Genes BRCA1 e BRCA2: risco de câncer de mama, ovário, próstata e outros

Mulheres com mutações nos genes BRCA1 ou BRCA2 apresentam risco significativamente maior de desenvolver câncer de mama. Na população geral, cerca de 12% desenvolvem a doença, mas entre as portadoras dessas mutações, o risco sobe para 60%.
Dr. Pedro Pinheiro
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Câncer de mama

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O que são os genes BRCA1 e BRCA2?

BRCA1 e BRCA2 são genes que todos nós possuímos, cuja função principal é detectar e corrigir lesões no DNA que, se não reparadas, poderiam levar ao desenvolvimento de células cancerígenas. Ou seja, são genes que impedem o surgimento de determinados tipos de tumores.

Quando um desses genes sofre uma mutação, ele perde sua capacidade protetora, tornando-nos mais suscetíveis ao surgimento de tumores malignos, especialmente câncer de mama, câncer de ovário e câncer de próstata.

O que são anti-oncogenes?

O câncer é uma doença que surge quando uma célula de um órgão ou tecido sofre mutação, perde suas características básicas e passa a se multiplicar de forma descontrolada, espalhando-se pelo corpo. Geralmente, o câncer surge quando o DNA da célula sofre uma lesão.

Como agressões ao DNA celular ocorrem a toda hora — exposição à radiação solar, a toxinas no ar ou nos alimentos, contato com vírus, consumo de drogas (lícitas ou ilícitas), etc. —, nosso organismo possui mecanismos especializados para reparar o DNA danificado e evitar o surgimento de células tumorais. Entre os vários mecanismos de defesa, estão os anti-oncogenes (também chamados de genes supressores de tumores), genes responsáveis por reparar as lesões do DNA. O BRCA1 e o BRCA2 são dois exemplos da família dos anti-oncogenes.

Quando os anti-oncogenes BRCA1 ou BRCA2 sofrem mutação (já foram identificadas mais de 1000 mutações distintas, algumas delas com maior impacto sobre o risco de câncer do que outras), eles perdem a capacidade de suprimir o surgimento de tumores, deixando o indivíduo mais exposto ao desenvolvimento de cânceres, principalmente cânceres de mama e ovário.

A razão pela qual as mutações no BRCA1 e BRCA2 predispõem ao desenvolvimento preferencial de tumores na mama e nos ovários ainda não está totalmente esclarecida (como veremos a seguir, outros tumores também estão relacionados aos genes BRCA1 e BRCA2, mas em proporções menores).

As mutações nos anti-oncogenes BRCA1 e BRCA2 são hereditárias. Essas mutações são transmitidas de uma geração para outra por meio de herança autossômica dominante. Isso significa que uma pessoa que herda uma cópia mutada de BRCA1 ou BRCA2 de um dos pais já tem um risco aumentado para determinados tipos de câncer, mesmo que a outra cópia do gene seja normal.

Se você quiser entender um pouco mais sobre mutações hereditárias e herança autossômica dominante, leia: Introdução à genética: conceitos básicos.

Prevalência das mutações BRCA1 e BRCA2

A prevalência das mutações BRCA1 e BRCA2 é mais elevada em certos grupos étnicos. Por exemplo, mulheres de origem judaica Ashkenazi têm uma chance significativamente maior de apresentar variantes patogênicas nos genes BRCA1/2, com uma prevalência de cerca de 2,5% para algumas mutações específicas. Essas mutações também foram identificadas em populações específicas em regiões como Islândia, Canadá, América Latina e alguns grupos afro-americanos.

De acordo com estudos, a chance de uma pessoa da população geral dos Estados Unidos ter qualquer variante patogênica nos genes BRCA1/2 é de cerca de 1 em 400, mas em indivíduos de ascendência Ashkenazi, a prevalência é de cerca de 1 em 40.

Na população em geral, a prevalência é baixa, apenas 0,1% tem mutações no genes nos genes BRCA1 ou 2.

Risco de câncer

Pacientes portadores de mutação no BRCA1 apresentam um risco vitalício de câncer de mama entre 57 e 72%, enquanto para mutações no BRCA2 o risco varia de 45 a 69%. Para o câncer de ovário, o risco é de 39 a 59% nas mutações do BRCA1 e de 11 a 20% nas mutações do BRCA2. Além disso, mulheres com mutação no BRCA1 frequentemente apresentam câncer de mama mais cedo (antes dos 50 anos) e com características mais agressivas, como o câncer de mama triplo-negativo.

