Toxoplasmose: transmissão, sintomas e tratamento

Dr. Pedro Pinheiro
Dr. Pedro Pinheiro

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toxoplasmose

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O que é a toxoplasmose?

A toxoplasmose é uma doença causada pelo Toxoplasma gondii, um parasito presente em todo o planeta e com elevada prevalência na população mundial.

Para se ter ideia do quão comum é a infecção pela toxoplasmose, estima-se que cerca de 1/3 da população mundial já tenha entrado em contato com este parasito. E a toxoplasmose não é uma doença restrita apenas a países em desenvolvimento; cerca de 80% da população de Paris e 70% dos americanos apresentam sorologia positiva para este protozoário.

Mas se a toxoplasmose é uma doença tão comum, por que ouvimos falar tão pouco nela? Na verdade, o sistema imunológico da maioria das pessoas é forte o suficiente para impedir que o Toxoplasma gondii consiga nos fazer algum mal. Este fato explica o porquê de grande parte da população ter anticorpos IgG contra a toxoplasmose (explico o que é IgG toxoplasmose mais abaixo), sem nunca sequer suspeitar ter tido contato com o parasito.

A grande preocupação em relação à toxoplasmose está nas mulheres grávidas e nos pacientes imunossuprimidos, ou seja, com sistema imune debilitado como transplantados, HIV positivo, pacientes em quimioterapia ou em uso de drogas imunossupressoras.

Para saber mais sobre toxoplasmose na gravidez, leia: Toxoplasmose na gravidez. Sugiro, porém, a leitura completa deste texto antes, pois alguns conceitos importantes serão aprendidos aqui.

Transmissão

O parasito Toxoplasma gondii pode contaminar qualquer animal de sangue quente, incluindo os seres humanos, porém, é apenas nos gatos que ele consegue completar seu ciclo reprodutivo.

Em outras palavras, qualquer mamífero ou ave pode ter toxoplasmose, mas o parasito só produz ovos (chamados de oocistos) dentro dos intestinos dos gatos. Os felinos são chamados de hospedeiros primários; todos os outros animais são hospedeiros intermediários, pois só possuem o parasito adulto em seu organismo.

O ciclo de transmissão da toxoplasmose ocorre da seguinte maneira: um gato ingere o Toxoplasma gondii; este que se aloja em seus intestinos e passa a se reproduzir, liberando ovos (oocistos) de toxoplasma pelas fezes. Estes ovos ficam no solo até que algum animal os ingira.

No caso dos humanos, a ingestão destes ovos costuma de dar pela contaminação das mãos no solo, seguido pelo contato destas com a boca. Na verdade, todas as doenças causadas pela via fecal-oral, como, por exemplo, hepatite A (leia: Hepatite A | Sintomas, tratamento e vacina) e H. pylori (leia: H.pylori (Helicobacter pylori) | Sintomas e tratamento), costumam ser transmitidas por mãos inadvertidamente contaminadas por fezes.

Comer alimentos como frutas e verduras originários de solo contaminado por fezes de gatos também é uma via de transmissão. Lavar bem os alimentos antes de comê-los é uma medida eficaz para se reduzir a transmissão da toxoplasmose.

O parasito toxoplasma gondii parece também ser transportado por moscas e baratas que, ao terem contato com fezes de gatos contaminados, conseguem transportar os oócitos por longas distâncias.

Um dado importante é fato do oócito só se tornar infectante após 24-48 horas no solo. Por isso, é importante limpar diariamente as caixas de areia dos gatos a fim de evitar que os ovos do toxoplasma se tornem viáveis para transmissão.

Os outros animais, apesar de não disseminarem ovos de toxoplasma pelo ambiente como os gatos, também podem ser vias de transmissão da toxoplasmose.

Uma vez que o parasito se aloja nos tecidos dos animais contaminados, basta comermos carnes mal passadas destes para que o toxoplasma entre em nosso organismo. As principais carnes com risco de transmissão são as de porco, carneiro e veado.

É importante ressaltar que o animal não precisa estar doente para ter o toxoplasma em seus tecidos. Assim como ocorre em nós humanos, havendo um sistema imune intacto, o toxoplasma fica presente nos animais sem causar doença, apenas adormecido em seus tecidos. Se sua carne não for bem cozida, o parasito pode sobreviver e contaminar o trato digestivo de quem o está ingerindo.

O simples ato de manusear carne crua com toxoplasma é suficiente para contaminar mãos e utensílios de cozinha como facas e pratos. Um cozinheiro que prepara uma carne com toxoplasma, se não lavar as mãos, pode contaminar a si próprio e também outros pratos que venha a preparar.

O terceiro modo de transmissão da toxoplasmose é pela transfusão de sangue (leia: Doação de sangue informações para doadores para saber como é feita a triagem dos sangues para transfusão) ou pelo transplante de órgãos de doadores contaminados para receptores não contaminados.

Ainda existe a via de transmissão durante a gravidez, mas desta falaremos separadamente em outro texto a ser publicado brevemente.

Sintomas

Até 90% das pessoas sadias que se contaminam com o toxoplasma gondii, independentemente da via de transmissão, permanecerão assintomáticas indefinidamente.

