensa perda de água continue a ocorrer. A diferença é que em vez das fezes líquidas serem eliminadas, elas ficam se acumulando dentro do trato intestinal. Os antidiarreicos, portanto, apenas mascaram os sintomas e torna mais difícil a avaliação da quantidade de líquidos que o paciente está perdendo a cada hora.

Apesar de não ser o elemento mais importante do tratamento, o uso de antibiótico pode ajudar a reduzir o tempo de doença, principalmente se for iniciado nas primeiras 24 horas de diarreia. Os esquemas mais recomendados são a Azitromicina 1 g em dose única ou a Doxiciclina 300 mg, também em dose única.

Nos casos sem gravidade, o uso de antibióticos não é justificável, já que eles não mudam o curso da doença nem interferem na disseminação do V. cholerae.

Nos pacientes que conseguem manter-se hidratados durante a fase mais aguda da cólera, a taxa de mortalidade da cólera é menor que 0,5%.

Prevenção

Do ponto de vista de saúde pública, a forma mais eficaz de prevenir a cólera é através da ampla implementação de saneamento básico e água encanada.

Do ponto de vista individual, lavar as mãos com frequência e evitar o consumo de água e alimentos de origem suspeita são importantes.

Vacina contra cólera

Já existem vacinas contra a cólera, que podem ser administradas por via oral. A vacina é eficaz durante as epidemias e para as pessoas que irão viajar para áreas endêmicas. A duração da sua eficácia, porém, começa a ficar comprometida após 6 meses, sendo necessário um reforço caso o paciente permaneça por mais tempo em áreas de alto risco.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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