Quanto mais tempo a mulher vive, maior será o seu risco de ter câncer. Por exemplo, praticamente todas as mulheres com mutação destes genes que vivem até 90 anos já terão tido pelo menos um episódio de câncer de mama ao longo da sua vida. Há também um risco aumentado de um segundo diagnóstico do câncer de mama, ou seja, a mulher com mutações do BRCA1 e BRCA2 tem alto risco de ter um novo câncer de mama, mesmo que tenha conseguido se curar de um câncer prévio.

Para efeito de comparação, estima-se que, em média, 12 em cada 100 mulheres na população geral desenvolverão câncer de mama ao longo da vida. Já entre aquelas com mutações nos genes BRCA1 ou BRCA2, essa taxa sobe para 60 em cada 100 mulheres.

Sendo assim:

  • A maioria das mulheres com câncer de mama não possui mutações nos genes BRCA1 ou BRCA2 (prevalência do gene defeituoso é baixa na população em geral).
  • A maioria das mulheres com mutações nos genes BRCA1 ou BRCA2 desenvolverá câncer de mama em algum momento da vida.

Outros tumores

Os homens portadores dos genes BRCA1 ou BRCA2 mutantes também têm um risco aumentado de câncer de mama, mas em proporções bem menores que nas mulheres, cerca de 10% apenas. Por outro lado, o risco de câncer de próstata é até 5 a 9 vezes maior para portadores de mutações no gene BRCA2, e 3 a 4 vezes maior para as mutações do gene BRCA1.

Além dos cânceres de mama, ovário e próstata, há também um risco aumentado de câncer de pâncreas, trompas de Falópio, melanoma e carcinoma peritoneal em portadores de mutação nos genes BRCA1 ou 2. No entanto, esses riscos variam significativamente e, em alguns casos, ainda não são amplamente estabelecidos em diretrizes clínicas.

Estudos sugerem, por exemplo, que portadores de BRCA2 têm entre 2 e 5% de risco vitalício de câncer de pâncreas, um risco levemente superior ao dos portadores de BRCA1.

Quando pesquisar a mutação genética?

Como apenas 0,1% da população possui os genes BRCA1 ou BRCA2 defeituosos, não é prático nem economicamente viável realizar testes indiscriminadamente em toda a população.

A presença de dois familiares com câncer de mama não é sinônimo de uma mutação genética herdada. A maioria das pessoas ou famílias com câncer de mama não apresenta mutações nos genes BRCA1 ou BRCA2. Para se considerar a possibilidade de mutação e, consequentemente, a indicação do teste, algumas características familiares devem estar presentes:

  • Diagnóstico de câncer de mama ou ovário em 3 ou mais membros da família.
  • Diagnóstico de câncer de mama antes dos 50 anos em pelo menos um membro da família;
  • Pacientes com 2 episódios distintos de câncer de mama (não recorrência do tumor, mas sim um novo câncer).
  • Familiares próximos com câncer de mama e câncer de ovário.
  • Câncer de mama em homens.
  • Câncer de mama em ambas as mamas.
  • Paciente com câncer de mama e familiares próximos com outros tipos de câncer, como pâncreas ou próstata.

Teste genético

Os testes genéticos para BRCA1 e BRCA2 podem gerar os seguintes resultados:

  1. Positivo para mutações de alto risco nos genes BRCA1 ou BRCA2: significa que foi identificada na paciente uma mutação conhecida por aumentar o risco de câncer de mama ou ovário.
  2. Provável negativo ou resultado inconclusivo: indica que a paciente não tem uma mutação conhecida do BRCA1 ou BRCA2. Esse resultado não exclui a possibilidade de risco hereditário, pois nem todas as mutações são detectadas nos testes atuais e muitas mutações genéticas ainda não foram descobertas.
  3. Negativo real: indica que uma mutação conhecida em um dos familiares foi descartada na paciente. Esse resultado geralmente indica que o risco de câncer de mama é semelhante ao da população em geral.
  4. Positivo para mutação genética de significado desconhecido: indica que a paciente possui uma mutação, mas não se sabe ainda se ela aumenta o risco de câncer de mama ou ovário.

Um resultado negativo não significa que a paciente não possa desenvolver um câncer, assim como um resultado positivo não quer dizer que ela obrigatoriamente irá desenvolver câncer.

O que fazer quando a pesquisa genética é positiva?

Quando a paciente recebe a notícia de ter uma mutação reconhecidamente perigosa dos genes BRCA1 ou BRCA2, algumas opções para a prevenção do câncer de mama e de ovário devem ser colocadas à mesa.

Rastreio frequente

Mulheres devem seguir a seguinte rotina de rastreio de malignidades:

  • Autoexame das mamas mensalmente, a partir dos 18 anos.
  • Exame clínico das mamas por um médico experiente de duas a quatro vezes por ano, começando aos 25 anos.
  • Mamografia ou ressonância magnética das mamas a cada seis meses, a partir dos 25 anos.
  • Rastreamento do câncer de ovário com ultrassom transvaginal e níveis de CA-125 duas vezes por ano, a partir dos 35 anos (ou 10 anos antes do caso mais precoce na família).

