Febre Reumática: causas, sintomas e tratamento

Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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Febre reumática

Tempo de leitura estimado do artigo: 4 minutos

Introdução

A febre reumática, conhecida popularmente como reumatismo no sangue, é uma complicação que pode surgir após um quadro de faringite causado pela bactéria Streptococcus.

Nas regiões menos desenvolvidas do mundo, estima-se que cerca de 20 milhões de pessoas sofram de febre reumática, sendo esta a principal causa de morte de origem cardíaca na população abaixo dos 50 anos. É uma doença que ocorre principalmente na população jovem, com pico de incidência entre os 5 e 15 anos de idade. A febre reumática é pouco comum em adultos.

Neste artigo explicaremos o que é a febre reumática (reumatismo no sangue), quais são os seus sintomas, suas causas e as opções de tratamento e prevenção.

O que é a febre reumática?

A febre reumática é uma doença inflamatória que ataca o coração e suas válvulas levando a sua progressiva destruição. É uma complicação de infecções comuns da garganta, como a faringite estreptocócica e a escarlatina, ou de pele, como o impetigo causadas pela bactéria Streptococcus pyogenes (Streptococcus ß-hemolítico do grupo A de Lancefield).

A história acontece da seguinte maneira: uma pessoa jovem adquire uma faringite ou amigdalite comum, daquelas com febre, dor de garganta e pus nas amígdalas. Este paciente acaba por não procurar atendimento médico e não recebe o tratamento com antibióticos, como seria suposto. Com o passar dos dias o seu sistema imune consegue controlar a infecção e a faringite pode desaparecer.

Todavia, a bactéria Streptococcus pyogenes possui uma proteína muito semelhante àquela existente em alguns tecidos do nosso corpo, como válvulas cardíacas, articulações, sistema nervoso e pele. Ao tentar controlar a infecção bacteriana, o nosso sistema imune pode acabar produzindo anticorpos contra essa proteína que, além de atacar a bactéria, acaba também por atacar indevidamente todos esses outros tecidos, levando a sua destruição.

A febre reumática costuma surgir após 1 a 4 semanas do início da infecção de garganta pelo Streptococcus pyogenes.

Antes de seguirmos em frente, algumas ressalvas são importantes:

  • Nem toda faringite não tratada apresentará a febre reumática como complicação. Vários germes podem causar dor de garganta, incluindo vários tipos de bactérias e vírus. A febre reumática é causada apenas pelo Streptococcus pyogenes.
  • Entre a espécie Streptococcus existem vários tipos de bactérias como o Streptococcus pneumoniae, que causa pneumonia, o grupo Streptococcus viridans, que causa endocardite e outras. Mesmo entre o Streptococcus pyogenes, existem várias cepas diferentes e nem todas parecem ser capazes de causar febre reumática.
  • Além da bactéria específica, parece também ser necessária uma predisposição genética dos pacientes para se desenvolver febre reumática.

Portanto, para se ter febre reumática é preciso ter uma predisposição individual e uma infecção de garganta por cepas específicas do Streptococcus pyogenes. Além disso, é preciso que o paciente não receba tratamento adequado com antibióticos.

Sintomas

A febre reumática costuma surgir com um quadro de febre alta que vem acompanhado de um ou mais dos seguintes sinais e sintomas:

Poliartrite migratória

A poliartrite da febre reumática é o sintoma mais comum da doença e acomete 3 em cada 4 pacientes.

Artrite é um quadro de inflamação das articulações, como, por exemplo, joelhos, cotovelos, punhos, tornozelos, etc. Os sintomas da artrite consistem em inchaço, vermelhidão, calor local e intensa dor.

Chamamos de poliartrite quando a artrite acomete várias articulações ao mesmo tempo. Já o termo “migratória” indica que a inflamação vai mudando de articulação ao longo dos dias.

Portanto, uma poliartrite migratória é uma inflamação de várias articulações do corpo, que muda de local com o passar dos dias.

Cardite

A febre reumática ataca todo o coração, incluindo pericárdio (membrana que o envolve), miocárdio (músculo cardíaco) e as válvulas cardíacas.

Os sintomas do acometimento cardíaco incluem dor torácica, principalmente quando se respira fundo, cansaço aos esforços e surgimento de um sopro no coração, sinal que indica lesão em uma das suas válvulas.

A lesão das válvulas do coração pode ser grave suficiente para causar insuficiência cardíaca.

A cardite é a complicação mais grave da febre reumática e ocorre em cerca de 40 a 50% dos casos. A cardite e a artrite costumam ser, após a febre, os dois primeiros sintomas da febre reumática.

