Introdução
O uso de remédios junto com álcool é reconhecidamente danoso, mas, por incrível que pareça, essa associação ainda é extremamente comum por parte da população.
A associação de bebidas alcoólicas com medicamentos pode levar a efeitos colaterais graves, inclusive com risco de morte. O álcool pode tanto potencializar os efeitos de um medicamento quanto neutralizá-lo. Pode também ativar enzimas que metabolizam o medicamento em substâncias tóxicas para o organismo.
Para entender como o álcool e outras substâncias são metabolizadas, leia a primeira parte deste texto: Ressaca e intoxicação alcoólica.
Neste artigo, explicaremos quais são os remédios que não podem ser misturados com álcool e o que é o efeito antabuse.
Informações em vídeo
Antes de seguirmos em frente, assista a esse curto vídeo sobre os sinais e sintomas da intoxicação pelo álcool conforme a quantidade de bebida ingerida.
O que acontece se misturarmos álcool com remédios?
Álcool potencializando o efeito de um medicamento
Quando as enzimas que metabolizam o medicamento são as mesmas do álcool, estas ficam “ocupadas” processando o etanol, fazendo com que o remédio permaneça mais tempo e em maior concentração na corrente sanguínea. Em alguns casos, essa pode ser a diferença entre a intoxicação ou não.
Álcool inibindo a ação de um medicamento
Este processo ocorre em bebedores crônicos. O estímulo alcoólico constante no fígado faz com que haja um aumento no número de enzimas hepáticas. Quando um medicamento chega ao fígado, há um excesso destas para metabolizá-lo, inativando a droga muito mais rapidamente do que de costume. Este excesso de enzimas pode permanecer por semanas após cessar-se o consumo de álcool.
O estímulo constante do etanol e seus metabólitos também podem gerar enzimas que transformam substâncias não tóxicas em metabólitos tóxicos.
Álcool agindo no mesmo sítio dos medicamentos
Outra maneira de potencialização de remédios é quando estes, assim como o etanol, também atuam sobre o sistema nervoso central, como no caso de narcóticos e sedativos. Este sinergismo pode causar uma intensa e perigosa sedação.
Remédios aumentando o efeito do álcool
Alguns medicamentos inibem as enzimas que metabolizam o álcool, aumentando seus efeitos e seu tempo de permanência no organismo, potencializando as lesões do álcool no organismo.
Alguns exemplos de interação álcool-medicamentos:
ANESTÉSICOS
O uso de álcool dificulta a ação dos anestésicos, sendo necessárias doses maiores para a indução anestésica em atos operatórios. Também potencializa os efeitos tóxicos destes medicamentos para o fígado.
ANSIOLÍTICOS (BENZODIAZEPINAS)
Aumentam o efeito sedativo, o risco de coma e insuficiência respiratória.
ANTABUSE (DISSULFIRAM)
Antabuse ou Antabus é o principal nome comercial de uma droga chamada Dissulfiram, que inibe a enzima acetaldeído desidrogenase, impedindo a transformação do metabólito tóxico acetaldeído em ácido acético, que é menos tóxico. O acúmulo desta substância tóxica causa efeitos como vômitos, calor, sudorese, palpitação, cefaleia (dor de cabeça), hipotensão, dificuldade respiratória e até morte.
O Dissulfiram é uma substância usada no tratamento do alcoolismo, pois o mesmo faz com que pequenas doses de álcool provoquem efeitos muito desconfortáveis. O paciente toma o primeiro copo e começa a se sentir mal, parando imediatamente de beber.
Isso acontece porque, com o bloqueio da metabolização do acetaldeído, que é uma substância muito tóxica, sua concentração sanguínea chega a ficar 10 vezes maior do que acontece normalmente. Com isso, pequenas doses de álcool levam a níveis de acetaldeídos maiores do que ocorrem em muitos “porres”. Em 15 minutos, o paciente já começa a sentir os efeitos desagradáveis. Até pequenas quantidades de álcool, como em doces e molhos, podem causar os sintomas.
Elevadas doses de álcool em quem faz uso de antabuse podem ser fatais.
ANTIBIÓTICOS
Existe um conceito de que misturar antibióticos e álcool é perigoso e pode inativar o primeiro. Isto é uma verdade parcial.
Realmente, a associação de álcool com alguns antibióticos pode levar a efeitos graves do tipo antabuse, descrito acima. São eles:
- Metronidazol (Flagyl®).
- Trimetoprim-sulfametoxazol (Bactrim®).
- Tinidazole (Tindamax®).
- Griseofulvin (Grisactin®).
- Cefotetan.