Homens devem seguir a seguinte rotina:

  • Autoexame da mama mensalmente.
  • Exame clínico das mamas por médico experiente semestralmente.
  • Mamografia anual, principalmente se houver ginecomastia.
  • Rastreio apropriado para o câncer da próstata.

Cirurgia preventiva

A mastectomia bilateral e a remoção das trompas e dos ovários são opções radicais, mas com resultados eficazes na prevenção de câncer em pacientes com mutações nos genes BRCA1 ou BRCA2.

A mastectomia reduz em mais de 90% o risco de câncer de mama, sendo que a retirada total da mama é mais eficaz. Técnicas modernas que preservam os mamilos e a pele têm resultados similares, com menor impacto estético. Muitas pacientes optam por uma cirurgia plástica reconstrutiva após a mastectomia. A remoção dos ovários reduz o risco de câncer ovariano em 90% e reduz em 60% o risco de câncer de mama.

Para portadores de BRCA1, é recomendado que a salpingo-ooforectomia profilática (remoção das trompas e ovários) seja realizada entre os 35 e 40 anos, enquanto para portadores de BRCA2, essa cirurgia pode ser considerada entre os 40 e 45 anos, pois o risco de câncer de ovário tende a ser menor e ocorrer mais tarde. Esta cirurgia, além de reduzir o risco de câncer de ovário e de trompas, tem mostrado melhorar a sobrevida a longo prazo.

Apesar dos resultados favoráveis, ambas as cirurgias acarretam grande impacto emocional nas pacientes. A mastectomia bilateral pode ter efeitos desfavoráveis tanto na autoestima quanto na libido da paciente. Já a ooforectomia (retirada dos ovários) leva à menopausa precoce.

Prevenção com medicamentos

O tamoxifeno pode reduzir o risco de câncer de mama em mulheres com mutações nos genes BRCA, embora o grau de eficácia ainda não esteja completamente esclarecido. Estudos apontam que o tamoxifeno é particularmente eficaz em mulheres com mutação no BRCA2, pois muitos cânceres associados ao BRCA2 são positivos para receptores hormonais.

Anticoncepcionais hormonais (pílula, adesivo de pele, anel vaginal ou implante) também podem reduzir o risco de câncer de ovário.

Influência do estilo de vida sobre o risco

Estudos sugerem que fatores de estilo de vida, como a prática de atividade física e a amamentação, podem influenciar o risco de câncer em portadores de mutações BRCA.

A atividade física, por exemplo, foi associada a uma redução de 20% no risco de câncer de mama.

A idade no primeiro parto também pode ter influência: mulheres portadoras de mutação BRCA1 que tiveram filhos mais tarde apresentam um risco ligeiramente menor de câncer de mama. Além disso, para mulheres portadoras de BRCA1, a amamentação tem sido associada a uma redução de risco de câncer de mama e câncer de ovário.

Cuidados com o rastreamento de câncer em pacientes com mutação BRCA

Mulheres com mutação BRCA1 ou 2, por sua maior susceptibilidade a lesões por radiação devido ao papel dos genes BRCA na reparação do DNA, devem evitar exposições desnecessárias a radiografias mamárias antes dos 30 anos, sendo a ressonância magnética uma alternativa preferível para o rastreamento precoce.

Embora o risco de câncer associado à radiação seja baixo para a maioria das pessoas, pacientes com mutação BRCA podem ter maior risco devido ao comprometimento na capacidade de reparo do DNA.

Outras recomendações de rastreamento para câncer em portadores de BRCA

Para portadores de BRCA1 ou 2 com história familiar de câncer pancreático, recomenda-se iniciar o rastreamento para câncer de pâncreas aos 50 anos ou 10 anos antes da idade de diagnóstico mais precoce na família. Esse rastreamento inclui exames de imagem específicos, como ultrassom endoscópico ou ressonância magnética pancreática. Já para melanoma, embora não existam diretrizes específicas, é aconselhável que portadores de BRCA evitem exposição excessiva ao sol e façam exames de pele anuais.

Aspectos reprodutivos e aconselhamento genético

Como as mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 são herdadas de forma autossômica dominante, existe uma chance de 50% de que os filhos de um portador herdem a mutação. Para indivíduos em idade reprodutiva, o aconselhamento genético pode incluir opções como diagnóstico genético pré-implantacional (PGD), que permite a análise genética de embriões obtidos por fertilização in vitro antes de sua implantação no útero.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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