Sarcoma de Kaposi (câncer do HIV)

O sarcoma de Kaposi é um tumor vascular associado ao HHV-8, comum em imunossuprimidos, como pessoas com HIV/AIDS. Manifesta-se por lesões cutâneas e viscerais, variando de indolente a agressivo.
Dr. Pedro Pinheiro
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Sarcoma de Kaposi

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O que é sarcoma de Kaposi?

O sarcoma de Kaposi é um tipo incomum de câncer, historicamente muito raro, mas que passou a ser visto na prática médica com maior frequência após o surgimento da pandemia da AIDS e o aumento no uso de terapias imunossupressoras, particularmente em transplantes de órgãos e no tratamento de doenças autoimunes.

O sarcoma de Kaposi é um câncer vascular que surge dos tecidos dos vasos sanguíneos e linfáticos. As células malignas formam aglomerados, resultando em tumores que normalmente aparecem como nódulos ou placas arroxeados, vermelhos ou amarronzados na pele.

Causas

O sarcoma de Kaposi é causado por um subtipo de vírus da família do Herpesvírus, chamado de HHV 8 ou KSHV (Kaposi sarcoma herpes vírus).

Apesar de serem da mesma família, o HHV 8, que causa o sarcoma de Kaposi, não está relacionado aos HHV 1 e HHV 2, que causam o herpes labial e o herpes genital, respectivamente.

Embora o HHV 8 seja o agente responsável pelo surgimento deste tumor, a infecção isolada pelo vírus não é suficiente para o desenvolvimento da doença.

Na verdade, apenas 0,03% das pessoas saudáveis contaminadas pelo HHV 8 desenvolvem o sarcoma de Kaposi. Essa baixa incidência deve-se à capacidade do sistema imune de controlar o vírus. Por isso, durante séculos, o sarcoma de Kaposi foi um tumor extremamente raro.

Com o surgimento da pandemia de AIDS na década de 1980 e o aumento no uso de fármacos imunossupressores para o tratamento de diversas doenças, o número de pessoas imunocomprometidas cresceu exponencialmente, levando a uma maior incidência de doenças antes raras, como o sarcoma de Kaposi.

Entre as drogas imunossupressoras mais associadas ao surgimento do Kaposi estão a Ciclosporina e os corticoides.

Embora a transmissão exata do HHV 8 ainda não seja completamente compreendida, evidências sugerem que ela ocorra principalmente através do contato sexual e da saliva.

Neste texto, damos ênfase ao sarcoma de Kaposi relacionado à infecção pelo HIV, mas vale a pena discutir brevemente as formas clássica e africana da doença.

Sarcoma de Kaposi clássico

Chamamos de sarcoma de Kaposi clássico aquele que não tem relação com a AIDS. Essa forma de Kaposi ocorre principalmente em pessoas idosas, geralmente de origem mediterrânea ou do Oriente Médio, e segue um curso indolente.

Existe ainda uma segunda forma, chamada de sarcoma de Kaposi africano, mais prevalente na África equatorial. Diferente do clássico, essa forma é mais agressiva e acomete frequentemente jovens e crianças.

Sarcoma de Kaposi iatrogênico

O sarcoma de Kaposi iatrogênico ocorre em pacientes submetidos a imunossupressão prolongada, especialmente após transplantes de órgãos sólidos ou em tratamentos de doenças autoimunes com medicamentos imunossupressores, como ciclosporina, tacrolimus ou corticoides.

A imunossupressão reduz a capacidade do sistema imunológico de controlar a replicação do HHV-8, permitindo a proliferação de células tumorais e o desenvolvimento de lesões características.

As manifestações são semelhantes às outras formas de Kaposi, com lesões cutâneas arroxeadas ou vermelhas e, em casos graves, acometimento visceral.

A redução ou suspensão dos imunossupressores frequentemente leva à regressão das lesões, destacando a importância do equilíbrio entre o controle imunológico e a prevenção de rejeições no transplante.

Sarcoma de Kaposi relacionado à AIDS

Apesar de ser um tipo de câncer conhecido desde o século XIX, o sarcoma de Kaposi tornou-se relativamente comum a partir da década de 1980, com a explosão da AIDS.

O Kaposi associado ao HIV é até 15 vezes mais comum em homens do que em mulheres. Curiosamente, há uma predominância significativa em homens homossexuais, sendo menos frequente em indivíduos que adquiriram o HIV por outras vias, como transfusões de sangue ou uso de drogas injetáveis.

Sintomas do sarcoma de Kaposi na AIDS

Ao contrário da forma clássica, o sarcoma de Kaposi na AIDS pode ser uma doença disseminada e de rápida progressão, causando significativa mortalidade.