Naquelas poucas pessoas imunocompetentes, ou seja, com sistema imune sadio, que venham a desenvolver a doença toxoplasmose, o quadro clínico costuma ser brando, com sintomas semelhantes a um quadro gripal inespecífico com febre, dor muscular, cansaço, dor de cabeça e rash cutâneo.

O sintoma mais característico é um aumento dos linfonodos (gânglios) do pescoço. Até 30% dos casos sintomáticos costumam ter linfonodos aumentados por todo o corpo. Alguns casos apresentam também dor de garganta, ficando muito semelhante à mononucleose.

Ao contrário de quadros virais comuns, a toxoplasmose sintomática costuma durar algumas semanas, em alguns casos, até meses.

Raramente a toxoplasmose pode causar problemas mais graves em pacientes sadios como lesões nos pulmões, coração e nos olhos, chamados respectivamente de pneumonite, miocardite e coriorretinite.

Independente de haver sintomas ou não logo após a contaminação, o paciente imunocompetente que adquire o parasito permanece com ele adormecido nos tecidos do corpo, geralmente músculos e tecidos nervosos, pelo resto da vida. O toxoplasma permanece anos inativado, controlado pelo sistema imune, somente à espera de qualquer problema que reduza nossas defesas naturais para voltar a atacar nosso corpo.

Sintomas da toxoplasmose em pacientes imunocomprometidos

Pacientes imunocomprometidos são aqueles que apresentam um sistema imune fraco, como nos seguintes casos:

Neste grupo de pacientes, a toxoplasmose é uma doença muito grave, uma vez que o sistema imune é deficiente e incapaz de impedir a proliferação do parasito.

Nos imunodeprimidos, a toxoplasmose pode ser uma doença recentemente adquirida, mas é na maioria das vezes uma reativação de uma infecção crônica que passou anos em silêncio enquanto o sistema imune ainda estava intacto, e agora, aproveita-se da baixa imunológica para atacar o organismo.

A lesão cerebral pelo toxoplasma é das mais comuns em pacientes imunodeprimidos. Os sintomas da toxoplasmose cerebral incluem convulsões, alterações na marcha, na fala, nos movimentos dos membros e no estado mental, podendo, muitas vezes, ser confundido com um AVC. O paciente pode também apresentar demência e até evoluir para o coma.

Outras lesões comuns da toxoplasmose em pacientes imunossuprimidos é a coriorretinite, que causa dor ocular e perda da visão; pneumonite, que cursa com febre, falta de ar e tosse seca; miocardite, com sintomas de insuficiência cardíaca. Se não tratada, a toxoplasmose pode levar os imunossuprimidos ao óbito.

Para mais detalhes sobre os sintomas da toxoplasmose, leia: Sintomas de toxoplasmose.

Diagnóstico sorológico

O diagnóstico da toxoplasmose é normalmente feito pela sorologia, ou seja, pela dosagem de anticorpos contra o toxoplasma gondii.

Abro aqui uma rápido parêntese para explicar como funciona a sorologia da toxoplasmose (e de várias outras doenças infecciosas). O raciocínio é o seguinte: o nosso corpo só cria anticorpos contra um determinado germe se formos expostos ao mesmo. Portanto, ter anticorpos contra toxoplasmose significa ter sido contaminado pelo parasito.

Para resumir um processo extremamente complexo, podemos dizer que nosso corpo trabalha basicamente com dois anticorpos, chamados de IgM e IgG.

Assim que um germe novo entra em nosso corpo, nosso sistema imune começa a produzir o anticorpo IgM, que é chamado de anticorpo de fase aguda. Ter IgM positivo para toxoplasmose significa que a doença foi adquirida muito recentemente (o IgM surge com apenas 1 semana de contaminação). Depois de mais ou menos 4 semanas, o corpo substitui o anticorpo IgM pelo anticorpo IgG, que é mais forte e mais específico contra a doença pretendida.

Portanto, depois de 4 semanas, o paciente deixa de ter IgM positivo e passa a ter apenas IgG positivo para toxoplasmose. Esta IgG para toxoplasmose ficará positiva pelo resto da vida.

Resumindo, um paciente com toxoplasmose aguda tem IgM positivo, enquanto um paciente que possui o parasito inativo no corpo apresentará IgG positivo. Quem nunca foi exposto ao toxoplasma tem IgM e IgG negativos.

Como a toxoplasmose não causa doença em 90% das pessoas, o único modo de saber se o paciente já foi exposto ao toxoplasma é através da dosagem do IgG para toxoplasmose. Saber se a pessoa já teve toxoplasmose, mesmo que assintomática, é uma informação muito importante no caso das grávidas.

Tratamento

Obviamente, pessoas com toxoplasmose assintomática não precisam de nenhum tipo de tratamento. Ter o toxoplasma inativo no corpo não significa estar doente. O tratamento também não está indicado naqueles com sintomas discretos, tipo gripe fraca, que duram poucas semanas.

O tratamento está indicado apenas nos casos sintomáticos, nos imunossuprimidos e nas grávidas. O esquema de primeira linha é feito com Pirimetamina + Sulfadiazina ou Pirimetamina + Clindamicina por 4 a 6 semanas.

Pacientes imunossuprimidos graves devem fazer profilaxia para impedir a reativação do toxoplasma. O esquema é o mesmo, apenas com doses mais baixas.


Referências


Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

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