Outros antibióticos, como cetoconazol, nitrofurantoína, eritromicina, rifampicina e isoniazida também não devem ser tomados com álcool pelo perigo de inibição do efeito e potencialização de toxicidade hepática.
Em ralação aos outros antibióticos não há relatos de interação. Porém, deve-se lembrar que o álcool inibe o sistema imune e dificulta o combate contra agentes infecciosos. Portanto, não é inteligente beber enquanto se está com uma infecção.
Para saber mais sobre a relação entre antibióticos e bebidas alcoólicas, leia: Bebidas alcoólicas e antibióticos – Quais são os riscos?
ANTICOAGULANTES
O álcool aumenta o efeito anticoagulante da Varfarina (Marevan®, Varfine®, Coumadin ®) podendo causar hemorragias. (leia: Interações com a Varfarina).
ANTICONVULSIVANTES
Aumentam os efeitos colaterais e o risco de intoxicação enquanto que diminui a eficácia contra as crises de epilepsia (leia: Epilepsia | Sintomas, tipos e como proceder).
ANTIDEPRESSIVOS
Aumentam as reações adversas e o efeito sedativo, ao mesmo tempo em que diminui a eficácia dos antidepressivos. Pode também causar picos hipertensivos (leia: Antidepressivos: Escitalopram, Citalopram, Fluoxetina, Sertralina e Paroxetina).
ANTI-INFLAMATÓRIOS
Anti-inflamatórios junto com álcool aumentam o risco de úlcera gástrica e sangramentos. Aspirina (AAS) aumenta os efeitos adversos do álcool.
ANTI-HIPERTENSORES
Reduzem a eficácia, causam tonturas e arritmias cardíacas (leia: Remédios para pressão alta).
ANTI-HISTAMÍNICOS (ANTIALÉRGICOS)
Aumenta o efeito sedativo e causa tonturas e desequilíbrio.
HIPOGLICEMIANTES (ANTIDIABÉTICOS)
Também pode causar efeito antabuse. Uso agudo de etanol prolonga os efeitos enquanto o uso crônico inibe os antidiabéticos.
PARACETAMOL
Aumenta o risco de hepatite medicamentosa.
PROTETORES GÁSTRICOS
Aumenta o efeito do álcool e os efeitos colaterais do medicamento.
E quanto a misturar álcool com bebidas energéticas?
A associação de álcool com energéticos, como Red Bull, tem sido cada vez mais comum entre jovens, principalmente em festas e casas noturnas.
As bebidas energéticas são ricas em substâncias estimulantes, nomeadamente cafeína, guaraná, taurina e efedrina. Existe a falsa crença de que esses estimulantes retardariam os efeitos depressores do álcool, sendo possível beber em grandes quantidades e não ficar bêbado. Algumas pessoas inclusive acreditam que as bebidas energéticas permitem que se conduza veículos mesmo após ingestão de bebidas alcoólicas.
Na verdade, a associação de álcool com energéticos realmente leva à percepção de uma menor embriaguez, porém, o fato é que, após testes de habilidades motoras, acuidade visual e reflexos, fica-se claro que a intoxicação pelo álcool é exatamente igual. Isso é extremamente perigoso, pois o consumidor tem maior dificuldade em reconhecer que não está apto a conduzir ou efetuar outras tarefas motoras.
O consumidor fica tão bêbado quanto se não tivesse tomando energéticos, o problema é que ele não consegue se dar conta do fato. A inibição da percepção de embriaguez também faz com que as pessoas acabem ingerindo mais álcool do que conseguiriam se não estivessem tomando concomitantemente tantos estimulantes, facilitando a ocorrência de complicações como o coma alcoólico.
Assim como o álcool, todas essas substâncias estimulantes, quando em excesso, podem causar arritmias cardíacas. Como essa associação é normalmente feita em pessoas jovens e sadias, os riscos de complicações são menores, porém, existem vários relatos de convulsões e morte súbita de origem cardíaca em pessoas que exageram nesta associação.
A cafeína também é um diurético e o seu abuso em conjunto com o álcool pode levar a desidratação e piorar os sintomas da ressaca no dia seguinte.
Como se pode comprovar, o álcool interage com as principais classes de drogas. Na dúvida, opte pelo mais seguro, não consuma álcool se estiver usando medicamentos.
Referências
- Energy Drinks Mixed with Alcohol: What are the Risks? – Nutrition reviews.
- Alcohol and Caffeine – Centers for Disease Control and Prevention (CDC).
- Alcohol and Medication Interactions – Alcohol Research & Health.
- Mixing Alcohol With Medicines – NIH.
- Fact versus Fiction: a Review of the Evidence behind Alcohol and Antibiotic Interactions – American Society for Microbiology.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.