No entanto, graças aos avanços no tratamento com antirretrovirais, a gravidade do Kaposi relacionado ao HIV diminuiu drasticamente desde os anos 2000.

O envolvimento da pele é o sintoma mais característico e comum, acometendo principalmente membros inferiores, face, mucosa oral e genitália.

Lesões do sarcoma de Kaposi

As lesões variam entre manchas e pequenos nódulos arredondados. Podem ser solitárias ou múltiplas, com cores que variam entre roxo, vermelho e marrom. Elas são geralmente indolores e não causam prurido.

Sarcoma de Kaposi
Lesões do sarcoma de Kaposi

Além das típicas lesões cutâneas, o sarcoma de Kaposi também é muito comum na mucosa oral, acometendo cerca de 30% dos pacientes. As lesões orais aparecem frequentemente no palato (céu da boca) e na gengiva.

Nos casos de imunossupressão severa, o sarcoma de Kaposi pode acometer órgãos internos, como o trato respiratório e gastrointestinal. Nesses casos, os sintomas podem incluir tosse com sangue, dificuldade para respirar, dor torácica, sangramento nas fezes, obstrução intestinal e diarreia.

Sarcoma de Kaposi
Sarcoma de Kaposi

Embora raro, o tumor pode surgir em qualquer órgão do corpo, incluindo linfonodos, ossos, fígado, testículos, coração e músculos.

Diagnóstico

O diagnóstico do Kaposi costuma ser simples, sendo obtido através de uma biópsia de pele.

Após o diagnóstico, é necessário avaliar o estágio da doença, determinando se ela está restrita à pele ou se já acomete órgãos internos.

No contexto do HIV, a gravidade do Kaposi está diretamente relacionada ao nível de imunossupressão, avaliado pela contagem de células CD4+ e pela carga viral.

A presença do sarcoma de Kaposi é um critério definidor de AIDS em pessoas vivendo com HIV.

Leia: Sintomas do HIV e da AIDS (fase aguda e crônica)

Tratamento

O tratamento do sarcoma de Kaposi tem como principais objetivos o alívio dos sintomas, a prevenção da progressão da doença e a redução dos tumores para minimizar edema, comprometimento de órgãos e o impacto psicológico nos pacientes. A abordagem terapêutica varia de acordo com a gravidade da doença, a resposta do sistema imunológico e a extensão do tumor.

Terapia antirretroviral (ART)

O uso de terapia antirretroviral combinada é recomendado para praticamente todos os pacientes com sarcoma de Kaposi associado à AIDS. A introdução de ART resultou em uma queda significativa na incidência e gravidade da doença, além de melhorar os índices de sobrevivência. Em muitos casos, o tratamento antirretroviral é suficiente para controlar o tumor, especialmente em pacientes sem indicação urgente de quimioterapia.

Quimioterapia sistêmica

Quando a quimioterapia é necessária — como em casos de doença disseminada, envolvimento visceral ou progressão apesar do ART — agentes como doxorrubicina lipossomal peguilada são frequentemente preferidos. Esse agente apresenta menor toxicidade e maior eficácia em comparação com regimes convencionais. Paclitaxel é uma alternativa eficaz, especialmente em cenários com recursos limitados. Ambos os tratamentos demonstraram alta taxa de resposta e são indicados para casos avançados ou rapidamente progressivos.

Terapia localizada

Tratamentos locais, como quimioterapia intralesional com vinblastina, radioterapia e uso de alitretinoína tópica, podem ser úteis para lesões localizadas e sintomas específicos, como desfiguração estética. No entanto, essas abordagens não previnem o surgimento de novas lesões em outras áreas do corpo.

Síndrome inflamatória de reconstituição imunológica (IRIS)

A IRIS pode ocorrer em pacientes iniciando ART, com possível piora transitória das lesões do sarcoma de Kaposi. Essa condição é mais frequente em casos com alta carga viral e maior extensão do tumor. O tratamento deve ser mantido, e, em casos graves, pode ser necessária a introdução de quimioterapia adicional.

Abordagens experimentais e futuras

Tratamentos emergentes incluem imunoterapia, inibidores de angiogênese, como bevacizumabe, e inibidores do mTOR, como sirolimus e temsirolimus, que demonstraram atividade em casos refratários. Além disso, agentes antivirais específicos para o HHV-8 estão sendo estudados, mas ainda não há terapias disponíveis para uso clínico.

Prognóstico

O prognóstico do sarcoma de Kaposi melhorou significativamente com o advento do ART. Estudos indicam que pacientes com doença limitada (T0) apresentam sobrevida em 5 anos superior a 90%, enquanto aqueles com doença avançada (T1) têm sobrevida superior a 80%, quando tratados com quimioterapia combinada com ART.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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