Coreia de Sydenham

O acometimento do sistema nervoso central pela febre reumática causa a coreia, uma alteração neurológica que se manifesta com movimento involuntários dos braços, pernas e da cabeça, fraqueza muscular e alterações do discurso. A coreia desaparece durante o sono.

No vídeo abaixo é possível ver uma menininha que teve febre reumática e apresenta coreia de Sydenham.

YouTube video

A coreia de Sydenham, também chamada de dança de São Vito, é mais comum em mulheres e pode aparecer somente após 8 meses da infeção de garganta. Ocorre em 5 a 10% dos casos de febre reumática.

A coreia pode ser o primeiro sintoma. Em alguns pacientes, ela surge sem que haja sinais cardite ou artrite associados.

Nota: a menina do vídeo acima recuperou totalmente a sua coordenação após alguns meses e não ficou com sequelas.

Nódulos subcutâneos

A presença de nódulos subcutâneos é outra manifestação típica da febre reumática.

Estes nódulos costumam ser indolores, endurecidos, sem sinais inflamatórios, medindo entre 0,5 e 2 cm. Podem surgir vários, mas a média é entre 3 e 4 nódulos distribuídos principalmente no cotovelo, punhos e joelhos. Normalmente, desaparecem após 1 mês.

Os nódulos subcutâneos ocorrem em 10% dos casos e somente naqueles que também apresentam cardite. Esses nódulos da febre reumática são muito parecidos com aqueles da artrite reumatoide.

Eritema marginato

O eritema maginato é um rash avermelhado, evanescente, que acomete principalmente os tronco e partes dos membros. Costuma ficar mais evidente em temperaturas quentes e pode durar anos, aparecendo e desaparecendo ao longo do tempo.

O eritema maginato ocorre em 5% dos casos e, assim como os nódulos subcutâneos, também costuma estar associado a cardite.

Curso da doença

Na maioria dos casos de febre reumática, o episódio agudo dura em torno de 6 semanas. Em 90% dos casos, os sintomas desaparecem em no máximo 3 meses.

A coréia de Sydenham costuma melhorar em 3 a 4 meses, porém, alguns em alguns pacientes podem levar até 2 anos.

O principal problema da febre reumática são as sequelas cardíacas. Uma vez que a válvula esteja lesada, ela não se regenera. As lesões valvulares podem levar à insuficiência cardíaca e favorecem o aparecimento da endocardite. Com frequência, o paciente com lesão valvar reumática necessita de cirurgia para trocar da válvula cardíaca afetada.

Quem já teve um episódio de febre reumática apresenta um alto risco de reincidência toda vez que surge uma nova faringite, sendo necessário tratamento antibiótico profilático (explico mais abaixo).

Anticorpo antiestreptolisina O (ASLO)

Um exame que pode ser feito para saber se o paciente teve contato recente com a bactéria que causa a febre reumática é a dosagem do anticorpo antiestreptolisina O, conhecido também pela sigla ASLO. Valores elevados de ASLO indicam que houve um contato recente com a bactéria Streptococcus. O ASLO começa a se elevar após 1 semana de infecção pelo Streptococcus e atinge o seu pico ao redor da 5ª ou 6ª semana, época em que o paciente já desenvolveu sintomas de febre reumática.

Tratamento

O tratamento da febre reumática se baseia primordialmente na sua prevenção. O tratamento das faringites/amigdalites bacterianas com antibiótico praticamente elimina o risco do aparecimento da doença. O ideal é não postergar o início do tratamento por mais de 7 dias após o início dos sintomas.

A não prescrição de antibióticos, principalmente se o paciente for jovem, ou a interrupção do esquema antibiótico antes do prazo estipulado, mesmo que a faringite já tenha desaparecido, são os principais fatores de risco para febre reumática.

Uma vez que o episódio agudo de febre reumática já tenha aparecido, o tratamento torna-se basicamente paliativo. Não existe terapêutica que impeça a destruição das válvulas cardíacas. Nestes casos a conduta consiste na administração de antibióticos para eliminar o Streptococcus do organismo, mesmo que já não haja mais sintomas de faringite ativa e na administração de anti-inflamatórios e aspirina para alívio dos sintomas como artrite e dor torácica.

Prevenção secundária da febre reumática

A prevenção secundária é aquela que fazemos nos pacientes já tiveram um episódio de febre reumática. Como o risco de um segundo quadro agudo é muito alto, indica-se a o uso prolongado de antibióticos até os 21 anos de idade, ou até 5 a 10 anos após o último ataque. Nos pacientes que apresentam sequelas cardíacas, com lesão valvular, a profilaxia está indicada até os 40 anos de idade.

O esquema mais utilizado é a injeção de penicilina benzatina (benzetacil) a cada 3 ou 4 semanas.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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